Foto: Raul Spinassé
“Consolidar o Sistema Único de Saúde será (...) prioridade do meu governo. Para isso, vou acompanhar pessoalmente o desenvolvimento desse setor tão essencial para o povo brasileiro. Quero ser a presidenta que consolidou o SUS, tornando-o um dos maiores e melhores sistemas de saúde pública do mundo. O SUS deve ter como meta a solução real do problema que atinge a pessoa que o procura, com uso de todos os instrumentos de diagnóstico e tratamento disponíveis, tornando os medicamentos acessíveis a todos, além de fortalecer as políticas de prevenção e promoção da saúde. Vou usar a força do governo federal para acompanhar a qualidade do serviço prestado e o respeito ao usuário. Vamos estabelecer parcerias com o setor privado na área da saúde, assegurando a reciprocidade quando da utilização dos serviços do SUS. A formação e a presença de profissionais de saúde adequadamente distribuídos em todas as regiões do país será outra meta essencial ao bom funcionamento do sistema...”.
Dilma Rousseff
Trecho do seu discurso de posse na presidência do Brasil, no dia 1º de janeiro de 2011. [1]
Qualquer idealista, inclusive eu, acharia as palavras acima extremamente tocantes, sobretudo a esperança nelas depositadas, sensibilizando-se de imediato, caso, contudo, o idealismo não fosse primo da utopia. Assim, não nos resta que pôr com firmeza os pés no chão – quiçá as mãos também, mas apenas para garantir que ele não nos escape, reduzindo-se a uma mera miragem. Além do mais, limitar-se a boas intenções nunca levou ninguém a nada nem a lugar nenhum. Agora, a partir do momento em que alguém assume um compromisso, seja consigo mesmo ou com terceiros, a coisa muda de figura – palavra dada não pode cair no vazio, embora muitas vezes caia. Afinal, como tudo na vida é relativo... Ocorre que estamos falando de um chefe de Estado e de um dos compromissos por ele assumido não somente com quem o elegeu, mas, também, com toda uma nação – compromisso esse, aliás, que não está sendo cumprido. E isso é grave, porque diz respeito à saúde das pessoas. Na verdade, da saúde da maioria de uma população que não dispõe de meios para pagar um plano de saúde privado – outra corda bamba, pois as empresas são mercenárias e nem sempre cumprem com o que prometem nas suas propagandas enganosas – e que depende do setor público até mesmo para um simples hemograma ou para verificar a pressão arterial. Na realidade, ao tomar posse, la presidenta Dilma Rousseff nem precisava ter se comprometido, por exemplo, em consolidar o Sistema Único de Saúde (SUS), “tornando-o uma dos maiores e melhores sistemas de saúde pública do mundo”. Bastava garantir o seu bom funcionamento e eficácia. Isso sem falar que, embora exista quem não concorde, é dever do Estado garantir a saúde do povo. E não somente a sua saúde, mas igualmente a sua educação, o seu transporte, a sua segurança... – apesar de fazer parte da mesma história, esses são capítulos à parte, bem como é outra história a falta de escrúpulos das empresas privadas que vendem planos de saúde fraudulentos ou senão aquelas que só visam lucros em detrimento dos direitos dos seus clientes, que, a priori, compraram garantias de benefícios cada vez mais limitados (que o digam os PROCONs!). De qualquer modo, sorte a nossa que o choro é de graça. Enfim! Sem querer entrar no mérito das promessas de Dilma Rousseff, embora, de certa forma, tenha terminado entrando, é até louvável que ela de fato preocupe-se com a saúde pública, mas daí se comprometer ao dizer que a consolidação do SUS seria uma prioridade do seu governo e que, por isso, iria “acompanhar pessoalmente o desenvolvimento desse setor tão essencial para o povo brasileiro” foi muito pretensioso da sua parte, da mesma forma que o foi igualmente se comprometer ao garantir que, em quatro anos de mandato, iria erradicar a miséria no Brasil. E não estou criticando-a negativamente não. Afinal, não me cabe julgá-la. Nem julgar quem quer que seja. Além do mais, nem nela votei – o que não significa que eu não queira que o seu governo dê certo. O que estou dizendo é que, diferentemente, por exemplo, de afirmar que, em tão pouco tempo de mandato, erradicaria o que hoje os economistas chamam de pobreza absoluta, mascarando, ilusoriamente, uma realidade que até no coração dos mais empedernidos dói, Dilma Rousseff pode, sim, consolidar o SUS, “tornando-o uma dos maiores e melhores sistemas de saúde pública do mundo”. Basta, como eu já disse e vou dizer de novo, “garantir o seu bom funcionamento e eficácia”. Só que, para isso, terá, de fato – nesse caso, foi ela quem disse – de “acompanhar pessoalmente o desenvolvimento desse setor tão essencial para o povo brasileiro”. Caso contrário, diferentemente da miséria, ou de qualquer outra mazela, não importa a sua natureza, que remonta há séculos de História e que ela NÃO irá erradicar em apenas quatro anos – é uma questão de bom senso, convenhamos –, o SUS vai se extinguir. E as belas, emocionadas e comoventes palavras da então recém-empossada presidenta terão caído no vazio. Agora, para que isso não aconteça, além de acompanhar pessoalmente todo o processo de consolidação do SUS, Dilma Rousseff deverá não somente rever a política do seu governo para o setor, mas, sobretudo, e concomitantemente, usar a força desse mesmo governo, como ela mesma disse, para combater a corrupção reinante no referido sistema, seja em âmbito nacional, estadual, municipal e, no caso do Distrito Federal, distrital, bem como “para acompanhar a qualidade do serviço prestado e o respeito ao usuário”. Além disso, outro aspecto que Dilma Rousseff não deve esquecer, aproveitando que, segundo a pesquisa CNI/Ibope, divulgada no dia 29 de junho, a média da sua aprovação pessoal pelo povo brasileiro foi avaliada em 77%, superior, inclusive, a avaliação feita do seu governo, que foi considerado ótimo ou bom por 59% dos entrevistados, é o da valorização dos profissionais de saúde que disponibilizam a sua força de trabalho no setor. Reconhecidos, eles, naturalmente – uma reação em cadeia –, iriam se engajar nos seus propósitos e na sua luta para que o SUS não mais exerça o papel de figurante, pois está agonizante, mas o de protagonista da saúde no Brasil, garantindo, portanto, o bem-estar do seu povo.
O fato é que, criado em 1988, o SUS é fruto de um movimento nascido na luta contra a ditadura militar (1964 - 1985) no Brasil, visando, à época, implantar uma reforma sanitária no país. Segundo um documento divulgado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em 2010, apesar do sucesso e do reconhecimento internacional da sua proposta inicial, tornando o Brasil uma referência mundial no setor da saúde pública, “o devir do SUS nem sempre aponta para seu fortalecimento. Um rápido olhar para o cotidiano dos serviços de saúde é suficiente para identificar as deficiências desse sistema. As perversas desigualdades no acesso e utilização dos serviços (com prejuízo dos mais pobres), o mau atendimento, as filas, a superlotação das emergências, a escassez de recursos nas unidades de saúde, a falta de leitos hospitalares e a demora para a marcação de exames são algumas das evidências da inadequação entre o proposto pelo arcabouço jurídico-legal do SUS e a realidade dos serviços”. [2] Infelizmente, com o início da sua desconstrução em 1995, durante o primeiro mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o maior dos leiloeiros do Brasil, a privatização do SUS agravou-se no governo Lula, quando o sistema evoluiu para a sua agonia, e, agora, digamos, com A Política do P (precarizar, prevaricar, privatizar e pulverizar o SUS), ele está literalmente à beira do colapso total, do abismo, correndo, inclusive, o risco de ser extinto. Desse modo, impossível não reconhecer que o destino do SUS está, de fato, nas mãos de la presidenta Dilma Rousseff, que, de preferência com o apoio do povo brasileiro, deverá bater o martelo, decidindo, portanto, os seus rumos. Que o seja, contudo, uma batida diferente, salvando da derrocada aquela que já foi considerada “como uma das mais bem sucedidas reformas da área social empreendida sob o novo regime democrático, tendo em vista o seu caráter universal e igualitário”. [3] Caso contrário, nós é que corremos o risco de continuar vendo charges como algumas das que se seguem, mas apenas porque fielmente retratam uma realidade para a qual não podemos dar as costas, ignorando-a. Afinal, como sabemos, os chargistas – sempre tão bons no que fazem – são críticos que nunca abandonam o plantão – sem trocadilho – e vigilantes permanentes das gestões, boas ou más, dos políticos.
Por fim, o humor do mais cáustico dos chargistas...
Em contrapartida:
O SUS é nossa melhor herança!
Por Edileuza Garcia Fortuna
Diretora do SindSaúde/SC
(...) Há anos, o SindSaúde luta contra o sucateamento da saúde pública, exige qualidade de atendimento, investimento e valorização profissional para os seus protagonistas - os servidores da saúde. Há anos também a entidade dedica-se ao fortalecimento do [Sistema Único de Saúde] SUS, à divulgação do seu papel social para a sociedade e ao esclarecimento sobre o funcionamento da rede pública hospitalar - se ela não atende a demanda a responsabilidade certamente não é dos trabalhadores que costumam ser tratados como alvo, mas sim de um Governo que não prioriza e não tem interesse de efetivá-la. Agora a saúde virou o desejo do mercado, motivo de lucro, a dor sempre irá existir e com ela os ganhos serão permanentes. Porteira aberta para as ditas OS (Organizações Sociais), OSCIPs (Organizações Sociais de Interesse Público), Fundações e etc. Todos nomes que trazem o social na composição, mas que se enquadram na área privada, pois tratam as vidas como negócio e visam o lucro acima de tudo. A principal luta de hoje é pela defesa da gestão pública de qualidade, sem interferência de OS, OSCIP ou qualquer forma encontrada para mascarar a intenção de privatização. O SUS é a melhor herança que podemos deixar para nossos filhos e posteridade. Por isso, vamos abraçar esse sistema que inclui todos os brasileiros sem exceção e defendê-lo para que seja uma política pública ativa na nossa sociedade. O SUS é uma importante conquista do povo brasileiro e serve de referência para muitos Países. A participação de todos os cidadãos através dos conselhos de saúde é uma ferramenta essencial para o controle social. Então, vamos assumir o papel que nos cabe e acolher este sistema que é feito para todos e por todos.
O assunto é tão sério que no XI Congresso da Federação Nacional dos Médicos (FENAM), realizado em Natal em maio deste ano, a privatização do SUS foi um dos principais temas debatidos durante o evento. Para o procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho na Paraíba, Eduardo Varandas Araruna, que, segundo o site oficial da FENAM, “deu um enfoque jurídico ao problema e fez uma avaliação crítica da política de privatização da saúde pública pelo desmonte do SUS”, resultado da “condução dada pelos os gestores, que atropelam a Constituição Federal”:
— É um problema cultural que enfrentamos desde a colonização, onde os gestores acreditam que a administração pública é um feudo que lhes pertence e logo passaram a burlar esta regra.
Isso sem falar que, levando em consideração o tema da Campanha da Fraternidade de 2012, ou seja, Fraternidade e Saúde Pública no Brasil, até a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) preocupa-se com essa questão. Resta saber agora como, ao final do seu mandato, pelo menos no que diz respeito à saúde pública no Brasil, la presidenta Dilma Rousseff gostará de ser lembrada...
Ah! Para quem tiver interesse, um link para acessar informações divulgadas no dia 25 de junho – no caso publicadas pelo jornal O Globo – sobre um levantamento feito Conselho Federal de Medicina (CFM) em 43 Municípios com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), em 14 Estados brasileiros: http://oglobo.globo.com/pais/faltam-medicos-produtos-basicos-na-saude-nas-unidades-de-saude-diz-conselho-5310251
[1] Íntegra do discurso de posse de la presidenta Dilma Rousseff: http://www1.folha.uol.com.br/poder/853564-leia-integra-do-discurso-de-posse-de-dilma-rousseff-no-congresso.shtml
[2] OS DESAFIOS DO SUS A criação do Sistema Único de Saúde (SUS ...
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15 set. 2010 – A criação do Sistema Único de Saúde (SUS), em 1988, tem sido analisada como uma das mais bem sucedidas reformas da área social ...
[3] Idem.
Lembrete:
Nathalie Bernardo da Câmara
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