Por Marcelo Gerald
Psicólogo brasileiro, em artigo publicado em 26 de junho do corrente no blog Eleições Hoje (os destaques em negrito são do autor).
A Proposta de Emenda Constitucional 33 e a 99 entraram em debate graças aos protestos nas ruas de todo o país. Muito se tem falado, mas poucos leram o conteúdo das PECs. A mídia focou muito na 37 (ontem [25 de junho] arquivada pela Câmara), mas, em minha opinião, o maior risco para o país está na aprovação da PEC 33 e da PEC 99 em conjunto, pois enquanto a primeira tornará o STF um órgão meramente figurativo, a segunda abrirá caminhos para tornar o Estado Brasileiro uma teocracia.
Antes de falar sobre as emendas é bom esclarecer que para aprova-las é necessário que o texto obtenha a votação de três quintos do total de deputados, hoje esse número é de 308 dos 513 deputados e o mesmo se repete no Senado, em dois turnos de votação, em cada uma das Casas Legislativas. O texto, caso não sofra alterações, é promulgado, portanto não depende de sanção presidencial, nas manifestações recentes se viu muita faixa cobrando a PEC 33 e a 37 da presidenta Dilma, ela não pode fazer absolutamente nada, no máximo poderia se posicionar e cobrar parecer favorável ou contrário das bancadas das quais ela tem apoio (o que não deixa de ser relevante).
A PEC 99/2011 é de iniciativa do Deputado João Campos (PSDB-GO), muito conhecido pelos seus projetos anti-gays, a proposta de emenda surgiu por iniciativa da bancada teocrata por ser contra a união homoafetiva reconhecida em 2011. Pela proposta, instituições religiosas com representatividade nacional poderiam questionar a constitucionalidade de leis no Supremo. A laicidade prevista no Artigo 19 da Constituição Federal cairá por terra. Há também problema de isonomia porque associações representativas de movimentos sociais ficariam de fora, ao passo que não são todas as religiões que têm abrangência nacional, as menores ficariam de fora. Não é necessário estudar a história passada de todos os principais países do mundo para entender o que acontece quando há mistura entre Estado e religião, basta observar um pouco os conflitos no Oriente Médio. As entidades de classe, por exemplo, só podem propor quando têm interesses claramente ligados a propostas, as religiosas pretendem questionar praticamente tudo baseado em seus princípios e moral e ainda pretendem impor a sua visão de mundo para pessoas que não pertencem a sua religião (talvez o Supremo restrinja o campo de assuntos que as religiões podem questionar, mas não se pode contar com incertezas). Existem projetos absurdos e moralistas tramitando na Câmara, e o mais conhecido atualmente é o da “cura gay”. O Brasil é o único país do mundo a discutir um projeto como esse, ignorando o que diz a Organização Mundial de Saúde (OMS) e preceitos científicos e dando voz para uma única religião.
Em 2011, quando o Eleições Hoje, através de um texto da Karla Joyce, denunciou a proposta, alguns juristas disseram pra gente não se preocupar, que era tão inconstitucional que não passaria da CCJ, mas pasmem, passou em março desse ano. No Brasil é muito fácil registrar uma religião e o Estado não pode lhe negar reconhecimento. Se a PEC 99 for aprovada será mais fácil a essas instituições entrarem com ação direta de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade que uma entidade de classe, ou sindical, ou até mesmo um partido político, pois a esse é exigido representatividade no Congresso, com essa PEC os teocratas poderão questionar tudo e desta forma impor o que acreditam à sociedade.
A PEC 33/11 é de iniciativa de Nazareno Fonteles (PT-PI), outro parlamentar que não concorda com a união homoafetiva e pesquisas com células troco. Conseguiu amplo apoio do partido, que estava contrariado pelo julgamento do mensalão.
A proposta visa limitar amplamente os poderes do STF e ainda submeter suas decisões ao Congresso Nacional. A emenda é tão absurda que não mereceria ser levada a sério, mas, assim como a 99 ela passou na Comissão de Constituição e Justiça em março deste ano. Não existe nada parecido em nenhum país democrático atualmente. No Brasil tivemos exemplo próximo na Constituição outorgada por Getúlio Vargas, nela o presidente poderia submeter decisões do Judiciário ao Parlamento para apreciar e esse poderia derrubá-la, na prática o presidente podia derrubar tudo que o contrariasse. A medida nunca chegou a ser utilizada já que Getúlio dissolveu o Parlamento.
Mais tarde o Judiciário perdeu força totalmente com o AI-5 da Ditadura Militar, o Poder Judiciário passaria a se submeter totalmente ao Executivo. Foi excluída qualquer tipo de apreciação para atos do presidente.
A separação dos poderes é um dos pilares da democracia, uma das funções do Judiciário é justamente a de conter exageros que o Estado possa cometer sobre a vida de cidadãos comuns.
Com o decorrer das Constituições seguintes até 1988 foram sendo incluídos mecanismos que fortaleciam a separação de poderes, assim como o controle da constitucionalidade. A Constituição passou a dispor de um maior número de legitimados a apresentar ação direta de inconstitucionalidade, e em casos que o Poder Legislativo foi omisso passou a contar com mecanismos para cobrar a implementação da Constituição.
Gilmar Mendes afirmou que se a PEC 33/11 passar será melhor que se feche o Supremo e com razão, pois imagine o STF ter que avaliar a inconstitucionalidade de uma lei, a partir da emenda a Corte só poderá declarar inconstitucional caso 9 dos ministros votem favoráveis a essa decisão, atualmente a constituição exige que 6 dos 11 votem favoráveis, o Supremo passará a ser um órgão apenas figurativo, pois caso uma lei seja considerada inconstitucional, o Congresso poderá questionar e derrubar a decisão e para parecer democrático poderá gastar milhões com plebiscitos e deixar que o povo decida a constitucionalidade das leis. Só para ter uma ideia , quando estavam discutindo a divisão do Estado do Pará, foi estimado em 24 milhões de reais o custo do plebiscito. Imagine termos várias leis contestadas.
Já se pode imaginar o risco de leis autoritárias ou aberrações prevalecerem, tanto através da PECs 99 e 33. Imagine que um deputado da bancada teocrática proponha uma lei que imponha toque de recolher todos os dias em certo horário, o STF certamente julgará como inconstitucional e o Congresso poderá derrubar esta decisão, além disso leis que contrariem religiosos poderiam ser questionadas por eles e caso a decisão não os agrade o Congresso através de sua bancada teocrata e conservadora poderá derrubar a decisão. Com a 99, os religiosos poderão propor ações e com a 33 poderão derrubar tudo que não agradar, ou seja, estará decretado o fim do Estado Laico e da Democracia.
O cidadão brasileiro corre risco de ter de pautar a sua vida numa religião que não necessariamente é a dele. O Congresso poderá rever qualquer decisão de emenda que o STF considerar inconstitucional, na prática isso poderia atingir inclusive cláusulas pétreas, uma vez que a própria 33 fez isso na sua origem, ao praticamente extinguir a separação de poderes. A Constituição Federal passará dessa forma a ser vista como um livro a ser escrito conforme a vontade do legislador. O mais assustador é que a PEC33 é extremamente autoritária e a bancada do PT assinou em peso. Foram 76 dos 89 Deputados, ou seja, pouco mais de 85% da bancada.
A união da 99 com a 33 traz sérios riscos ao Brasil: ameaça a democracia, traz instabilidade jurídica, riscos a avanços científicos , a laicidade do Estado, que é fundamental pra que todas as crenças sejam respeitadas, a igualdade de direitos e pode ser a maior abertura feita até hoje pra tornar o Brasil numa Teocracia, tanto através da interferência de religiões predominantes quanto pelas suas bancadas no Congresso Nacional.
Em tempo! Leia mais em: http://www.eleicoeshoje.com.br/pec-33-99-fim-estado-laico-da-nossa-democracia/#ixzz2Y6HAhCRz
No referido link, aproveite ainda para assinar as petições contra as PECs 33 e 39.
NBC
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