quarta-feira, 30 de junho de 2010

O CHAMADO DO DNA

“A nuca é um mistério para os olhos...”.

Paul Valéry (1871 - 1945)
Escritor francês


À procura de um livro para ler, deparei-me, esta madrugada, com alguns dos meus exemplares dos romances policiais da escritora britânica Agatha Christie (1890 - 1976), lidos, inclusive, na adolescência. À época, ao adquirir todos os seus títulos disponíveis em livrarias e sebos, afora os ganhos de presente, adentrei no universo literário de outros autores do gênero, do qual Agatha Christie era única, embora, de vez em quando, relesse um ou outro romance daquela que ficou conhecida como a Rainha do crime, revivendo as aventuras de muitas das personagens criadas por ela, tipo Miss Marple, uma idosa, estudiosa da natureza humana, e o detetive belga Hercule Poirot, com a sua cabeça ovóide, bigode indefectível e brilhantes células cinzentas, capazes de desvendarem os casos mais intrigantes...

Porém, fico a imaginar como seriam, hoje, caso fosse viva, os enredos escritos por Agatha Christie. Digo isso porque, de uns tempos para cá, sem muita alternativa literária do gênero que seja do meu agrado, acompanho algumas séries televisivas americanas atuais de investigação criminal, nas quais detetives e policiais dispõem de uma evoluída ciência forense, de laboratórios de criminalísticas com tecnologia avançada e analistas de perfis para solucionar crimes com mais agilidade do que quando a escritora tecia as suas histórias – antes, por exemplo, da era do Ácido desoxirribonucleico - DNA, hoje figurinha fácil nas investigações criminais, possibilitando a identificação do autor de um crime, sendo, por muitos, chamado de impressão molecular, trabalhando, contudo, em parceria com a digital.

Retirado dos glóbulos brancos, o DNA é isolado a partir de uma gama de resíduos biológicos: sangue, esperma, saliva, raiz do cabelo, osso, dente, cera dos ouvidos, fezes e muco nasal, já que a seqüência nucleotídica da molécula é exclusiva de cada indivíduo, com exceção de gêmeos. Imagino, assim, que Agatha Christie teria utilizado esse e demais recursos, atualmente disponíveis, em suas tramas. Afinal, a utilização do DNA, com o objetivo de identificar criminosos – prova inconteste para a sua condenação –, é algo extremamente fascinante! Por outro lado, o teste de DNA pode ser, igualmente, de grande valia para inocentar quem, injustamente, foi julgado condenado por não importa qual crime. É o que dizem os advogados norte-americanos Barry Scheck e Peter Neufeld, co-diretores do Innocence Projet.

Organização de direitos civis norte-americana, criada em 1992, o Innocence Projet intercede junto a inocentes condenados por lei para que seja provada a sua inocência e conquistada a sua liberdade através de testes de DNA, os quais, para os advogados Scheck e Neufeld, “estão para a Justiça como o telescópio está para as estrelas”. Ou seja, para se fazer justiça, hoje, seja para condenar ou inocentar, basta, apenas, um simples cotonete. Quanto à Agatha Christie, a sua produção intelectual foi profícua: os romances, as memórias, as peças teatrais, os contos, os poemas... Sem contar os originais não publicados em vida. Calcula-se que mais de quatro bilhões de exemplares da sua obra já foram vendidos em diversas línguas, bem como muitas de suas histórias terem sido adaptadas ao cinema.

Além disso, a quantidade de traduções dos seus mais de cem livros é superada apenas pela Bíblia e pela obra do poeta e dramaturgo britânico Shakespeare (1564 - 1616). É, posso dizer que, pelo menos ficcionalmente, já vi bastante coisa, embora a realidade não seja muito diferente. Bom! Outro dia, contudo, assisti a um episódio de uma das tais séries televisivas e vi algo que achei exagerado, ou seja, o fato de, mesmo estando sob custódia da polícia, uma mulher, grávida, ser algemada a uma maca antes de ser transferida de uma cela de delegacia para um hospital penitenciário, a fim de dar à luz. Afinal, sentindo as dores do parto, com contrações e hemorragia, como, por mais que quisesse, a mulher poderia tentar fugir, ainda mais deitada, cercada de médicos, advogados e policiais?

O detalhe da algema teria sido uma falha no roteiro do episódio ou, de fato, faz parte do protocolo da polícia da vida dita real o excesso de prevenção, mesmo em casos como o da grávida, contra uma eventual fuga? Falando em fuga... Certa feita, em 1926, o carro de Agatha Christie foi encontrado abandonado, à beira de um lago, na Inglaterra, sem nenhum vestígio da escritora, muito menos uma pista do seu paradeiro, até que um funcionário de um hotel informou à polícia que uma das hóspedes assemelhava-se a mulher que aparecia nas fotos divulgadas da tida como desaparecida. Ao averiguar, a polícia confirmou tratar-se realmente de Agatha, que havia se registrado no hotel com o nome da amante do marido, o coronel britânico Archibald Christie (1889 - 1962), aviador da força aérea da Inglaterra.

O desaparecimento de Agatha Christie, contudo, nunca foi, de fato, esclarecido, elucidado satisfatoriamente. Nem mesmo por ela, fossem em declarações à polícia ou à imprensa, fossem em seus livros. Supõe-se, apenas, que, por causa da recente morte da mãe e, logo em seguida, da descoberta do adultério do marido, de quem se divorciou dois anos depois, estivesse deprimida e sofrendo de amnésia temporária. Ocorre que, até hoje, as especulações a respeito, são, provavelmente, o único mistério não solucionado pela escritora, que, aliás, em 1930, casa-se pela segunda vez com o arqueólogo britânico Sir Max Mallowan (1904 - 1978), quatorze anos mais jovem, que ela conheceu na Mesopotâmia, com quem compartilhou os mistérios ficcionais que criava e os da vida.

Enfim! Agatha Christie pode não ter criado histórias policiais na era do DNA, mas, com certeza, a mente fértil da escritora e as diversas viagens que realizou, inclusive as ao Oriente Médio, acompanhando o segundo marido, em função do seu trabalho, serviram como inspiração e cenário para vários dos seus romances. Todos, aliás, instigantes! Sim, com tramas bem elaboradas e muito bem escritas. Daí, fico a elocubrar, a importância que teria uma alma gêmea, ou melhor, de um DNA gêmeo para alguém. A escritora encontrou o seu, com quem – tudo indica – não teve mais problemas, pelo menos, de infidelidade. Tanto que, curiosamente, certa vez, ela disse: “O arqueólogo é o melhor marido que uma mulher pode ter”, acrescentando que, “quanto mais velha, mais interesse ele tem por ela”. E haja pesquisa!

Eu só acho que, em relação as séries televisivas, americanas ou de outra nacionalidade, de investigação criminal ou a filmes do gênero e a certos telejornais, deveria haver uma preocupação maior quanto à faixa etária advertida para assisti-los e ao horário de suas exibições. Sim, esses critérios tinham de ser muito mais rígidos e, de fato, cumpridos, sobretudo na televisão fechada, devido a cenas de fortes cargas de emoção de vários programas. Afinal, se já não são boas companhias nem exemplos a seguir por certos adultos, o que dirá por adolescentes e crianças! Ainda mais atualmente, quando o bom senso tem perdido cada vez mais espaço para o desequilíbrio mental e emocional da sociedade, que anda a fomentar toda sorte de violência, tornando-se algo estupidamente crescente e corriqueiro.

E isso é grave porque, ao mesmo tempo, a vida e os sentimentos também passam a ser banalizados, além da existência humana, que, parece, deixa de ter sentido, bem como os sonhos, a esperança, o amor... É, de fato, um problema, mas, principalmente, em função do preconceito da maioria em relação a ter cuidados com a sua saúde mental e emocional, embora, no mundo em que vivemos, o ideal seria que, sem exceção, todos tivessem um acompanhamento terapêutico para lidar com as adversidades. Ainda mais quando, cada vez mais, existe uma tendência de gente, aparentemente dita normal, manifestar uma dada psicopatia ou patologias que estimulam a violência. Enfim! Se a vida humana em si já é um grande e impenetrável mistério, o que dirá da natureza humana e dos seus fantasmas.

Certas pessoas, por exemplo, igual o bem tem as suas faces e a violência pode metamorfosear-se, são arrogantes a ponto de interferirem na vida de terceiros, acreditando, piamente, que são donas da verdade, conseqüentemente, dos desejos alheios, violando, muitas vezes, os seus direitos, levando-as a cometer algum tipo de crime. E isso, apenas, porque, por motivos os mais diversos, elas apostam na tão decantada impunidade para os seus atos sombrios, alegando, inclusive – é comum –, que as vítimas fizeram por onde serem agredidas. Porém, os agressores, apesar da memória invariavelmente curta, não importa o tempo que leve, serão, de alguma forma, punidos. Pode nem ser com a cadeia, já que, desta, muitos costumam escapar, mas com algo, às vezes, muito pior, que é a indiferença...

Nathalie Bernardo da Câmara

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