sábado, 18 de agosto de 2012

A BALALAIKA QUE PEITOU PUTIN

“Serão condenadas. Isso é um julgamento político...”.

Previu Stanislav Samutsevich, pai de Yekaterina, uma das três integrantes da banda musical russa Pussy Riot, bem antes da sentença, na sexta-feira, 17, por um tribunal de Moscou, que as condenou a dois anos de prisão apenas porque elas exerceram o seu direito de expressão, o qual, motivando-as artisticamente (coisa de minuto), fez com que se posicionassem politicamente. Porém, antes mesmo do julgamento, elas ficaram detidas por cinco meses, ao invés de, no máximo, pagarem uma multa porque, digamos, violaram uma instituição privada, num deslize bem de passagem contra uma dada religião, e ainda vão ficar reclusas num rígido sistema de segurança penitenciário – que não seja a Sibéria... Ninguém merece!


Era uma vez a história de três jovens russas: Yekaterina Samutsevich, 29 anos, artista formada pela Rodchenko Moscow School; Maria Alyokhina, 24, poetisa, mãe e estudante de jornalismo na capital russa, e Nadezhda Tolokonnikova, 23, artista, mãe e estudante de filosofia, que, dos protestos políticos nas ruas foram parar num palco nada convencional: o altar da principal catedral russa, a do Cristo Salvador de Moscou, onde, no dia 21 de fevereiro deste ano, envoltas em balaclavas fluorescentes, marca registrada da banda que formaram em outubro de 2011, entoaram, numa das suas habituais performances, uma “oração punk” invocando à Virgem Maria que livrasse a Rússia de Vladimir Putin – à época, em campanha presidencial. Perda de tempo, porque, apesar das estruturas do templo ortodoxo russo terem balançado – por dentro e por fora – ao som da prece Holy Shit (já eleita a música do ano), praticamente antecipando o “apocalipse”, freiras escandalizaram-se e seguranças não souberam o que fazer, perplexos que ficaram, o alvo do protesto político das jovens russas, que haviam sido detidas em março, assumiu o Kremlin no dia 7 de maio e pela segunda vez. Não deu outra: num afã em cadeia, a prisão do trio que desafiou Putin e o establishment russo gerou novos protestos. Desta vez, oriundos dos 4 cantos do planeta e pedindo pela libertação das três artistas, inclusive as maiores organizações que defendem os direitos humanos. Daí que, somando aos apelos internacionais, a cantora Madonna, que, mais recentemente, saiu lá dos Estados Unidos e, no dia 7, há pouco mais de uma semana, alterou o roteiro da sua turnê internacional apenas para dá uma passadinha na antiga União Soviética e, humildemente, admitir, surpresa – vai ver, nem ela ousaria tanto –, a coragem de Yekaterina, Maria e Nadezhda, mas, também, para, num invólucro à moda da casa, uma balaclava preta, em homenagem ao figurino das integrantes da banda, publicamente tentar intervir no iminente desfecho do processo então em andamento. Infelizmente, as autoridades russas não gostaram nada da visita inesperada e, por pouco, quase não a escalpelaram em romaria pela Praça Vermelha, querendo puni-la ou punir os organizadores do show a qualquer preço. O vice-primeiro-ministro, por exemplo, o nacionalista Dmitri Rogozin, perdeu a compostura e, ao invés de cair na dança, aproveitando o embalo dos hits da pop star, preferiu relembrar os tempos em que era habitué de casas de luzes vermelhas e se aventurou, ou melhor, se arvorou nos passos do twitter, escorregando igual a um patinho feio, embora tenha recebido mais atenção do que deveria. Afinal, na tal rede social, chamou Madonna de “puta velha” e desprovida de autoridade para querer dar lições de moral na cultura alheia. Tanto que, daqui para frente, Madonna pode, agora, excluir a Rússia das suas turnês internacionais, pois, com certeza, passou a ser considerada persona non grata no solo que, um dia, já pisou um dos maiores bailarinos da História da dança, que é Baryshnikov, nascido na Letônia, mas que, por questões pessoais e não entremos em detalhes, se tornou cidadão norte-americano, sem falar do ilustríssimo Lênin (1870 - 1924), que deve está se divertindo no seu mausoléu – não maculemos mais, aliás, o seu nome em vão, cujo legado evaporou nas mãos de sucessores espúrios, sem falar que os seus passos estão muito além dos de Putin... Bom! O atual presidente da Rússia, por sua vez, não podendo assumir perante a opinião pública mundial o verdadeiro motivo da detenção inicial das integrantes da banda Pussy Riot, do seu julgamento e condenação, mas que todos sabem ser de natureza eminentemente política, assim como foi o protesto das artistas, mexeu os pauzinhos das suas marionetes e obteve uma sentença nada convincente, ou seja, condenou-as por “vandalismo motivado por ódio religioso”. Ora, convenhamos que as jovens realmente exigiram demais dos santos, mas, nem por isso, tamanha devoção não precisaria ter tido a dimensão global que teve nem, muito menos, ser sacrificada em oferenda aos deuses. Ou será que Putin desconhece que, de tão belo, o sol da meia-noite não é para ser visto quadrado por quem vê o mundo redondo?! O fato é que, apesar de ter sido condenado a dois anos de prisão – demais integrantes da banda não foram identificados, embora todos estivessem encapuzados, inclusive Yekaterina Samutsevich, Maria Alyokhina e Nadezhda Tolokonnikova –, o trio está feliz porque, mesmo sem querer, como disse a filósofa, se tornaram “o epicentro de um grande acontecimento político”, mobilizando forças diversas Terra afora. Porém, apesar do sorriso matreiro nos lábios, coisa típica de criança que fez arte, literalmente falando, inclusive durante o julgamento, no tribunal, perante uma juíza russa – mulher –, elas não se esquecem, é claro, que têm dez dias para recorrerem da sentença.


Enquanto isso...


O descompasso de uma matriochka... Bem feito! Ridicularizado mundialmente por meia dúzia de jovens que, com criatividade, ousaram desafiar a sua arrogância.


Para quem, portanto, ainda não viu e tem curiosidade em assistir à inofensiva intervenção política das jovens russas no altar de uma catedral de Moscou, vale à pena, visto que a mesma, por si só, já faz pensar. Isso sem falar que a exibição é cinematográfica, com direito, inclusive, a pinceladas de surrealismo – estilo, aliás, que nem aprecio, mas que caiu como a uma luva nesse caso específico –, e é, simplesmente, algo hilário! – com todo respeito. Tipo uma espécie de trille de uma comédia cuja película anda a rodar, considerando, obviamente, que o filme ainda não terminou. Enfim! Não hesite: a sessão é grátis, do mais puro deleite, na verdade, um regozijo histórico, e basta um clique...


Nathalie Bernardo da Câmara

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