UM ALERTA!
“A imprensa sem algemas é essencial para o crescimento de uma nação, coluna principal de qualquer democracia, sinal de um povo maduro e autônomo...”.
Lya Luft
Romancista, poetisa e tradutora brasileira
Liberdade e honra*
Por Lya Luft
Até os 7 anos, menina numa cidade do interior, acreditei na cegonha (Papai Noel tinha entrado pelo ralo pouco antes. Cegonha era mais complicado). No tempo da inocência, a honra e a liberdade do povo me pareciam ser o natural objetivo de todo político e de toda autoridade, o bem da família seria o desejo de todos os pais, retribuir o cuidado deles seria empenho de todos os filhos. O bem seria recompensado, o mal punido. Simples assim. Mas somos apenas pobres humanos: não só os bons ocupam postos importantes, e influenciam milhões de pessoas. Palavras como “ética” e “moralidade” (não moralismo), no privado e no público, se tornariam antiquadas. Muitos pais veriam abalada sua autoridade num mundo onde a meninada é exposta aos piores modelos, às vezes sem uma orientação amorosa e firme de casa.
Amadurecendo mais, vi entre os líderes bem-intencionados, os que escutam sua gente e buscam atender às suas necessidades, aqueles que visam ao interesse próprio, fortuna e poder sempre maiores. Em nossa política atual, é de meter medo a Daca de estranhos ritmos em que lealdade e coerência parecem estar de castigo num canto da sala. Em que se desprezam publicamente leis e regras, e quem reclama ou denuncia é considerado um importuno, um chato, condenado ao isolamento ou ao ridículo. Em que se fazem negociatas e se cometem ilegalidades com a maior calma, dezenas de partidos firmam acordos e fusões improváveis, os eleitores andam descrentes e a população despolitizada.
Não acho que tenha piorado. Nunca fui saudosista. Prefiro a comunicação imediata pela internet a cartas que levavam meses. Gosto mais de trabalhar no computador do que de usar a velha máquina de escrever, que tinha lá seu charme. Mas, se nossa qualidade de vida melhorou em muitas coisas, é claro que saúde, estradas, moradia, saneamento, universidades e escolas estão cada vez mais deteriorados, e uma parcela vasta deste nosso povo ainda vive em nível de miséria. Não me canso de comentar as crianças que brincam diante do seu barraco, com barro que não é terra com águas, mas terra com esgoto. Ainda sofre e morre gente nas filas do SUS e nos corredores de hospitais sobrecarregados, com profissionais de saúde mal pagos e exaustos.
Alardeia-se que a nossa economia vai bem, mas estimulam-se os ingênuos a comprar o que em breve não vão poder mais paga, formando uma crescente bolha de inadimplência. Impostos exorbitantes e burocracia emperrada travam grande parte do nosso progresso. A corrupção escancarada e sua Irma fatal, a impunidade, nos afrontam, a nós que não somos um povo de bandidos ou malandros, mas de gente trabalhadora, às vezes conformada – o que é ruim. Enquanto isso e mai ainda perdurar, qualquer desvio de dinheiro e esforço para objetivos que não sejam resolver tais problemas é, mais que ilegítimo, cruel.
Os que me lêem mais uma vez dirão que sou pessimista e repetitiva: sou apenas uma observadora atenta, preocupada com este país onde os políticos e lideres honrados correm o risco de se tornar estranhos no ninho. Pois é neles que eu aposto: nos descentes que não buscam a vantagem pessoal, mas o bem do povo – que somos todos nós, do gari ao intelectual, da dona de casa à universitária, dos morenos aos louros de olhos azuis. Todos precisam colaborar, com consciência e responsabilidade conduzidas por uma imprensa independente, real veículo de informação em qualquer país.
Essa imprensa sem algemas é essencial para o crescimento de uma nação, coluna principal de qualquer democracia, sinal de um povo maduro e autônomo. Mas estão-se levantando sobre nós nuvens, sombras, ameaças de um controle da imprensa que nos deixaria infantilizados, quando precisamos de informação isenta para manifestar nossa vontade nas urnas. Não dá mais para acreditar na cegonha: sem saber exatamente o que acontece, não vamos poder agir. E a gente precisa cuidar do nosso próprio destino, com liberdade e honra - como merecemos.
* Revista Veja, 29 de setembro de 2010.
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