O menino Jesus nasceu na cidade do Cristo Redentor. Era filho do
pedreiro José e da diarista Maria, com quem morava no Areal, comunidade do
Complexo do Alemão, cravado, tal qual punhal, na Serra da Misericórdia, Zona
Norte do Rio de Janeiro. Um aluno aplicado, Jesus sonhava em ser bombeiro quando
crescesse. Porém, na tarde do dia 2 de abril, quinta-feira santa, enquanto
brincava com um celular nos batentes da sua casa – localizada, aparentemente, na
sua zona de conforto, mas, na verdade, uma zona de guerra, de minas e
estilhaços nas esquinas –, Jesus foi executado: um tiro de fuzil, disparado covarde
e friamente a curta distância por um policial, atingiu-lhe a cabeça. Jesus tinha
apenas dez anos de idade – era uma criança. Num pretérito (im) perfeito, pois,
para ele, não haverá mais sonhos nem futuro, já que teve não apenas os seus pequeninos pés
descalços banhados com o seu próprio sangue, mas todo o seu corpo, Jesus saiu
da vida para entrar nas estatísticas. Para ele, não houve redenção e, hoje,
portanto, não comerá ovo de páscoa...
No vai e vem de um teleférico
Foto: Divulgação.
Consta em vários veículos de imprensa que, em desespero, ao deparar-se com
a imagem do filho desfalecido sobre uma poça de sangue, diante dos batentes da
sua casa, a piauiense Terezinha Maria de Jesus Ferreira de Souza, 40, avançou
contra o policial que havia tirado a vida do seu filho e disse, aos prantos: — Vocês mataram o meu filho.
O policial retrucou:
─ Já que eu matei o filho, a gente também
pode matar a mãe.
O pai de Eduardo Jesus Ferreira de Souza, 10, por sua
vez, o cearense José Maria Ferreira de Souza, 43, que também foi acusado de ser
bandido, como o filho havia sido, desabafou: — Antigamente, a gente era alvo de
bandido. Agora, virou ao contrário: estamos sendo alvo de polícia.
Não, não houve confronto armado, como a Coordenadoria da Unidade de
Polícia Pacificadora (UPPs) declarou à ocasião da tragédia, diante de todos e
da imprensa, alegando que Jesus teria sido vítima de uma bala perdida durante
tiroteio entre policiais do Batalhão de Choque e traficantes na comunidade do
Areal, uma das que sofre menos violência no Complexo do Alemão. Na verdade,
segundo moradores locais e a mãe da criança, houve apenas um único disparo,
certeiro, que ceifou a vida do seu filho. De acordo com demais declarações, colhidas
em veículos de comunicação, a Divisão de Homicídios da Polícia Civil do Rio de
Janeiro já afastou os policiais, que, supostamente, se encontravam numa
operação no dia em que Jesus foi baleado, estando, atualmente, respondendo a um
inquérito Policial Militar, bem como as suas armas foram recolhidas para a
realização de um exame balístico.
Enquanto isso, protestos
no Areal, por todo o Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro e em vários outros
lugares, pela morte de Jesus. Nas redes sociais, inconformismo e repúdio à
violência policialesca que amedronta, indiscriminadamente. E pior, com
policiais permanecendo impunes. Em Copacabana, neste domingo, 05, um enterro
simbólico de Jesus, caçula dos cinco filhos de José e Maria, marcou os
protestos do dia, embora o seu enterro esteja marcado apenas para a
segunda-feira, 06, no município piauiense de Corrente, distante cerca de 900 km
de Teresina – detalhe: todas as despesas decorrentes da tragédia arcadas pelos
Governos do Rio de Janeiro e do Piauí. Infelizmente, ninguém assume a tragédia
em si, nem acredito que aprenderam ou que aprenderão com ela, considerando as
prioridades nitidamente segregarias de um país que se norteia pela égide do
capitalismo – excludente por excelência.
A quem interessar possa
O teleférico do Complexo
do Alemão, que terá antecipada a paralisação das suas atividades para
manutenção por duas semanas a partir do dia 11 de abril por causa da violência
e que foi inaugurado no dia 07 de julho de 2011, é semelhante ao da cidade de
Medellín, na Colômbia...
Nada disso, contudo,
trará de volta a vida de Jesus.
Nathalie Bernardo da Câmara
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