“A alienação é pior do que um delito, por ser desperdício...”.
Umberto Eco
Escritor, filósofo, semiólogo, linguista e bibliófilo italiano.
Há semanas, vez por outra, não importa o canal, vejo sendo veiculada uma propaganda de uma multinacional que desenvolve e produz uma variada linha de produtos tecnológicos e que, além de ser enganosa e equivocada, desmerece e fere o trabalho do fotógrafo profissional. O garoto propaganda da empresa, por sua vez, uma dita celebridade do mundo dos esportes, praticamente rotula o telespectador de idiota, desprovido de discernimento, já que, a todo custo, tenta convencê-lo a pensar e a repensar a ideia divulgada, é, paradoxalmente, pelo visual adotado, a alienação personificada, como se vivesse, ele sim, a pensar e a repensar que a vida é um eterno carnaval, não podendo, portanto, ser mais enjoado, ou, então, um aviário, insultando, no caso, as verdadeiras aves. Desse modo, a aparição indigesta do tal garoto propaganda apenas aumenta a minha rejeição em relação ao engodo publicitário, que, diga-se de passagem, desde a primeira vez em que o vi – depois disso, mudo na hora de canal –, me sinto, evidentemente, indignada. Isso sem falar que, cada vez menos, acredito que existam critérios – se existem, não são cumpridos, muito menos punidos os que os desrespeitam – para a veiculação honesta de não importa qual produto. Afinal, a propaganda em questão divulga supostas capacidades que o consumidor automaticamente passaria a ter no momento em que adquirisse certa câmera fotográfica, como num simples passe de mágica, e não dos recursos tecnológicos que a referida câmera dispõe, independentemente dos conhecimentos do consumidor. É veiculada, assim, a ideia de que qualquer um pode fazer fotografias profissionais – o que não é verdade, já que, para isso, é necessário o domínio de certos conhecimentos, sobretudo técnicos, que pode ir desde o enquadramento do fato a ser registrado – coisa que, aparentemente, pode parecer banal – à perícia de manipular o equipamento para obter a quantidade precisa de luz, que deve entrar pelo diafragma, bem como a velocidade igualmente precisa dessa mesma luz, que deve ser medida pelo obturador, a fim de que a fotografia possa ser tirada – daí o engano. Ao mesmo tempo, falar de fotografias profissionais implica, obviamente, que, de algum modo, elas serão comercializadas – daí o equívoco. A propaganda que ora critico, por sua vez, ou melhor, o seu criador, deveria ter levado em consideração esses detalhes e não pensar em vender uma ideia que, na verdade, é falsa. Porém, juntando engano com equívoco, tudo leva a crer que a verdadeira ideia que se queria veiculada é a de que quem quiser, desde, contudo, que usando a câmera que motivou a propaganda, pode fazer fotografias com qualidade similar a das profissionais, mas tinha de deixar isso explícito. Afinal, quando se é um bom fotógrafo, os recursos do equipamento utilizado nem sempre são condição sine qua non para que sejam obtidos resultados satisfatórios – conheço um fotógrafo profissional, por exemplo, que já fez inúmeras fotografias artísticas utilizando uma simples caixa de sapato e conseguiu produtos de extrema qualidade. No entanto, de uns tempos para cá, qualquer um pensa que basta ter à mão um celular ou uma câmera digital que já pode ser chamado de fotógrafo – não é bem assim. Porém, é inegável o fato de que, hoje, celulares e câmeras digitais possibilitam as pessoas, indiscriminadamente, registrar momentos com muito mais desenvoltura do que antes, embora o acesso fácil a essa tecnologia não as tornam, necessariamente, fotógrafos profissionais. Elas continuam sendo amadoras – são os termos e não podemos negá-los, sabendo, entretanto, que, por definição, fotografia é registro, que, por sua vez, pode ou não ser de boa qualidade. Depende muito do domínio que se tem da técnica e, na maioria das vezes, como se costuma dizer, do olho de quem fotografa. Somado os dois, portanto, tem-se uma fotografia que cumpriu com o seu papel, que é o registro em si, bem como se obtém um resultado de qualidade considerável. E mesmo que essa qualidade não seja satisfatória, o seu valor documental, quando há, não deve, necessariamente, ser menosprezado – os casos, por exemplo, de registros de uma situação de interesse público, e com não importa qual tipo de câmera, dos danos provocados, digamos, por algum acidente natural, tipo tempestades, deslizamentos de terras etc, ou mesmo um sequestro; uma aparição eventual de não importa qual pessoa tida como celebridade; uma situação de abuso contra um menor ou de negligência para com um idoso; flagrantes de extorsão ou propina, que, aliás, apesar de criminoso, já virou algo tão corriqueiro... Bom! Existem também os casos em que os registros possuem um valor meramente recreativo ou afetivo. Aí, ninguém deve meter o bedelho, porque, afinal, não tem nada a ver com isso. Enfim! Ocorrem, ainda, momentos em que um fato é registrado, mas, na hora, o responsável pelo registro, que pode até ser um fotógrafo profissional, não se dá conta da importância desse fato – que é relativa –, seja para o momento ou para outra ocasião, mesmo porque ninguém tem a obrigação de ficar ligado 24 horas. Por isso que, obviamente, tudo depende muito do que torna importante esse fato, para quem ele é importante, bem como do julgamento que se faça dele ou da natureza do interesse que ele possa despertar.
Nathalie Bernardo da Câmara
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