sexta-feira, 25 de junho de 2010

A FOGUEIRA COMO ANUNCIAÇÃO

“Uma festa é um excesso permitido, ou melhor, obrigatório, a ruptura solene de uma proibição...”.

Freud (1856 - 1939)
Médico austríaco, fundador da psicanálise

Segundo pesquisei, além de Maria, a mãe de Jesus Cristo, que foi gerado nem sei como, São João é o único membro do panteão católico cujo nascimento, enaltecido, é comemorado, ou melhor, cultuado, pela Igreja católica, no dia do seu nascimento, 24 de junho, contrariando algo que, a priori, deveria ser uma regra para a instituição, já que os seus membros, acobertados por um falso moralismo extremado e estúpido, demonstram ser tão rígidos, ou seja: a de que os dias consagrados a homenagens aos santos são aqueles em que, quando os mesmos eram humanos, ocorreram a sua morte.

Tais comemorações, contudo, no caso do Brasil, foram, provavelmente, limitadas aos adros da Igreja católica até o início do séc. XVII, quando surgem os primeiros registros de festas populares de São João na então colônia portuguesa. Acredita-se, portanto, que, apenas tempos depois, levando em consideração a data da morte, no mês de junho, de outras duas criaturas, cultuadas, no caso, pela Igreja, ou seja, Santo Antônio, no dia 13, e São Pedro, no dia 29, a cultura popular uniria as três datas – incluso o nascimento de João, também em junho –, transformando-as em festas juninas.

Falando nisso – parênteses –, hoje já tem até festas julinas, agostinas... Daqui a pouco inventam as festas setembrinas, outubrinas... Bom! Profanas, as festas juninas seriam, para o povo, o equivalente ao culto, considerado sagrado, da Igreja aos dias dos ditos santos. Enfim! Uma lenda relacionada ao homem que se tornou um dos santos mais populares entre os católicos, que foi João Batista, considerado o elo entre a Antiga e a Nova Aliança de Deus – haja anel –, conta que a sua mãe, Isabel, para anunciar o seu nascimento à prima Maria, futura mãe de Jesus, acendeu uma fogueira. E que fogueira!

Daí que, nas festas de São João, a fogueira – o elemento mais importante e o mais significativo de tais festejos – ser arredondada na base, formando uma pirâmide, enquanto na Festa de Santo Antônio é quadrangular e na Festa de São Pedro triangular. Além disso, os fogos de artifício, utilizados nos festejos, seriam para despertar São João, chamando-o para comemorar o seu aniversário, e o barulho das bombas e rojões para espantar os ditos maus espíritos. O costume de soltar balões, por sua vez, teria a função de levar pedidos dos devotos aos céus e a São João... Opa!

Tem algo errado aí. Afinal, que eu saiba, os balões são proibidos pela Lei de Crimes Ambientais, regulamentada em 1999, e a venda de fogos de artifício e explosivos também já foi regulamentada pela legislação brasileira desde 2000. Enfim! Não é de hoje, as festa juninas, generosas, contemplam, sem maiores conflitos, o paganismo da sua origem e os aspectos religiosos que, de há muito, têm sido introduzidos pela Igreja nos festejos, já que estes são comumente visitados por religiosos ávidos para tentar resgatar prováveis ovelhas desgarradas do seu rebanho e, de repente, angariar outras.

De qualquer modo, o ponto alto do ciclo junino é a sua porção recreativa e cultural, que, dependendo da região brasileira, difere em alguns atrativos, apesar da sua maior parte está presente, visto lhe ser inerente, em todas as versões das festas, proporcionando diversão. Exemplo disso, como já foi dito – tirando o inconveniente da fumaça –, são as fogueiras, bem como demais elementos, tipo as bandeirolas coloridas, o levantamento de mastro, as quermesses, as barraquinhas com jogos, outras com comidas típicas, doces e salgadas, a maioria à base de milho...

Sim, um grão em alta, o milho, neste período do ano, pois é o da colheita – vegetal sobre o qual, inclusive, falarei em outro post, pois, apesar de não gostar nem um pouco do seu cheiro, muito menos das comidas feitas com ele, com exceção da pamonha salgada, que aprendi a apreciar no Distrito Federal, considero-o extremamente necessário à dieta humana, sobretudo para as mulheres, pois, pelo que sei, ajuda na reposição hormonal. Bom! Noutras barraquinhas, então, já que estávamos a falar das que serviam comidas, são servidas as bebidas, sobretudo o típico quentão.

Agora, além das barraquinhas, a oferta de uma diversidade incrível de danças, já que a Festa de São João, por exemplo, é tida como a mais alegre das juninas: quadrilha, forró, baião, xaxado, fandango, xote... O fato notório é que, de todos os ritmos dançantes que caracterizam as festas juninas, a quadrilha, em particular, é o mais tradicional. O compositor, cantor e escritor brasileiro Chico Buarque, inclusive, em sua canção intitulada Quadrilha, tece um verso que, de repente, traduz o espírito festivo dos festeiros durante o ciclo junino, ou seja: “Salvo chuva e salvo engano, a satisfação é geral”.

Quem se atreve a dizer que não o é? Afinal, em noites de junho, o único fogo que se apaga, se chove, é o da fogueira. E, se há engano, nem que seja porque Santo Antônio não deu uma força em alguma conquista amorosa, parte-se para outra, tirando alguém, por exemplo, para dançar quadrilha...





Bom! Tudo indica que a quadrilha é oriunda da França, tendo surgido em fins do séc. XVIII, sendo que, em seus primórdios, era executada por quatro grupos de dançarinos. O nome quadrilha, então – quadrille, em francês –, deve-se as suas personagens lembrarem a formação militar de uma squadra – soldados perfilados em quadrado –, ao mesmo tempo em que, ao se popularizar, acompanhou o diminutivo de quadrado – cuadrilla, em espanhol –, e, segundo o folclorista brasileiro Luís da Câmara Cascudo (1898 - 1986), praticada, inicialmente, em meios aristocráticos, ou seja, uma dança palaciana.

Então... A quadrilha aportou no Brasil com a família real portuguesa e membros da sua corte, bem como através das diversas missões culturais francesas que estiveram no país ao longo do séc. XIX. Assim, introduzida nos salões brasileiros através do modelo francês da contradança por maestros franceses, não demorou muito, a quadrilha caiu no gosto do povo e passou por transformações, com as suas evoluções sendo modificadas e outras acrescidas, mudando até a sua música e os seus comandos, tornando-se uma dança folclórica, embora os comandos continuem sendo afrancesados.

Ocorre que, se, antes, a quadrilha costumava apenas ser dançada durante a Festa do Divino – uma festa móvel, por ser realizada ou fins do mês de maio ou início do mês de junho –, de há muito só é associada as festas juninas. Tanto que, por isso, muitos, inclusive, arriscam até dizer que São João sem quadrilha não é São João. Porém, atualmente, a dança, cujos instrumentos musicais que, de costume, a acompanham, são a sanfona, o triângulo e a zabumba, apesar de também serem comuns a viola e o violão, é conhecida por vários nomes. Vejamos, então, alguns, pois devem existir outros...

Em praticamente todo o Nordeste, por exemplo, quadrilha é quadrilha, embora, na Bahia, seja chamada de baile sifilítico; em Campos, no Rio de Janeiro, é conhecida como Mana-Chica; em São Paulo, quadrilha caipira; no Brasil Central, tipo Distrito Federal, saruê, uma variação da palavra francesa soirée... E, por aí, vai. Então! A priori, a dança deve consistir em um conjunto de cinco partes, ou de escalas, como se diz no teatro. Curiosamente, no Brasil, a quadrilha teve o acréscimo de um elemento cômico devido à incompreensão da língua francesa pela gente simples dos nomes das partes da dança.

Ou seja, alavantu (en avant tous), giro (tour), balanceio (balancé), caminho da roça (chemin du bois) e volta que está chovendo! ou olha a chuva! (retournez! il pleut!). Agora, quanto ao figurino dos participantes da quadrilha... Ao contrário da formalidade de outrora, a indumentária deve, de preferência, conter retalhos diversos e distintos, assemelhando-se, de certa forma, ao jeito caipira de ser. Quero dizer, rural e genuína, embora criativa. Sim, quanto mais caracterizado melhor, embora, eu, particularmente, não tenha andado muito chegada as chamadas festas de santo, ou melhor, a festas em geral.

E isso, apenas, porque, com o passar do tempo, tenho evitado aglomerações. Elas me sufocam, atemorizam... As pessoas excedem em tudo, até mesmo nas emoções, e, quando você menos espera, sai um doido do meio da multidão e... Bom! No entanto, antropologicamente falando, os festejos populares têm os seus encantos. São envolventes, promovendo congraçamento e sociabilidade. A quadrilha, por exemplo, que até eu já dancei, quando criança, tem a sua magia, sendo, ainda, onírica e lúdica. Outro exemplo disso é a Festa do Divino, que pesquisei durante anos e aprendi a admirar.

Enfim! É como diria a antropóloga brasileira Rita Amaral, autora da tese de doutoramento Festa à brasileira – Sentidos do festejar no país que “não é sério”, que li durante a minha pesquisa sobre a Festa do Divino: “Divertimento é coisa séria e pode ser entendido até mesmo como a segunda finalidade do trabalho, vindo logo após a necessidade de sobrevivência”. Só que, cara amiga, em ano de Copa do Mundo, a diversão, para muitos, termina, nem que seja aparentemente, sendo dupla! Ou melhor, exacerbada. E, por isso mesmo, é preciso estabelecer limites, senão o bicho pega...


Nathalie Bernardo da Câmara


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