quinta-feira, 4 de outubro de 2012

NUNCA É TARDE PARA APRENDER*


Manual de instrução

Por Dora Kramer
Jornalista brasileira
Publicado no dia 03 de outubro de 2012 no jornal O Estado de S. Paulo.


Depois de anos de elogios ao cinismo, de celebração da baixa esperteza e do rebaixamento da ética à categoria das irrelevâncias, voltamos a falar de valores na dimensão do valor que de fato têm.

A impressão que dá é que ministros do Supremo Tribunal Federal estavam com o tema entalado na garganta, à espera do melhor momento para desabafar.

Assim, a cada dia, a cada sessão de julgamento do processo do mensalão, sucedem-se, em forma de votos, lições sobre a distinção entre o certo e o errado.

Uma questão aparentemente simples, cuja abordagem fica complicada em ambiente onde viceja com sucesso a cultura da transgressão.

O que seria normal tornou-se excepcional. A regra virou exceção. Quem reclama é mal intencionado ou desavisado sobre a impossibilidade de o Brasil andar nos trilhos da lei.

Na sessão de segunda-feira, o decano da Corte, Celso de Mello, deu uma aula magna sobre o direito de todo cidadão de contar com "administradores íntegros, parlamentares probos e juízes incorruptíveis".

Um voto em feitio manual de instrução contra a venalidade e a delinquência como modos de operação do poder público.

Pontuou com clareza meridiana o mal que a corrupção faz ao Estado de direito, resgatou o sentido do memorável discurso de Marco Aurélio Mello quando assumiu a presidência do Tribunal Superior Eleitoral em 2006.

Marco Aurélio foi o primeiro a apontar com contundência o processo de degradação de princípios baseada nas conveniências políticas de um governo.

"A rotina de desfaçatez e indignidade parece não ter limites, levando os já conformados cidadãos brasileiros a uma apatia cada vez mais surpreendente, como se tudo fosse muito natural e devesse ser assim mesmo; como se todos os homens públicos, em diferentes épocas, fossem e tivessem sido igualmente desonestos, numa mistura indistinta de escárnio e afronta, e o erro do passado justificasse os erros do presente", avisou.

À época falou praticamente sozinho, no diapasão dos votos vencidos que costumam lhe render acusações de que contraria o senso comum por puro estrelismo.

Na essência, hoje Marco Aurélio tem a companhia da maioria de seus pares. Com variações de entonação e argumentos, reafirmam os limites da legalidade como pressuposto básico - deveria ser óbvio - para a vida pública e privada.

*A ilustração foi escolha minha.

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