Cidade de Gotemburgo, Suécia
(Divulgação)
Como vivem os políticos na Suécia
Em
dia de posse do novo Congresso brasileiro (01/02/2015), vale a pena lembrar
como vivem os políticos na Suécia: sem luxo, e sem privilégios. Um país sem
excelências e mordomias. https://www.youtube.com/watch?v=uIo-_xRsjis
CLAUDIA WALLIN - CARTAS DA SUÉCIA
O segredo da Suécia para combater a corrupção
O
que faz da Suécia um dos países menos corruptos do mundo? Entenda como desde a
década de 70 só houve dois casos de corrupção política naquele país a nível
nacional
Texto da jornalista Claudia Wallin, retirado do livro ‘Um País sem
Excelências e Mordomias’. No trecho abaixo, a jornalista entrevista Gunnar
Stetler, responsável pela corrupção na Suécia.
Gunnar
Stetler franze a testa, pisca duas vezes e contrai os músculos do rosto, como
quem faz um cálculo extraordinário. Percorre os labirintos da memória durante
uma longa pausa, e encontra enfim a resposta: nos últimos 30 anos, ele diz,
foram registrados apenas dois casos de corrupção entre parlamentares e
integrantes do governo na Suécia.
”Tenho apenas uma vaga lembrança”, diz Stetler.
”É muito raro ver deputados ou membros do Governo envolvidos em corrupção por
aqui.”
Estamos
no escritório abarrotado de arquivos e papéis do promotor-chefe da Agência
Nacional Anti-Corrupção (Riksenheten mot Korruption), no bairro de Kungsholmen.
A poucos passos dali, na mesma rua Hantverkargartan, fica a sede da temida
Ekobrottsmyndigheten, a Autoridade Sueca para Crimes Financeiros. Com o sol de
abril que enfim derreteu o gelo de mais um inverno , do outro lado da rua mães
passeiam com seus carrinhos de bebê entre os túmulos do jardim da igreja
Kungsholmskyrka, um hábito comum que se estende a vários cemitérios-parque da
cidade.
Da
sua pequena sala, Gunnar Stetler chefia o trabalho de promotores especializados
que investigam os principais casos de suspeita de corrupção no país. Casos
menos graves são processados a nível regional, nas diversas promotorias
distritais que compõem o cerco sueco contra trapaças, tramóias e falcatruas em
geral.
Com
1,93m de altura, expressão grave e ar insubornável, Gunnar Stetler é descrito
na mídia sueca como o maior caçador de corruptos do país. Entre os casos sob a
sua mira em 2013 estava a denúncia de que a operadora de telefonia sueca
TeliaSonera teria pago suborno no valor de 337 milhões de dólares para
estabelecer operações no Uzbequistão.
”Historicamente, 75 por cento das acusações
formais contra crimes de suborno na Suécia terminam em condenações”, diz
Stetler.
Nascido
em 1949, Stetler ganhou fama após conduzir casos como o de um ex-diretor da
empresa sueca ABB, condenado a três anos de prisão em 2005 por ter desviado 1,8
milhão de coroas suecas para uma empresa registrada no paraíso fiscal das Ilhas
Virgens Britânicas.
"Chega um momento em que uma pessoa não se
contenta mais com um Volvo V70, e quer trocá-lo por um Porsche. A ganância é
parte do dilema humano”, reflete Stetler.
Para
o promotor-chefe, são três os fatores que mantêm a Suécia à margem das listas
de países gravemente corruptos: a transparência dos atos do poder, o alto grau
de instrução da população e a igualdade social.
O que faz da Suécia um dos
países menos corruptos do mundo?
GUNNAR STETLER: Em primeiro lugar, a lei de acesso público aos
documentos oficiais. Esta lei, criada na Suécia há mais de duzentos anos, evita
os abusos do poder. Se os cidadãos ou a mídia quiserem, podem verificar meu
salário, meus gastos e as despesas de minhas viagens a trabalho. Meus arquivos
são abertos ao público. E acreditamos que, ao colocar os documentos e registros
oficiais das autoridades ao alcance do público, evitamos que os indivíduos que
exercem posições de poder pratiquem atos impróprios. Esta é a razão principal.
Em segundo lugar, é preciso citar a lei aprovada na Suécia há cerca de 200 anos
[em 1842, nota do autor], que introduziu o ensino compulsório no país e
aumentou o nível geral de educação da população.
Qual é o impacto de uma
população com maior grau de instrução na prevenção da corrupção?
GUNNAR STETLER: Se uma pessoa não tem acesso à educação, ela não tem
condições nem de compreender e muito menos de fiscalizar o sistema. Na Suécia,
acreditamos que uma sociedade se constrói não a partir do topo, mas a partir da
base da população. Portanto, é preciso oferecer uma boa educação a todas as
camadas da sociedade. A China tem um alto grau de corrupção, mas vem investindo
na melhoria do nível de instrução da população. Creio que isto irá, de certa
forma, reduzir a corrupção no país.
Com que frequência o seu
telefone toca com denúncias de corrupção?
GUNNAR STETLER: Recebo cerca de quatro ligações do público todos os
dias. Mas de cada 15 denúncias, em geral apenas uma tem base para caracterizar
um caso. A maior parte dos casos se refere a questões de menor dimensão, como
quando um funcionário público aceita viajar para um resort a convite de uma
empreiteira a fim de facilitar um contrato. Se você é um funcionário público na
Suécia, não está absolutamente autorizado a aceitar este tipo de convite.
Lidamos também com casos de maior envergadura. Acabo de acusar formalmente um
dos chefes do Kriminalvården (sistema prisional sueco), que recebeu subornos da
ordem de milhões de coroas suecas de uma empresa contratada para construir
penitenciárias. Trabalhamos com denúncias do público, da mídia e também de
sistemas nacionais de auditoria, como o Riksrevisionen (órgão independente que
controla as finanças das autoridades públicas na Suécia).
Qual é o nível de incidência de
casos de corrupção política a nível nacional na Suécia, entre parlamentares e
membros do Governo?
GUNNAR STETLER: É muito raro ver deputados ou membros do Governo
envolvidos em corrupção por aqui.
Qual foi a última vez que isso
ocorreu na Suécia?
GUNNAR STETLER: Se me lembro bem (pausa)…talvez tenham sido uns dois
casos (pausa)…nos últimos (pausa)…trinta anos.
O senhor quer dizer que desde a
década de 70 só houve dois casos de corrupção política a nível nacional?
GUNNAR STETLER: Sim.
Que casos foram esses?
GUNNAR STETLER: Se não me engano (pausa)…há cerca de dez anos
(pausa)…um deputado do Parlamento, representante da costa oeste, cometeu um
erro (pausa)…tenho apenas uma vaga lembrança.
Se o senhor tem apenas uma vaga
lembrança sobre o que seriam os dois únicos casos de corrupção política a nível
nacional nos últimos 30 anos, pode-se presumir que não tenham sido grandes
escândalos?
GUNNAR STETLER: Sim. Em termos de corrupção política, casos mais
sérios ocorrem principalmente nas municipalidades.
Mas a última vez que um
político sueco foi condenado à prisão por corrupção foi aparentemente em 1995.
Isso significa que o grau de corrupção política na Suécia não é em geral grave
o suficiente para exigir pena de prisão, ou é um sinal de que o sistema é
leniente com políticos corruptos?
GUNNAR STETLER: Na Suécia, em geral, toda punição é leniente.
Como assim?
GUNNAR STETLER: No sistema penal sueco, o princípio básico não é a
punição, e sim a reintegração do indivíduo à sociedade. Esta é a nossa
tradição. O código penalnão
prevê punição especialmente dura para casos de corrupção política.
Punições mais severas não são
então a resposta para combater a corrupção política?
GUNNAR STETLER: Quem pune políticos corruptos é a opinião pública.
Se um deputado ou um funcionário da administração estatal pratica um ato de
corrupção, ele será punido severamente pela sociedade, principalmente por ter
cometido um erro a partir de uma posição de poder. Um deputado, por exemplo,
pode ser forçado a renunciar através da pressão da opinião pública e da mídia,
mesmo quando não é indiciado formalmente.
Há alguma regra especial para
investigar e processar políticos por crimes de corrupção, como a necessidade de
obter aprovação do Parlamento ou de algum comitê?
GUNNAR STETLER: Não.
Cabe principalmente à mídia e
aos cidadãos fiscalizar o poder, ou a instituições como a que o senhor dirige?
GUNNAR STETLER: Cabe, em primeiro lugar, à imprensa livre. Se a
mídia tem acesso aos documentos oficiais, ela poderá agir, juntamente com os
cidadãos, para garantir uma sociedade mais limpa. É claro que agentes oficiais,
como a Agência Anti-Corrupção, também cumprem um papel importante. Presumo que
talvez, no Brasil, os cidadãos não confiem em servidores públicos como eu. Mas
na Suécia a maior parte das pessoas confia nas agências do poder público, e uma
das razões disso é o fato de que os cidadãos podem supervisionar o que as
agências fazem.
Como é o trabalho da Agência
Nacional Anti-Corrupção?
GUNNAR STETLER: Nosso foco principal é o suborno. Pode-se dizer que
o suborno, tanto na esfera pública como no setor privado, é um câncer para
qualquer sistema. Mesmo quando o valor do suborno é muito baixo, ele pode
influenciar uma licitação no valor de um bilhão de coroas suecas. No setor
público, é importante que as COMPRAS de bens e serviços sejam realizadas de
modo correto. A construção de um novo hospital, por exemplo, pode custar cerca
de 1,7 bilhão de coroas suecas (cerca de 260 milhões de dólares). Quando uma
agência do setor público lida com um contrato deste porte, é importante que
haja uma distância entre a empresa que vai construir o hospital e os
funcionários públicos que vão aprovar tal contrato. No meu ponto de vista, e
penso que a maioria das pessoas na Suécia concorda, é essencial que
funcionários públicos não aceitem ofertas ou presentes de nenhum tipo, mesmo os
de baixo valor.
Os suecos em geral parecem
realmente ter receio da regra que proíbe aceitar qualquer brinde ou presente
com valor acima de aproximadamente 400 coroas suecas.
GUNNAR STETLER: Em geral, nenhum funcionário público ou privado na
Suécia é autorizado a aceitar brindes ou presentes acima de 300 ou no máximo
400 coroas (entre cerca de 46 e 60 dólares). Na minha posição, não posso
aceitar nada.
Nada?
GUNNAR STETLER: Não. Nem mesmo um café com wienerbröd (tipo de pão
doce sueco). E não acho que políticos ou funcionários públicos na Suécia
aceitam, em geral, o que é considerado como suborno real, ou seja, grandes
subornos.
Não acontece?
GUNNAR STETLER: Pode acontecer, mas não é normal. A questão é
definir o que é considerado como um suborno. Para alguns, aceitar um convite
para jantar ou passar o fim de semana em um resort não configura um suborno.
Mas na Suécia, convites deste tipo caracterizam de fato um suborno.
Principalmente para aqueles que trabalham no setor público.
Aceitar
um convite para jantar pode então ser considerado um crime?
GUNNAR STETLER: Na minha opinião, uma pessoa ou empresa privada não
pode convidar um funcionário público para jantar, se há um negócio envolvido
entre as duas partes.
Qual é o seu melhor conselho
para um país como o Brasil se tornar uma sociedade mais limpa?
GUNNAR STETLER: É preciso compreender que esta é uma tarefa que não
pode ser cumprida em 24 horas. Para combater a corrupção, é necessário
implementar um sistema de ampla transparência dos poderes estatais, aumentar o
nível de educação da população em geral, e promover a igualdade social. A
educação é o princípio básico do que chamamos na Suécia de jämlikheten (a
igualdade social). E este é também um fator importante na prevenção da
corrupção. Parece-me que o Brasil é um país com enormes desigualdades sociais.
Qual a importância da igualdade
social neste processo?
GUNNAR STETLER: Se uma pessoa tem que lutar diariamente por sua
sobrevivência, para ter acesso a alimentação, escolas e hospitais, a questão do
combate à corrupção na sociedade certamente não estará entre seus principais
interesses. Mas quando uma pessoa se sente parte da sociedade à qual pertence,
passa a não aceitar os abusos do poder.
Fonte: Pragmatismo Político
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