domingo, 25 de março de 2012

DOM BERGONZINI X O ABORTO E HONDURAS X A PÍLULA DO DIA SEGUINTE...


“O mundo pode ser um palco, mas o elenco é um horror...”.

Oscar Wilde (1854 - 1900)
Escritor britânico


Nenhuma novidade a conclusão chegada pelo polêmico autor da epígrafe acima... Bom! O fato é que o terror da inquisição, com o seu negro e escarlate manto desgastado, voltou a pairar sobre o Brasil, cujo Estado, laico por excelência, não deveria permitir perseguições a não importa qual ideologia, sobretudo porque, apesar dos pesares, queiram ou não, felizmente vivemos numa democracia. Falo, portanto, da campanha que, mais uma vez, o bispo – hoje emérito –, de Guarulhos, dom Luiz Bergonzini, anda a mover contra aqueles que defendem o direito a ter direitos. No caso, o direito a defender a legalização do aborto. Falo, ainda, do terror mais uma vez infligido por dom Luiz e pelos seguidores das suas ideias medievais porque, em 2010, durante as eleições presidenciais, o bispo, em suas romarias, de certa forma sacolejou a campanha da então candidata Dilma Rousseff pelo simples fato de ela ter declarado publicamente ser a favor da descriminalização do aborto. Não deu outra! O religioso desatou a pregar o boicote à candidatura de Dilma nas urnas, por pouco não pedindo a cabeça daquela que, hoje, pelo cargo que ocupa, é a personagem política de maior poder e envergadura do Brasil, já que, para azar e contrariedade do bispo, que, provavelmente, deve ter engolido a seco a votação expressiva que teve o seu desafeto, a maioria dos brasileiros a elegeu para comandar o país. Infelizmente, agora, de volta à cena, dom Luiz tem se revelado ainda mais inflexível na defesa das suas posições nada democráticas. Pelo contrário! Afinal, o bispo exala um fétido odor de conservadorismo e intolerância diante de certas questões que, historicamente, são abominadas e repudiadas pela Igreja católica – muitos dos seus membros, aliás, truculentos ao cubo, pensam e agem como se ainda vivêssemos na Idade Média.

Enfim! Na última quarta-feira, 21, ladeados por fiéis seguidores e – não duvido – novos adeptos da sua doutrina reacionária, que, inclusive, ele divulga no blog que mantém na internet, o bispo emérito de Guarulhos conseguiu reunir cerca de cem pessoas na Praça da Sé, em São Paulo, diante da sede do Tribunal de Justiça, angariando apoio e solidariedade ao movimento que ele classifica de pró-vida, ou seja, contra o aborto, recomendando aos presentes que, nas eleições deste ano, não votem nos candidatos que são favoráveis a sua descriminalização. Ocorre que, negue ou não o bispo, o seu principal objetivo, ao promover a manifestação, foi, novamente, atingir Dilma Rousseff, já que, segundo ele, como não tem coragem de admitir ser a favor do aborto – ela só teria admitido publicamente que o é da descriminalização da prática –, la presidenta nomeou a socióloga Eleonora Menicucci, que, aliás, por nada temer a respeito, até já admitiu ter abortado, para assumir a Secretaria de Políticas para as Mulheres. À ocasião, um dos participantes do evento inclusive exibiu um cartaz pedindo a demissão da ministra – reivindicação vista como mais do que justa por dom Luiz. Curiosamente, contudo, durante o ato de protesto, foram distribuídas reproduções do folheto que, em 2010, a Regional Sul 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB elaborou para recomendar à população brasileira que não votasse em Dilma. Recorrendo à Justiça para impedir a sua distribuição, o PT ganhou a causa, mas não conseguiu influenciar o impacto eleitoral provocado pelo panfleto, já que, por seu teor, Dilma acabou perdendo votos. O texto do segundo panfleto, por sua vez, intitulado A Mentira Perdeu, informa que, recentemente, a Justiça decidiu autorizar que o folheto da CNBB podia voltar a circular livremente.

Exultando com a decisão judicial, dom Luiz não se conteve: — Provamos que Dilma é a favor do aborto...

Nossa! A reação do bispo mais pareceu birra de uma criança contra outra. E, além do mais, grande coisa! Eu também sou a favor do aborto, bem como o é um sem fim de mulheres e homens de bom senso. E não somente no Brasil, mas em todos os países do mundo. Ah! Quase ia me esquecendo... O jornalista brasileiro Leonardo Sakamoto igualmente defende a descriminalização do aborto – fiz questão de mencionar este último detalhe porque, no seu blog, no dia 11 fevereiro deste ano, dom Luiz foi implacável com o jornalista apenas porque, no dia 7 do referido mês, ele publicou no seu blog um artigo de sua autoria sobre a tão propagada polêmica acerca da deliberada interrupção da gravidez, que é o aborto, por parte da mulher gestante. O título do artigo? A “defesa do direito ao aborto” e a “defesa do aborto”. Na verdade, com o texto, o jornalista quis não somente parabenizar Eleonora Menicucci por, um dia antes, ter sido anunciado oficialmente que ela seria a nova ministra-chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres, mas, também, para tentar esclarecer a diferença entre defender o direito ao aborto e defender o aborto, já que, à ocasião, segundo Sakamoto, parte da imprensa, “ao noticiar a posição pessoal da nova ministra”, que seria a da “defesa do direito ao aborto”, falou, simplesmente, “defesa do aborto”, o que, convenhamos, são duas coisas distintas. Além disso – o que deve ter indignado profundamente o bispo –, o jornalista aproveitou o ensejo para fazer algumas considerações sobre a questão: — “É uma vergonha ainda considerarmos que a mulher não deve ter poder de decisão sobre a sua vida, que a sua autodeterminação e seu livre-arbítrio devem passar primeiro pelo crivo do poder público e ou de iluminados guardiões dos celeiros de almas, que decidirão quais os limites dessa liberdade dentro de parâmetros (...) estipulados historicamente por… homens”.

Resultado: sentindo-se ultrajado, o bispo revidou. Porém, o absurdo de todo esse quiproquó é que se alguém não reza na cartilha da Igreja católica é imediatamente rotulado sabe-se lá do quê – de coisa boa é que não deve ser. Vai ver, no mínimo de herege! – como se isso afetasse quem não comunga com os dogmas católicos. A mim, particularmente, não afeta, pois eles não me dizem nada. Daí eu me abstrair e, na medida do possível, ignorar certas coisas que não fazem parte da minha realidade nem, muito menos, do meu histórico de vida. Por isso muitas vezes pensar que felizes de nós, os que não estão atados ao obscurantismo de ideias que remontam à Idade Média, visto que se a inquisição até hoje mantivesse acesas as chamas das suas fogueiras, obra-prima do Tribunal do Santo Ofício, que, aliás, de santo não tinha nada, já teríamos virado pó. Eu, Sakamoto, Eleonora, Dilma e bote aí uma considerável parcela da população mundial. Sei não, mas, será que dom Luiz não sabe o que é liberdade de pensamento e liberdade de expressão, ambas, inclusive, previstas e garantidas por leis? Ou será que, em sua opinião, tais liberdades não são ou não devem ser extensivas aos que pensam diferentemente da religião que ele segue e prega e que também têm, sim, o direito de expressar as suas ideias? Quanto a Sakamoto... Além de ser um competente jornalista diplomado e professor de jornalismo, ele é doutor em ciência política, já tendo coberto diversos conflitos armados e o desrespeito aos direitos humanos em Timor Leste, Angola e Paquistão, sendo, ainda, coordenador da Organização não governamental Repórter Brasil e o seu representante na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo - CONATRAE, órgão colegiado vinculado à Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, criada em 2003.

Daí eu tirar o chapéu, como se costuma dizer, para o ser humano engajado e politicamente correto que é Sakamoto, diferentemente do que penso, por exemplo, de muitos dos que compareceram ao ato promovido na quarta-feira em São Paulo contra o que dom Luiz chama de “cultura de morte”. Quanto exagero! E, depois, ainda tem gente que quer ter moral para criticar o fanatismo religioso dos mulçumanos. Bom! Como eu ia dizendo... Presentes, ainda, à manifestação – ou manifestação também é coisa de quem, na política, é de esquerda? – militantes do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira, autoproclamados herdeiros da Tradição, Família e Propriedade - TFP, organização de extrema-direita que, incondicionalmente, apoiou o golpe militar de 1964 – muitos ativistas, inclusive, tuitaram durante o evento chamado de pró-vida. Interessante, não é? Enfim! Toda essa polêmica, ou seja, uns defendendo o direito ao aborto e/ou defendendo o aborto, enquanto outros são contra, se tornou, a meu ver, algo totalmente estéril, não levando ninguém a lugar nenhum nem a nada. Afinal, tem certos temas – não vou nem mencioná-los aqui (a lista é grande) para não dá corda e trazer à tona demais polêmicas – que são de foro íntimo. No caso do aborto, entretanto, a situação agrava-se porque a interrupção da gravidez, não importa por qual motivo, é um problema de saúde pública, sobretudo se a mulher submete-se a procedimentos cirúrgicos clandestinos sem o mínimo de condições favoráveis a sua saúde. Além do mais, citando Sakamoto, negar a uma mulher o direito de fazer um aborto “é equivalente a dizer que ela não tem autonomia sobre seu corpo, que não é dona de si”. Em sua opinião, contudo, o Estado deve garantir esse direito à mulher, ou seja, o de ter autonomia sobre o seu próprio corpo.

Falando nisso... No dia 08 de outubro de 2010 publiquei no meu blog uma postagem intitulada Aborto: a dona do corpo é quem decide, na qual, além das minhas opiniões pessoais a respeito, reproduzi uma entrevista, publicada no blog da revista Época dois dias antes, que a jornalista brasileira Kátia Mello havia feito com a antropóloga brasileira Débora Diniz sobre o tema, embora, mais especificamente, a partir da seguinte pergunta: A Questão do aborto influenciará o seu voto? Bom! Aproveitando o ensejo, disponibilizo abaixo o link da referida postagem do meu blog, bem como o da postagem do jornalista Sakamoto mencionada no presente texto – recomendo a leitura de ambos. E é só.





Enquanto isso, em Honduras...

 
“Todos agem de acordo com uma necessidade interior...”.

Albert Einstein (1879 - 1955)
Físico alemão naturalizado suíço e depois norte-americano
Prêmio Nobel de Física de 1921 por sua Teoria da Relatividade


Localizada na América Central, às margens do mar do Caribe, e cujas fronteiras esbarram na Guatemala, em El Salvador e na Nicarágua, Honduras possui cerca de 8,2 milhões de habitantes, dos quais 70% encontram-se na faixa de extrema pobreza, passando fome e sem nenhuma perspectiva de mudança. Isso sem falar que o país é considerado um dos mais pobres do mundo. Bom! Nos próximos dias, ao invés de se preocupar com a elaboração de projetos que visassem erradicar a miséria do seu povo, o Congresso Nacional de Honduras protagonizará – já está protagonizando – uma polêmica desnecessária, que é a da votação de uma lei que determinará a detenção de toda e qualquer mulher que faça uso da pílula do dia seguinte, inclusive as vítimas de agressão sexual. Diante, portanto, de tal informação, a rede Avaaz, organização não governamental que desde 2007 mobiliza milhões de pessoas em todo o mundo para agirem em causas internacionais urgentes – da pobreza global aos conflitos no Oriente Médio e as mudanças climáticas –, recentemente lançou um protesto contra a aprovação da referida lei. Pela internet, a organização enviou uma petição – eu já assinei – que, após ser assinada por no mínimo 400.000 pessoas, será entregue pessoalmente ao presidente do Congresso Nacional hondurenho, Juan Orlando Hernández, levando em consideração que o parlamentar preocupa-se com a sua reputação internacional e o seu futuro político – torna-se presidente de Honduras, por exemplo –, exigindo que não submeta à votação uma lei extremista que, criminalizando a contracepção, desrespeita os direitos básicos das mulheres, sobretudo o de evitar uma gravidez indesejada. Além do mais, se aprovada, a lei fará de Honduras o único país no mundo a punir, com prisão, inclusive de até seis anos, não somente a mulher que fizer uso da pílula do dia seguinte, mas, também, se for o caso, o médico que a prescrever ou até mesmo quem vendê-la, sendo, portanto, segundo e-mail enviado pela Avaaz, “uma flagrante violação das diretrizes da Organização Mundial de Saúde” - OMS, que “declarou este contraceptivo de emergência como um medicamento essencial para todas as mulheres, especialmente as vítimas de estupro”.

Dois grandes obstáculos, entretanto, para que a lei contra a pílula do dia seguinte em Honduras seja rejeitada é que 97% da população do país são católicas, perdendo apenas para o Vaticano. O segundo obstáculo é o fato de não somente o presidente do Congresso Nacional de Honduras ser do Partido Nacional - PN, uma agremiação de direita, mas, também, o próprio presidente do país, o empresário e agropecuarista Porfírio “Pepe” Lobo Sosa, eleito com 55% dos votos válidos, bem como a sua vice, a administradora de empresas María Antonieta de Bográn – uma mulher, que, muito me espanta, ao invés de ser a favor da aprovação da lei, deveria se posicionar contrária a mesma. Enfim! Fico a pensar onde ficam nisso tudo as mulheres... Ou seja, qual seria mesmo o nosso papel no mundo. Seria – digamos – o de somente reproduzir, pondo no mundo homens de mentes obtusas tipo o bispo católico dom Luiz Bergonzini, o presidente do Congresso Nacional de Honduras, Juan Orlando Hernández, e o presidente do país, Porfírio “Pepe” Lobo Sosa, entre outros tantos monstrinhos que existem por aí, a torto e à direita a defender e a difundir uma desprezível mentalidade retrógada, desrespeitosa e abusiva contra a mulher? Se o for, é aconselhável que essa espécie de homem tenha cuidado. Afinal, como já disse o filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844 - 1900): — Na vingança e no amor, a mulher pode ser mais bárbara do que o homem...

Falando nisso, dê o seu apoio as mulheres de Honduras e assine também a petição contra a aprovação, no país em questão, da lei que criminaliza a prescrição, a venda e o uso da pílula do dia seguinte:



Nathalie Bernardo da Câmara


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