“Vivi ali uma vida livre, indispensável para formar o temperamento e o gosto pela aventura...”.
Revelou o inventor e aviador brasileiro (20 de julho de 1873 - 23 de julho de 1932), referindo-se à Fazenda Dumont, de propriedade da sua família, em Ribeirão Preto, São Paulo, na qual passou a infância e parte da adolescência, em entrevista concedida ao jornalista e atleta francês Frantz Reichel (1871 - 1932) no dia 20 de outubro de 1913, um dia após a inauguração do monumento com uma estátua de Ícaro, edificado em Saint-Cloud, nos arredores de Paris, em homenagem ao pioneiro da aviação no mundo, e publicada no dia 1º de janeiro de 1914 na revista Lecture pour tous. Na referida entrevista, intitulada Notre interview de Santos-Dumont, o francês descreve o pequeno gênio brasileiro como “um homenzinho ágil, magro, nervoso, vigoroso; um verdadeiro atleta em miniatura, do peso de cinquenta quilos, que a prática de esportes mantém em perfeitas condições” – condições essas cujo declínio teve início com a eclosão da I Grande Guerra Mundial (1914 - 1918) e alquebrou-se de vez com a Revolução Constitucionalista de 1932 no Brasil. Alberto Santos-Dumont indignou-se quando viu a utilização dos seus inventos para fins bélicos e entrou em depressão – não era esse o seu intento quando, apaixonado por todo tipo de transporte e fascinado com as possibilidades da tecnologia para inová-los, canalizou o seu talento para os deslocamentos aéreos.
Nem balões, dirigíveis ou aeroplanos. Quero saber do coração de Alberto Santos Dumont... Nascido em Palmira, Minas Gerais, Dumont respirou os ares de Paris e foi cidadão do mundo, morreu no Guarujá, São Paulo, e, com exceção do coração, os seus despojos foram enterrados no Cemitério de São João Batista, Rio de janeiro. O órgão que pulsa, por sua vez, que bate e que, metaforicamente, para os poetas e românticos, emociona-se, grita e, muitas vezes, clama ou reclama, ou seja, o coração, no caso, o de Dumont, criminosamente retirado do seu corpo após a sua morte. Tal qual o engenheiro químico e industrial sueco Alfred Bernhard Nobel (1833 - 1896), inventor prolífico, criador, entre outras invenções, do detonador (1863), da dinamite (1866) e da balistile (1887), um tipo de pólvora sem fumaça, que, por seus feitos, acreditava estar revolucionando a engenharia civil, embora eles logo tenham sido utilizados em ações militares, causando-lhe depressão e o levando ao isolamento, Dumont tornou-se melancólico e recluso. Nobel, por sua vez, quis fazer a diferença e deixou prevista no seu testamento a criação da Fundação Nobel (1900), que outorgaria prêmios aos que prestassem algum tipo de benfeitoria à humanidade, fossem personalidades ou instituições, nos campos da física, química, fisiologia ou medicina, literatura e, o mais importante de todos, destinado aos que promovessem ações em prol da paz mundial. Porém, em consequência das constantes e diretas exposições aos experimentos químicos ao longo da vida, sobretudo à nitroglicerina, bem como da sua desilusão da humanidade, do seu pessimismo e solidão, fragilizando a sua mente e o seu corpo, ele não resistiu a uma hemorragia cerebral. Dumont, além de se culpar por sua invenção ser uma das responsáveis por “tanto derramamento de sangue” nas guerras, desabafou ao ascensorista do elevador de um hotel no Guarujá, pouco depois de ouvir ataques aéreos nas proximidades de onde se encontrava, sucumbiu à extrema tristeza que provocou o seu suicídio – a I Grande Guerra Mundial teria sido, digamos, o detonador do seu processo de depressão, já que, fazendo uso de aviões para fins nada edificantes, causou inúmeros danos a seres humanos, e a Revolução Constitucionalista de 32, um conflito ainda mais sem sentido, deflagrada por paulistas que se opunham à ascensão da ditadura do presidente Getúlio Vargas (1882 - 1954) no Brasil, sendo, portanto, a gota d’água que impulsionou Dumont à decisão radical. O governo brasileiro, por sua vez, que havia, por vaidade própria e, oportunisticamente, transformado o aviador num mito, se autopromovendo a custa das suas façanhas inventivas e da sua nacionalidade, disso tirando vantagens, decidiu, arbitrariamente, omitir ao público os detalhes da sua morte, determinando ao legista que forjasse o atestado de óbito, onde ficaria registrado parada cardíaca como a causa do seu falecimento. Desse modo, a imagem de herói nacional que haviam criado para o aviador não seria maculada, mas preservada. O que ignoravam, contudo, é que tal reconhecimento não fazia a cabeça daquele que vivia nas nuvens – Dumont não era dado a esse tipo de veleidade, sobretudo por ser amparada pela hipocrisia que baliza a sociedade. Enfim! Perdurando por décadas, a farsa um dia caiu, bem como o segredo de um médico incauto, de nome Walther Haberfield, que, chamado para embalsamar o corpo de Dumont, a fim de ser levado em segurança de São Paulo para o Rio de Janeiro, removeu o coração do inventor, achando que, assim, estaria preservando-o. Do quê? De algum eventual caçador de cadáveres? Como, se, com a sua iniciativa criminosa, ele fez pior, já que, inclusive, violou a ética médica? Afinal, a decisão fora pessoal e, até hoje, nada a justifica, mesmo porque Dumont não deixou escrito em lugar nenhum que essa era a sua vontade, ou seja, legar o órgão em questão à posteridade. O sigilo, portanto, que permaneceu guardado por doze anos, veio à tona quando o próprio médico resolveu entregar o coração de Dumont a sua família (só faltou dizer: aplaudam a minha nobre iniciativa...). Óbvio que a família considerou aquilo um absurdo e nem quis saber, doando o coração sem vida de Dumont ao governo, a fim de que este mantivesse-o conservado e exposto num local público – quanto disparate! Afinal, se a apropriação indevida de bens de terceiros, ainda em vida, já é considerada crime, o que dirá da remoção de um órgão sem autorização prévia do seu dono após a sua morte! A meu ver, o gesto deliberado do médico deveria ser considerado duplamente criminoso: além da retirada leviana do coração de Dumont, já justificando, por si só, uma ação judicial, a remoção do órgão, nos moldes em que se deu, não tem como não se caracterizar como tráfico. De qualquer modo, se era para violar o corpo do petit Santos, como os franceses carinhosamente chamavam Dumont, que o médico tivesse, então, removido o seu cérebro – este pelo menos poderia servir de objeto para um estudo aprofundado da genialidade do inventor. Sim, porque violação por violação... Enfim! Depois de mais de uma década preservado em formol e na obscuridade, quiçá por um sentimentalismo esquizoide qualquer do médico, o coração de Dumont, após ser doado pelo médico ao governo federal, encontra-se, hoje, num dos espaços do Museu Aeroespacial do Rio de Janeiro (MUSAL), no Campo dos Afonsos, considerado o berço da aviação brasileira. Segundo o blog Museu Virtual, da Faculdade de Comunicação Social da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), no especial do centenário do 14-BIS em 2006, o coração embalsamado de Dumont, protegido por um escrínio, foi entregue pelo então presidente da extinta companhia aérea PANAIR do Brasil (subsidiaria brasileira da Companhia Aérea Pan American Airways), o empresário Paulo Sampaio, ao ministro da Aeronáutica, o senador Salgado Filho (1888 - 1950), durante as comemorações da Semana da Aviação no dia 24 de outubro de 1944, no Campo dos Afonsos.
No MUSAL está, portanto, uma estatueta em bronze de Ícaro, de braços erguidos, sustentando “uma esfera celeste em ouro com perfurações que simbolizam as estrelas do universo”, dentro da qual outra esfera de cristal guarda o coração do inventor, “mergulhado em líquido apropriado”. Idealizada por Américo Monte Rosa (Studio Erico), a estatueta foi confeccionada pela Fundição Curzio Zani e, entre outras “atrações” relacionadas ao aviador, que faziam parte do acervo da família, mas que foram doadas ao MUSAL, inaugurado em 18 de outubro de 1976, estão uma réplica do 14-BIS, documentos, fotografias, objetos pessoais etc. E eu perguntaria: qual a serventia de todo esse circo se ninguém sequer pode ver o coração de Dumont, envolto que está em tantas redomas e somente preservado devido um gesto deliberadamente criminoso? De repente, à época da revelação do médico, a família do inventor deveria ter encontrado meios de processá-lo, se é que o delito já não havia prescrito – obviamente que, para isso, esse tipo de conduta deveria está previsto no Código Penal. Se não está, deveria.
A minha impressão dessa história toda, corroborando o que já disse antes? A confirmação do quão as pessoas são atrevidas – a palavra é essa mesma. Só que não é atrevimento no sentido de ousadia, mas de desrespeito a terceiros, interferindo nas suas vidas ou mesmo na sua integridade física após a morte, como o fez o médico encarregado do embasamento do corpo de Dumont, que agiu de maneira extremamente irresponsável.
O público atropelando o direito privado...
Ilustração do chargista brasileiro Edmar Viana (1955 - 2008) para a cartilha Da aurora ao crepúsculo, de minha autoria, sobre a vida e a obra da educadora, escritora e feminista norte-rio-grandense Nísia Floresta Brasileira Augusta (1810 - 1885). Uma iniciativa conjunta com a Secretaria de Turismo da Prefeitura Municipal de Nísia Floresta, município do Rio Grande do Norte, e do então Conselho Municipal dos Direitos da Mulher e das Minorias de Natal, a cartilha foi divulgada quando das comemorações dos 187 anos do nascimento de Nísia Floresta, no dia 12 de outubro de 1997.
Outro exemplo de desrespeito para com os mortos, ou melhor, para com os desejos manifestos ainda em vida, é, no caso, o da escritora, educadora e feminista brasileira Nísia Floresta, de quem sou biógrafa, embora saibamos que esse tipo de coisa pode acontecer independentemente de se tratar ou não de uma personalidade pública. No que tange a Nísia Floresta, que também amava a liberdade e a aventura e para quem viajar vem a ser “o meio mais eficaz e o mais útil para superar uma grande dor”... Tendo vivido por quase três décadas na Europa, sobretudo em Paris, na maior parte do tempo acompanhada da filha Lívia, Nísia Floresta passou os últimos anos da sua vida em Bonsecours, na França, onde faleceu e foi enterrada no cemitério local. O curioso é que, ao longo de mais de um século, a versão brasileira dita oficial divulgou que Nísia Floresta havia morrido em Rouen, embora sem motivos aparentes que justificassem a informação, mantida, inclusive, por órgãos federais do Brasil quando da emissão de documentos oficiais. Porém, nos anos noventa, ao pesquisar a sua vida, traduzir um dos seus livros do francês para o português – tradução essa intitulada Fragmentos de uma obra inédita - Notas Biográficas, publicada pela Editora da Universidade de Brasília em 2011 – e ter acesso a documentos que comprovam que, de fato, ela morreu em Bonsecours, desfiz tal equívoco. O mais curioso, ainda, é que apesar da minha preocupação em tornar público o fato em questão, muitos continuam, sabe-se lá por quais cargas d’água – os motivos devem ser os mais esdrúxulos –, resistindo e insistindo na errônea versão. Outro jornalista, contudo, que teve a oportunidade de registrar o fato corretamente, mas que não o fez, deixando-me intrigada, foi o brasileiro Orlando Ribeiro Dantas
(1896 - 1953)
, nascido no Rio Grande do Norte e um dos fundadores do carioca Diário de Notícias (1930 - 1976), quando, em 1950, na França, saiu em busca da localização do túmulo de Nísia Floresta, encontrando-o em Bonsecours. Em 1954, representando o governo brasileiro, encarregado pelos trâmites burocráticos junto ao Ministério do Interior da França para efetuar a exumação e o traslado dos despojos de Nísia Floresta para o Brasil, o então presidente do Centro Norte-rio-grandense do Rio de Janeiro, Marciano Alves Freire, manteve igualmente a equivocada versão. No entanto, embora a certidão de óbito de Nísia Floresta seja explícita, a edição comemorativa lançada pelos Correios e Telégrafos do Brasil quando da chegada dos restos mortais de Nísia Floresta no seu país de origem reproduze a mesma informação. Um segundo episódio relacionado à educadora brasileira que me causou certo desconforto foi exatamente a decisão, tomada por intelectuais da época e amparada pelo governo federal, de trazer os despojos de Nísia Floresta para o Rio Grande do Norte, depositando-os num grotesco mausoléu que, à época, edificaram na cidade onde ela nasceu. O meu desconforto, portanto, justifica-se porque também tive acesso a documentos nos quais fica igualmente claro que Nísia Floresta não tencionava retornar ao Brasil, permanecendo em solo francês, inclusive após a sua morte. Afinal, foi com esse objetivo que a filha comprou um jazigo perpétuo para ela e para a mãe, sendo, assim, a decisão das autoridades brasileiras, um desrespeito à memória de Nísia Floresta. O motivo, entretanto, para tal decisão? O leque de variantes é amplo, mas, da mesma forma que o médico encarregado de embalsar o corpo de Dumont achou-se no direito de violá-lo para remover o seu coração e preservá-lo para a posteridade, satisfazendo, no caso, apenas o seu ego, o mesmo poderia ser dito em relação aos que, arrogantemente, decidiram trasladar os restos sepulcrais de Nísia Floresta, já que sequer conheciam detalhes da sua vida e, achando pouco, ignoraram os documentos franceses referentes a sua morte. Isso sem falar que, apesar de ter sido uma personalidade pública, Nísia Floresta tinha os seus direitos privados e os mesmos não foram respeitados. Tanto que não foram poucas as tentativas – nenhuma válida – para justificar tal invasão de privacidade. Houve até quem alegou – há quem continue alegando –, especulando, que o fato das autoridades brasileiras terem recebido do governo francês não uma simples urna, mas um ataúde com o seu corpo embalsado, devia-se ao desejo de Nísia Floresta querer repousar no seu solo de origem – agindo assim, não atentaram para o costume cultural francês de embalsamento que ainda vigorava fins do séc. XIX, muito menos que Nísia Floresta só foi enterrada dias depois da sua morte. À ocasião, inclusive, em que se deu tal episódio, a escritora brasileira Rachel de Queiroz (1910 - 2003), que, aliás, tive o privilégio de entrevistar, embora bem antes de iniciar as minhas pesquisas sobre a vida e a obra de Nísia Floresta, escreveu e publicou um artigo no qual, equivocadamente, sugeriu que a minha biografada não morreu e não foi enterrada em solo brasileiro simplesmente porque não dispunha de meios para isso. No referido artigo, a cearense deixa ainda transparecer certa compaixão pela norte-rio-grandense, mas apenas devido o que ela supunha ser uma impossibilidade. O fato é que, quando da sua última viagem a Europa, o que Nísia Floresta esperava era que alguns dos seus familiares fossem morar com ela e com a filha na França. Não o contrário, já que Lívia, em hipótese alguma, tencionava voltar a morar no Brasil e, como não era intenção de ambas viverem separadas uma da outra, Nísia Floresta optou por permanecer na Europa. Tanto que, ao decidir deixar Paris ela já estava com cerca de 70 anos de idade, escolhendo Bonsecours como o seu refúgio terminal e definitivo, ou seja, reafirmou a sua opção de não mais retornar ao Brasil. Porém, o desrespeito as suas vontades prevaleceu. Pior: de terceiros e inclusive dela desconhecidos. E a quem isso favoreceu? Unicamente aos responsáveis pelo traslado dos seus restos mortais, que, empenhados numa espécie equivocada de missão, apenas tiveram as suas respectivas vaidades satisfeitas. Isso sem falar que, provavelmente, nunca leram um livro que fosse daquela que é considerada a pioneira do feminismo no Brasil.
Le bon vivant de la Belle Époque
No que diz respeito ao pequeno gênio brasileiro que foi Alberto Santos Dumont, motivo desta postagem... O estilo Dumont de ser chamou atenção inicialmente no Brasil, já que durante uma viagem à Europa, onde o seu pai buscava na medicina europeia a cura para os seus males, ele aproveitou para visitar uma fábrica da Peugeot e comprou um dos dois únicos automóveis produzidos pela empresa automobilística naquele ano de 1891. Poucos meses depois, após o pai convencer-se de que não havia meios para restaurar a sua saúde, retornou com a família para o Brasil. A bordo do navio, o carro comprado em Paris. Tornou-se, assim, ao circular pelas ruas de São Paulo com a sua aquisição, a primeira pessoa a circular de automóvel em toda a América do Sul. A sua influência, contudo, mais marcante deu-se em Paris, para onde retornou no ano seguinte. Herdeiro de uma fortuna que literalmente o permitiu dá asas à imaginação, embora não tenha se descuidado dos estudos, principalmente os de física, química, engenharia mecânica e elétrica, Dumont foi aos poucos revolucionando a aviação, sendo, ainda, o primeiro aeronauta do mundo a conquistar os brevês de balão, dirigível e aeroplano, mas, também, ditando modas na aurora do séc. XX. Elegante e enigmática, a sua imagem logo se associou as mais diversas empresas, pois estampava os seus produtos que, não demorava muito, caiam, como se diz, no gosto do povo: de caixas de fósforos a brinquedos e coleções de estilistas, que se inspiravam no seu figurino peculiar, o inventor e aviador correu a Europa. O relógio de pulso, por exemplo, foi popularizado apenas porque, por ser mais prático do que os de bolso nos voos que realizava, Dumont usava um, no caso, o primeiro de uso masculino no mundo, pois já existiam alguns exemplares femininos, criado por encomenda pelo amigo joalheiro e relojoeiro francês Louis-François Cartier (1875 - 1942), que, inclusive, não titubeou e criou a coleção de relógios Santos Dumont, existente até hoje. Porém, todas as conquistas de Dumont, materiais e imateriais, inclusive a sua boa saúde, alegria, bom-humor, excentricidade, sonhos, criatividade e vontade de viver, esvaíram-se ao longo da I Grande Guerra Mundial – não foi poupado nem mesmo a estátua do Ícaro de Saint-Cloud, que o governo francês erigiu em homenagem aos seus feitos aéreos em 1913. De bronze, foi aproveitada pela indústria bélica quando a guerra eclodiu em 1914, sobrando apenas o pedestal... À época, Alemanha, França, Grã-Bretanha, Itália, Rússia e Áustria já possuíam cerca de 700 aeronaves para uso militar. Zepelins alemães, por sua vez, foram utilizados em larga escala para o lançamento de bombas, granadas e produtos químicos, que causaram graves danos a edificações e populações civis. Antes disso, contudo, Dumont havia sido aconselhado por amigos a patentear as suas invenções, coisa que ele se negou a fazer, já que as considerava “um presente para a humanidade”... Outro fato, entretanto, marcou profundamente o brasileiro. Em 1914, ainda, quando a Alemanha declarou guerra à França, Dumont decidiu colocar-se à disposição do seu país de adoção. Ironicamente, por possuir um telescópio de fabricação alemã, os vizinhos acharam que ele era um espião e o denunciaram aos militares franceses, que invadiram a sua casa. O mal entendido, por sua vez, nunca perdoado por Dumont, suspeito de traição, levou-o a se desfazer de todos os seus documentos, inclusive os aeronáuticos, atirando-os ao fogo. E viajou para o Brasil, onde permaneceu durante toda a guerra. Instalado em Petrópolis, no Rio de Janeiro, projetou uma casa de arquitetura inovadora, a Encantada, transformada em museu após a sua morte. Com o término dos conflitos internacionais, os ânimos acalmaram-se e, em 1920, Dumont empenhou-se em pressionar a maioria dos governos europeus e das Américas para que desmilitarizassem as suas aeronaves, apelando, igualmente, à Liga das Nações Unidas. Todos os seus esforços, apesar de sempre serem gentilmente recebidos, foram em vão. Não obstante, o governo brasileiro presentou o governo francês com uma réplica da escultura original do Ícaro de Saint-Cloud, que foi colocada no mesmo pedestal da primeira numa cerimônia ocorrida no dia 4 de julho de 1952 – Dumont já não estava mais entre nós. Afinal, a culpa por ter romanticamente inventado um meio de transporte aéreo apenas para que a humanidade pudesse realizar o sonho de voar, divertir-se e diminuir as distâncias geográficas, mas que passou a ser utilizado como instrumento capaz de dizimar essa mesma humanidade, cravou na consciência do inventor um sentimento de impotência e arrependimento que ele não teve forças para superar, restando-lhe somente a lembrança dos seus voos de Ícaro...
Sugestão de leitura:
Vai um Nobel? (http://abagagemdonavegante.blogspot.com.br/2009/06/vai-um-nobel-eu-nao-tento-convencer-mas.html) – Postagem publicada neste blog no dia 25 de junho de 2009.
Nathalie Bernardo da Câmara
Que artigo incrível e completo! Parabéns, Nathalie!!
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