segunda-feira, 15 de outubro de 2012

ÚLTIMA CHANCE



Por Marina Silva
Ambientalista brasileira, ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente

Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo no dia 12 de outubro de 2012.


A "via crucis" do Código Florestal tem na segunda-feira mais uma dolorosa estação. É o prazo para que a presidente Dilma Rousseff acate ou vete as novas mudanças feitas por ruralistas num texto que já nasceu ruim e só tem piorado.

Independentemente dos vetos que venha a fazer, já podemos dizer que ganhou quem desmata e perdeu a sociedade. Basta ver o aumento do desmatamento, previsível e anunciado, com proporções semelhantes às do triste passado de motosserra, correntão e fogo.

Dizem que é a soja, o gado, o ouro. Mas é pela certeza da impunidade -propiciada pela anistia feita entre governo e maioria- que arrasta o correntão do atraso no Congresso.

É provável que a lei a ser sancionada seja questionada em sua constitucionalidade. Motivos não faltam. Foi transformada numa colcha de retalhos de difícil interpretação e terá de ser remendada por decretos, portarias e regulamentos.

Porém a regulamentação do código não poderá reverter os danos: anistia aos desmatamentos ilegais, diminuição das APPs, reflorestamentos com espécies exóticas, inclusão de grandes propriedades na faixa de proteção mínima, redução da proteção nas margens dos rios, devastação de manguezais e apicuns etc.

E pode piorar se a sociedade achar que o estrago já está feito.

Para essa "colcha" ainda desempenhar função de proteger nossos biomas e valorizar nossos imensos recursos florestais, precisamos discutir urgentemente, com participação da sociedade, uma política florestal que estabeleça condições institucionais e instrumentos financeiros, tecnológicos e humanos para que o Brasil possa preservar, e usar com sustentabilidade, suas riquezas naturais, bem como cumprir compromissos de redução de desmatamento firmados na Política Nacional sobre Mudança do Clima.

A agricultura brasileira é o que é hoje porque, além de clima e solo favoráveis, também contou com 50 anos de políticas e investimentos públicos nos "planos safras" e com instituições como a Embrapa.

Pois bem, precisamos de políticas consistentes para que o uso sustentável das florestas possa ser uma alternativa econômica que promova o desenvolvimento de forma mais equilibrada com o ambiente. Isso exige colocar o Serviço Florestal Brasileiro à altura do desafio de cuidar de cerca de 60% de seu território.

Talvez seja a última chance para a presidente interromper os retrocessos na agenda socioambiental desencadeados em seu governo, evitar prejuízos irrecuperáveis, retornar à coerência de um projeto que se anunciava sustentável no início do governo Lula, honrar compromissos internacionais e assumir a posição de liderança que cabe ao Brasil. E ainda cumprir com a palavra empenhada nas eleições de 2010.

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