sexta-feira, 23 de março de 2012

A ONU, A ÁGUA E A BAÍA DE GUANABARA


“Saneamento básico é importante, mas também é importante preservar a mata ciliar das regiões das nascentes e estabelecer práticas agrícolas que ajudem a preservar e não a degradar o ambiente, assim como incluir no processo decisório as comunidades próximas e os demais usuários das águas...”.

Marina Silva
Ambientalista brasileira


No Dia Mundial da Água, comemorado nesta quinta-feira, 22, a ONU Brasil na Rio+20 divulgou um texto no qual a jurista portuguesa Catarina de Albuquerque, Relatora Especial para Água e Saneamento das Nações Unidas, tece alguns comentários sobre os temas que dão nome à pasta que ela ocupa na instituição. Abaixo, portanto, a transcrição do referido texto, seguido de outro, de autoria do jornalista Felipe Werneck, publicado no jornal O Estado de S. Paulo há dois dias, sobre a promessa das autoridades brasileiras, feita durante a ECO-92, ou seja, há praticamente vinte anos, de assumir o compromisso de cumprir as diretrizes do programa de despoluição da Baía de Guanabara. Porém, apesar de iniciada em 1995 e de já ter consumindo, ao longo de todo esse tempo, mais de US$ 1,17 bilhão, a tão propalada – pelas autoridades – e aguardada – pelos brasileiros e ambientalistas de todo o mundo – despoluição de um dos mais belos cartões-postais do país já foi prorrogada oficialmente por sete vezes e, infelizmente, continua inacabada. Na verdade, hoje, quase vinte anos depois, dá até dó saber que a Baía de Guanabara, ao invés de ter sido despoluída, se transformou num imenso e vasto esgoto a céu aberto...

Nathalie Bernardo da Câmara




Rio+20: “Não traiam seus compromissos sobre o direito humano à água e ao saneamento”


Para o Dia Mundial da Água (22/03), a Relatora Especial para água e saneamento, Catarina de Albuquerque, pede para os países não voltarem atrás das suas decisões de reconhecer o direito à água e ao saneamento para todos, e agir de forma coerente com elas. O direito a esses dois itens foram reconhecidos pela Assembléia Geral da ONU e pelo Conselho de Direitos Humanos em 2010.

“Alguns Estados, incluindo o Canadá e o Reino Unido, estão, aparentemente, propondo a remoção de algumas referências explícitas ao direito à água e ao saneamento para todos no primeiro rascunho do documento final da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, Rio+20″, ressaltou Albuquerque. “No contexto da agenda da Rio+20, quem não quer um futuro onde cada indivíduo goze de água potável? Quem não quer um futuro onde ninguém morra devido à água contaminada? Quem não quer erradicar a indignidade e a humilhação da defecação a céu aberto?”

Albuquerque disse ser fundamental ampliar os compromissos com o direito humano à água e ao saneamento. Precisamos falar para os milhões que são marginalizados e esquecidos – pessoas dormindo nas ruas, meninas que andam quilômetros para buscar água todos os dias, meninos que abandonam a escola por causa da diarreia e todas as pessoas que não têm acesso a água por causa de suas deficiências.”

“A Rio+20 e as metas de desenvolvimento do milênio após 2015 não devem trair os compromissos anteriores sobre o direito à água e ao saneamento. Já é tempo para se concentrar na população mundial que só têm acesso à água suja e insegura e ao saneamento inadequado”, destacou a relatora no Dia Mundial da Água.






Em 20 anos, despoluição da Baía de Guanabara vira esgoto

Por Felipe Werneck


RIO - O Dia Mundial da Água - data criada pela ONU (...) - tinha tudo para transformar este ano a Baía de Guanabara no cenário de uma festa especial. A três meses da Rio+20, a conferência sobre o desenvolvimento sustentável que deve atrair ao Rio de Janeiro mais de 100 chefes de Estado, a Cidade Maravilhosa poderia mostrar ao mundo a recuperação de sua baía, banhada por dezenas de rios, originalmente cercada por manguezais e antigo hábitat de golfinhos e tartarugas marinhas.

Anunciado há 20 anos, durante a Rio-92, o Programa de Despoluição da Baía de Guanabara começou a ser executado em 1995, foi prorrogado oficialmente sete vezes e, após consumir mais de US$ 1 bilhão, continua inacabado. Hoje, apenas 36% de todo o esgoto gerado nos 15 municípios do entorno é tratado. Um dos maiores símbolos da beleza natural do Rio no passado, a baía recebe em média 10 mil litros por segundo de esgoto sem tratamento. Duas décadas depois, o cartão-postal do Rio de Janeiro continua lindo - mas seu odor é fétido.

Nenhuma das quatro estações construídas ao longo do projeto, que ficou conhecido pela sigla PDBG, está operando plenamente. O programa passou por seis governos desde a assinatura do contrato com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em 1994. Inicialmente, a previsão para conclusão da primeira fase de obras era de cinco anos, chegando a 51% de esgoto tratado. Além do fiasco e do atraso, há questionamentos sobre a qualidade do tratamento. Outra crítica comum é de que tenha havido um desvio do conceito original, mais amplo. Na prática, ficou restrito ao saneamento básico, sem um plano ambiental.


Recursos.

O PDBG consumiu US$ 1,17 bilhão em recursos do BID, da Agência de Cooperação Internacional do Japão (JICA) e do governo do Estado. O primeiro desembolso ocorreu no fim de 1994, ano de implantação do Plano Real, e o dólar teve grande variação no período de contrato: chegou a valer R$ 4 em 2002.

Até hoje o esgoto não chega à estação de tratamento de São Gonçalo, inaugurada no fim do governo Marcello Alencar (1995-1998) - faltaram as redes. A estação da Pavuna, projetada para tratar 1.500 litros por segundo, recebe menos de 200. Na de Sarapuí, com a mesma capacidade, são tratados de 600 a 900 litros/segundo.

A maior delas, a de Alegria, projetada para 5.000 l/s, opera com metade disso. As estações da Pavuna, de Sarapuí e de Alegria foram inauguradas no governo de Anthony Garotinho (1999-2002), e o atual governador, Sérgio Cabral Filho, reinaugurou as duas últimas, com tratamento secundário.

No contrato, estavam previstos 1.248 km de redes coletoras de esgoto e 178 mil ligações domiciliares. Foram executados apenas 603 km de redes e 54 mil ligações até novembro de 2006, segundo o último relatório do BID. De acordo com a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), foram instalados 697 km de redes coletoras desde 2007, início da atual gestão - o número de ligações domiciliares, também solicitado pela reportagem, não foi informado.


Denúncias.

"Os principais problemas do PDBG foram a falta de transparência, de articulação com os municípios, de regulação da Cedae e, principalmente, a fraude cavalar de fazer as estações sem a rede", afirma o secretário de Ambiente do Rio, Carlos Minc. Autor de uma série de denúncias de irregularidades em obras do programa enquanto era deputado estadual pelo PT, Minc conseguiu em novembro de 2011 a aprovação no BID de um novo empréstimo de US$ 452 milhões para melhorar a coleta do esgoto despejado na baía.

O PDBG estava tão queimado que o programa mudou de nome para Saneamento Ambiental dos Municípios do Entorno da Baía de Guanabara (PSAM).

Minc afirma que o volume de esgoto tratado no início do governo Cabral, em 2007, era de 20% e chegará a 40% ainda neste semestre. "A nossa meta é chegar a 2014 com 65% e na Olimpíada (em 2016) com 80%", diz.

O presidente da Cedae, Wagner Victer, apresenta números um pouco diferentes. "Quando entramos (em 2007), era pouco mais de 15% e hoje estamos em quase 50%. Vamos chegar a 80% da baía em 4 anos." A meta apresentada pelo BID junto com o novo financiamento foi mais conservadora: 80% até 2018.

Um símbolo dos erros do programa é o que ocorreu com a estação de Paquetá. Fora de uso por muito tempo, ficou deteriorada, e o governo desistiu de colocá-la em funcionamento.

"Chegamos à conclusão de que era mais barato passar os tubos por baixo d'água e levar o esgoto para a estação de São Gonçalo", diz Minc. Mas a de São Gonçalo precisa ser refeita. "Ela foi inaugurada três ou quatro vezes e não funciona até hoje", conta a engenheira Dora Negreiros, que participou da concepção do PDBG e preside o Instituto Baía de Guanabara.


Lixo.

Minc afirma que estações de tratamento ficaram secas por até 13 anos "porque a grana para essas obras vinha de fora". "Já a grana para fazer redes, conexões, era do Fecam (fundo estadual), que ia para tudo, menos para saneamento e ambiente. Rede é debaixo da terra, o que dá voto é estação. São elefantes brancos, monumentos à incompetência, ao descaso, à ilusão."

Para Victer, os maiores problemas hoje são o lixo - um dos alvos (e fracassos) do programa original - e o fato de algumas empresas não quererem se conectar à rede de esgoto. "Vamos acabar com todos os lixões do entorno da baía este ano", promete Minc.

A recuperação ambiental da baía é um dos compromissos assumidos pelo governo para a realização da Olimpíada de 2016.



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