sexta-feira, 5 de agosto de 2011

25 DE JULHO:
DIA DO ESCRITOR
(Publicado originalmente no dia 25 de julho de 2010)



“O escritor está sempre trabalhando em um livro,
mesmo quando não está escrevendo...”.

Antonio Callado (1917 - 1977)
Jornalista e escritor brasileiro


Há cinqüenta anos era instituído o Dia Nacional do Escritor. Em homenagem à data, como já disse a escritora brasileira Lygia Fagundes Telles, referindo-se a dicas de como escrever bem: “Ler, ler, ler. Escrever, escrever, escrever e rasgar muito”. Porém, hoje, sem muita inspiração para escrever algo original, porque está chovendo muito na praia e fazendo frio, mais querendo ficar sob as cobertas, assistindo a filmes, decidi, portanto, apenas transcrever dois textos postados neste blog no ano passado, em 2009 – já queria ter feito isso há mais tempo. Bom! O primeiro, no dia 31 de janeiro, intitulado O Caso Billy, e o segundo no dia 20 de fevereiro, cujo título é Os Escritores, os livros e os gatos. Afinal, o caso de amor entre escritores e gatos não é de hoje. Saliento, contudo, que, como de há muito eu já pensava em republicá-los, me dei à liberdade de fazer algumas correções e pequenas alterações em ambos, incluindo imagens como ilustrações. Mas, convenhamos, sem compromisso com algo mais sério, apenas, de repente, para dar uma gargalhada a mais em relação ao primeiro dos textos. Divertidíssimo! Quanto ao segundo, só um complemento. Nada mais.




O CASO BILLY


“Incapaz de uma baixeza, o gato vai vivendo à medida dos seus recursos...”.

Raul Pompéia (1863-1895)
Escritor brasileiro


Deu no jornal (janeiro 2009): Gato recebe Programa Bolsa Família por sete meses. Quem ainda não soube do inusitado episódio, ocorrido em um município do Estado do Mato Grosso do Sul, é capaz de dizer que isso é uma piada totalmente desprovida de graça ou que eu estou inventando. No caso, apenas para ter assunto e escrever. Só que foi verdade e, segundo as TVs, os jornais, as revistas e os sites que consultei, o fato aconteceu mais ou menos assim...

Fevereiro de 2008. No município de Antônio João, criado em 1964 – hoje (à época) com cerca de 8.350 habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE – e a 377 quilômetros de Campo Grande, além de ser um dos mais pobres do Mato Grosso do Sul – dos setenta e oito municípios do Estado, é o 72˚ no ranking de Desenvolvimento Humano - IDH –, uma história felina teve início.

Um dia, o servidor público concursado Eurico Siqueira da Rosa, 32, cadastrou no Programa Bolsa Família o seu filho Billy Flores da Rosa, nascido no dia 10 de fevereiro de 2007. Com direito a um número de identificação social – 21226418033 – Billy também dispunha de um cartão magnético de banco para receber diretamente os R$ 20,00 pagos, mensalmente, pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

Criado pelo governo federal, o Programa Bolsa Família objetiva assistir famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o Brasil. Assim, com um salário de R$ 500,00 mensais, por oito horas diárias de trabalho, Eurico Rosa aproveitou para também cadastrar a mulher, outros dois filhos e dois sobrinhos. A soma dos seis benefícios minimizaria, portanto, o drama do que é viver na pobreza, para a qual a gente não pode fechar os olhos e fingir que não existe.

No caso da família de Eurico Rosa, tudo ia as mil maravilhas até que, um dia... Ao ouvir através da emissora de rádio do município de Antônio João que os seus filhos estavam sendo convocados a comparecer ao posto de saúde, Eurico Rosa entrou em pânico, já que, na verdade, ele tinha fraudado o cadastramento dos filhos. Assim, com a esperança de se safar, o servidor público tentou apagar os vestígios do seu crime. Em vão.

Um agente de saúde, cumprindo com as suas obrigações, ligou para a casa do servidor e pediu que a mãe de Billy o levasse ao posto de saúde para que ele se submetesse a exames biométricos e nutricionais, previstos pelo Programa Bolsa Família. Ignorando o fato, ela disse que em sua casa não morava ninguém com esse nome, que o único Billy que conhecia era um gato de estimação que ela criara quando o casal ainda namorava e, detalhe... Billy havia morrido há anos.

Descobertas as fraudes, já que os outros dois supostos filhos do casal inexistiam e, aparentemente, recebiam R$ 62,00 cada, Eurico Rosa não teve escapatória, já que o agente de saúde comunicou o caso à Secretaria de Assistência Social e Trabalho do Município, que, por sua vez, abriu sindicância e descobriu que, desde 2006, Eurico Rosa era nada mais nada menos que o coordenador municipal do Programa Bolsa Família em Antônio João.

Confessando o logro, ele disse sentir remorso e alegou que só fez o que fez por fraqueza, já que, à época, estava passando por dificuldades financeiras e o seu salário era insuficiente para que a sua família pudesse viver dignamente. Porém, o caso foi remetido ao Ministério Público do Mato Grosso do Sul e, em dezembro, pressionado pelas investigações, Eurico Rosa afastou-se das suas funções, sendo exonerado a bem do serviço público em janeiro deste ano.

Além disso, o Ministério Público pode propor uma ação por improbidade administrativa e outra por fraude e crime de falsidade ideológica contra Eurico Rosa, bem como exigir o ressarcimento do dinheiro que, durante sete meses, no caso de Billy, ele embolsou ilegalmente. Nesse ínterim, os 1.184 inscritos no Programa Bolsa Família em Antônio João, que correspondem a 892 famílias beneficiadas, terão de ser recadastrados. O único, coitado, que teve os seus benefícios cortados foi Billy...

No entanto, quem pensa que, apesar de falecido, Billy supostamente recebia míseros R$ 20,00 por mês do Programa está enganado. O fato é que, segundo informações publicadas ontem, 30 de janeiro, pelo jornal Correio do Estado, de Campo Grande, a sindicância aberta para investigar o caso apurou que, a bem da verdade, o valor do benefício do morto era outro, ou seja, R$ 102,00... É! Eurico Rosa fez um gato com o gato. E isso não tem nada de gaiato.

O curioso é que, a priori, se para assumir a coordenação do Programa Bolsa Família do seu município, Eurico Rosa deveria estar ciente do modus operandi do referido programa, que incluía um documento de identidade do interessado para o cadastramento; o cadastramento em si; o preenchimento de formulários; a manutenção da base dos dados do beneficiário e acompanhamentos escolares e médicos, entre outros, como pôde ser tão incauto?

Pensando que poderia tirar vantagens em função do cargo que ocupava, nada mais fez que menosprezá-lo, além de expor as fragilidades do sistema. Vai ver que, por assumir um cargo de confiança, ele pensou que ficaria impune. Negativo, Eurico! Mesmo assim, se a gente comparar o derrame que foi o Mensalão, o dinheiro dos pseudo-beneficiados do Programa Bolsa Família embolsado por Eurico Rosa reduz-se a uma mixaria, a migalhas.

Aliás, até hoje, muitos dos envolvidos no Mensalão e em outros escândalos continuam impunes. Agora, se pelo menos Billy estivesse vivo e os R$ 120,00 mensais do Programa Bolsa Família fossem usados para a sua manutenção, incluindo leite e ração, a gente até entenderia o seu gesto. Afinal, segundo uma amiga, gato também é família... Enfim! O Caso Billy é apenas mais um exemplo de corrupção e do mau uso da administração pública.

Apesar disso, tirando as suas implicações criminosas, é preferível algo assim na TV, nos jornais, nas revistas e nos sites que os tiroteios trocados entre a polícia e os traficantes de drogas e de armas no Rio de Janeiro ou os inúmeros conflitos que fazem da Faixa de Gaza uma linha de fogo. E isso apenas por mérito de alguns dos componentes do Caso Billy, que também pode ser visto pelo viés do cômico, já que, convenhamos, não houve tragédia.

Só uma fraudezinha de nada. Isto é! Caso o dinheiro dos pseudo-beneficiados embolsado por Eurico Rosa for comparado, por exemplo, ao derrame do Mensalão. Falando nisso, ouvi dizer que, apesar da ampla repercussão do caso na mídia, Eurico Rosa foi convidado para ser assessor parlamentar de um vereador, ganhando mais do que recebia como coordenador do Programa Bolsa Família e tendo reduzida a sua jornada de trabalho de oito para quatro horas diárias... Ninguém merece!

Curiosidade... Alguém ficou sabendo qual era a cor de Billy? Seria laranja?






OS ESCRITORES, OS LIVROS E OS GATOS



"Os gatos são distantes, discretos, impecavelmente limpos e sabem calar. Falta mais alguma coisa para considerá-los uma excelente companhia?".

Marie Leszczynska (1703 - 1768)
Rainha da França


A lista de títulos sobre aquele que "possui todas as virtudes do homem sem os seus vícios", como bem o disse o poeta inglês Byron (1788-1824), é incalculável. O norte-americano Mark Twain (1835-1910), por sua vez, disse que "se fosse possível cruzar o homem com o gato, melhoraria o homem, mas pioraria o gato". Por isso que, neste meu ócio criativo, tese apregoada pelo sociólogo italiano Domenico de Masi – totalmente vivo, ufa! –, limito-me a só passar o meu tempo.

Gostaria de citar, portanto, a título ilustrativo, algumas pérolas literárias que, a exemplo dos gatos, não morreram, mas, que não viveram ou não vivem sem eles, simplesmente, desapareceram – sim, porque gatos não morrem, desaparecem –, a começar pelos escritores brasileiros Machado de Assis (1839-1908); Raul Pompéia (1863-1895); Manuel Bandeira (1886-1968); Graciliano Ramos (1892-1953); Mário de Andrade (1893-1945); Cecília Meireles (1901-1964); Erico Veríssimo (1905-1975); Mário Quintana (1906-1994) e Guimarães Rosa (1908-1967).

Lembrando, ainda, de Rachel de Queiroz (1910-2003); Jorge Amado (1912-2001); Vinícius de Moraes (1913-1980); Zélia Gattai (1916-2008); Clarice Lispector (1920-1977), nascida na Ucrânia e naturalizada brasileira; João Cabral de Melo Neto (1920-1999); Fernando Sabino (1923-2004) e tantos outros mais. Já entre os estrangeiros, podemos mencionar o italiano Dante Alighieri (1265-1321); os ingleses Wiliam Shakespeare (1564-1616) e Lewis Carroll (1832-1898) e o alemão Goethe (1749-1832).

Sem falar dos norte-americanos Edgar Allan Poe (1809-1849), T. S. Eliot (1888-1965), Prêmio Nobel de Literatura de 1948, Ernest Hemingway (1899-1961) e William Burroughs (1914-1997); os franceses Charles Baudelaire (1821-1867), Anatole France (1844-1924), Jean Cocteau (1889-1963) e Jean-Paul Sartre (1905-1980); os tchecos Franz Kafka (1883-1924) e Rainer Maria Rilke (1875-1926); o português Fernando Pessoa (1888-1935) e o chileno Pablo Neruda (1904-1973), Prêmio Nobel de Literatura de 1971.

Ah! Já ia esquecendo-me de Julio Cortázar (1914-1984), nascido na Bélgica e naturalizado argentino, que, também, teceu versos ao gato. Pois é! Foram e são muitos os escritores – a quantidade perde-se de vista – que já tiveram ou têm um gato e que, pelo menos, em um único momento da sua vida, escreveram para os seus gatos ou foram por eles inspirados para escrever não importa qual o tema das suas criações literárias. No Brasil, por exemplo, temos atuantes um sem fim de escritores.

Com ou sem um gatinho de estimação, os escritores que já escreveram ou, ainda, um dia, vão escrever sobre esse ser que, parece, já nasce pronto, a cada novo dia nos surpreendendo, são muitos, com ou sem empáfia. Sem falar no fascínio que as letras devem exercer sobre os gatos, já que muitos costumam morar em bibliotecas... Descobri, por exemplo, que existe até uma listagem da Library Cats Map, com sede em Boston, sobre os gatos de biblioteca do mundo inteiro.

Os gatos gostariam, então, do farfalhar das folhas dos livros e do seu cheiro, quando algum leitor os folheiam, ou seriam os ácaros que, por algum motivo, os atraem? Ou considerados, ainda, amantes da palavra por serem gatos intelectuais? O fato é que, se um gato é de estimação de algum escritor, ele está sempre próximo em seus momentos de criação literária, limitando-se a contemplá-lo, deitado e silencioso, sem o alarde dos cachorros, que, muitas vezes, só latem para chamar atenção e se tornam irritantes.

Nossa! A diferença entre o gato e o cão é tão gritante que Mademoiselle Colette (1873-1954), escritora francesa, disse que "os gatos pensam que são Deus, enquanto os cães pensam que são humanos...". Imagine um pit-bull, nojento, transgênico... Bom! Quando não, o gato faz o que ele mais gosta, ou seja, refestelar-se em um doce e lânguido cochilo ou, ainda, sonhar acordado com alguma tigela de leite, de ração ou, simplesmente, com um mero afago do seu dono, a quem faz companhia.

Mas, afinal, quem busca quem e quais as explicações para tantas afinidades entre os escritores e os gatos? Seria uma atração mútua, como bem questionou em seu blog a escritora Aline Ponce, que, inclusive, tem um casal de gatos? A gata fêmea, por exemplo, parece ser bastante mimada, já que, pelo que eu entendi, enquanto a sua dona escrevia o texto que li, ela ficou o tempo todo sentada em seu colo. Vai ver, porque gosta do som que o teclado emite quando digitado – coisa que nenhum cachorro faria. Sairia latindo...

E as mulheres chamadas de bruxas pelos malditos e sádicos inquisidores da Igreja Católica, porque tinham um gato, sobretudo, na Idade Média, que perseguiram, estupraram, queimaram vivas ou de pancada, mesmo, mais de seis milhões de mulheres? O percentual estimado, aliás, de todos os judeus mortos pelo holocausto de outro maldito e sádico, na Alemanha, em meados do séc. XX. Todas elas, coitadas, assassinadas por serem seres sensíveis, sábios e autênticos, diferentemente dos eclesiásticos.

Só por isso. E também por fazerem chás. Que medo o do clero, que usava da força bruta para manter um aparente poder. Sim, porque, quando se sabe das próprias mentiras e o trono pode ruir, usa-se da violência. À época, física; hoje, violência moral. E as mulheres, chamadas de bruxas, caso não tivessem um gato, passavam a ter. E, detalhe, preto, associado as trevas e à lua cheia, que só traduz a mais pura poesia. Homem bruxo? Nunca! No máximo, mago. Uma patente diferenciada.

Só porque era homem. Sim! Alguém lembra do Mago Merlin? Pois é! Merlin tinha um gato, mas... Branco, associado à bondade. E foi considerado o encantador da mitologia céltica. Ora! Todo mundo sabe que a mulher é superior ao homem, mas a inveja é algo triste! Diga-se de passagem, os homens têm inveja da sensibilidade, sabedoria e autenticidade das mulheres, que "pecaram", com aspas, apenas por serem mulheres, escrevendo, com a sua magia, nas ondas da poesia. Quem não sabe é porque ignora. Pesquise.

Não se deixar guiar pela cabeça de certos padres, homens, ricos e poderosos, que continuam insistindo na hipócrita e falsa supremacia machista que vigorava na maldita Idade Média – um período de trevas para a humanidade –, que nunca prezaram pela verdade. Só deturparam a realidade. A Igreja Católica é o maior e o mais podre exemplo de alteração de realidades. Jeanne d’Arc (1412-1431), tadinha, la Pucelle d’Orléans, sofreu todo tipo de penúria das mãos tiranas de padres horrorosos.

A heroína francesa mal tinha vinte anos de idade quando foi acusada de heresia e queimada viva... Em 1456, contudo, a Igreja Católica, que, depois dos Estados Unidos, se acha dona do mundo, a "reabilitou". Pior! Canonizou-a, em 1920. Esses padres não têm vergonha? Estupram, matam e, depois, reabilitam pessoas dignas, ao seu bel prazer? Com qual moral? Mesmo porque, quem precisa do aval da Igreja Católica para viver "neste mundo do Diabo", como disse o poeta gaúcho Mário Quintana (1906-1994)?

Falando nisso, eu conheci, em Rouen, na França, o lugar em que Jeanne d’Arc foi queimada. Está repleto de flores. No mínimo... Mas, voltemos a falar de coisas saudáveis. Dos escritores, dos livros e dos gatos, por exemplo, motivo de eu estar sentada, escrevendo. Bom! Os gatos não são ociosos nem preguiçosos, sejam pretos, brancos, pardos... Não importa a cor, sem racismo. Para a psiquiatra brasileira Nise da Silveira (1905 - 1999), "o gato é altivo e o ser humano não gosta de quem é altivo...". A mulher também é altiva e o homem não gosta da sua altivez.

Os gatos são silenciosos, mas não egoístas, são, simplesmente, na deles, fazem o que querem, são autônomos, de forte personalidade, e o espaço que habitam sinônimo de fronteira. São mágicos, outrora venerados no Egito, a ponto de ser mumificados e enterrados em acrópoles, cemitérios próprios, com direito a luto por parte dos seus familiares. Eles são tão poderosos que muitos humanos têm ailurofobia, sinônimo de galeofobia, medo patológico de contato com gatos. Fobia a gatos.

Eu não tenho. Ao contrário! Adoro o seu fascínio. Mas, existiria o gato ideal? Questiono isso porque tenho alguns gatos, a exemplo de muita gente, incluindo os escritores, como é o caso de Ferreira Gullar, que escreveu um livro para homenagear o seu, e o de Lygia Fagundes Telles, cuja paixão por eles é pública e notória. Sei não, mas, se por um acaso, Lygia, por ser a escritora famosa que é, cadastrasse Iracema, a sua primeira gata, no Programa Bolsa Família, o seu gesto, no mínimo, seria visto como excentricidade de artista...

Enfim! A solidão é algo interior, da natureza humana, de destino, embora sempre associada a um escritor. No entanto, nem sempre o fato de a gente estar cercado de pessoas implica que não se sinta só... E não é porque eu sou escritora que sinto isso. Muita gente, mesmo tendo outros ofícios de vida, sente a mesma coisa. O fato, contudo, de alguém ser escritor acentua, apenas, essa sensação. E se estou escrevendo isso, agora, é apenas para refletir um pouco a respeito da solidão.

Passei meses sem escrever; depois, a pedidos, criei um blog. Lembrei, agora, de uma realidade – um exemplo – a ver com a sutil (ou seria complexa?) problemática da solidão, no caso a de quem exerce o ofício de escritor, que sempre achei curioso, mas, compreensível, que diz respeito a um famoso casal, infelizmente, já falecido: Jorge Amado e Zélia Gattai, dois escritores, talentosos, mas com uma diferença básica: o ato de escrever. Ele, por exemplo, só escrevia em uma máquina manual.

Daquelas ditas já ultrapassadas. E na sala, interagindo com toda a família, apesar do barulho da televisão e do ti-ti-ti dos parentes. Mesmo assim, escreveu uma obra-prima; Ela, ao contrário, escrevia isolada, em um quarto, no computador, preferindo o silêncio e escrevendo, também, uma obra-prima. E, aí, eu perguntaria se tudo isso não se resumiria em uma questão de opção ou da tal solidão interior... Eu, particularmente, se for para escrever, se tiver, mesmo, o desejo, o faço em qualquer espaço.

O faço em qualquer situação. Só preciso ter tempo mental e inspiração para isso. Infelizmente, apesar do ambiente não influir em nada, pois sou capaz de, quando quero, me abstrair, ando para lá de estressada, sem tempo mental nem para a tão badalada inspiração. Esse é o problema. Não consigo escrever quando, em meu peito, tem algo incomodando. Sim, pulsando de questionamentos. Pior! Sem respostas. Como, também, então, esses questionamentos não vêm ao caso, vou concluir esses meus delírios.

Porém, para concluir esta postagem, eu vou citar uma pessoa, que é uma grande intelectual que gosto e admiro muito: Lygia Fagundes Telles, escritora que já tive a honra de entrevistar por duas vezes. A primeira, que guardei em meus arquivos, em uma Bienal Literária, em São Paulo, no ano de 1991; a segunda, em 2002, em seus oitenta anos, atualizando, via e-mails, a entrevista anterior, que terminou sendo ilustrada por meu amigo comunista Cláudio Oliveira e publicada por Ziraldo e Zélio, no Pasquim 21.

À época, Lygia disse que estava escrevendo o seu primeiro livro infanto-juvenil, Eu, o Gato. Em uma recente pesquisa na internet, acho que as próximas palavras saíram desse livro, já que perdi o contato com ela e, com certeza, ela anda isolada, em seu apartamento, com um computador e um gato, "o bravo vigilante das horas mortas, sentinela perdida da meia-noite, passeando à luz misteriosa do luar com os olhos faiscantes como baionetas, para tranqüilidade dos armários e para desgraça dos roedores caseiros...".

Mais! Ainda segundo Lygia, "o digno gato, o honrado gato, deixam-no de lado, no esquecimento silencioso das suas passeatas noturnas; caluniam-no, excomungam-no e o desamparam, quando muito, aos esqueléticos carinhos de alguma velha bruxa semifantástica, amiga dos morcegos, dos mochos e das caveiras de burro fatídicas". Opinião de Lygia... Os meus gatos, contudo, são diferentes. Eu costumo escrever em um computador. Eles não chegam nem perto! Porque não querem, acho.

Porém, depois de imprimir os meus escritos, os coloco em uma mesa para revisá-los a mão, no outro dia. Só que, quem eu encontro, de madrugada, enquanto tomo um café e fumo um cigarro? Dois dos meus gatos dormindo sobre os escritos. Devem ser intelectuais, suponho. Depois, quando sento e os tiro da mesa, eles tentam chamar a minha atenção cheirando os meus pés, tornozelos e pernas. Quando está frio e estou de calça, eles ficam puxando a bainha, sem sucesso, e saem brincando, carregando as minhas havaianas...

 
Nathalie Bernardo da Câmara







2 comentários:

  1. Nathalie, adorei o texto. Obrigada pela citação. E adivinha quem estava dormindo no meu colo enquanto lia seu texto? Não, não era a gata fêmea, era Miu-Miu, o macho. Abraços.

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