“Pelo coçar dos meus polegares, algo sinistro vem nessa direção...”.
Fala da segunda das três bruxas da peça Macbeth, uma tragédia sobre o regicídio e as suas consequências, de autoria do dramaturgo inglês William Shakespeare (1564 - 1616).
O jornalista australiano Julian Assange, fundador do Wikileaks, que se encontra sob a proteção do governo do Equador na embaixada do país em Londres desde o dia 19 de junho, protagoniza uma história cujo início antecede a sua detenção em Londres, no dia 7 de dezembro de 2010, após ser acusado na Suécia por suspeita de estupro e assédio sexual de duas mulheres suecas no mês de agosto do mesmo ano, dando início a um longo processo judicial no Reino Unido, visto que autoridades suecas reivindicavam a sua extradição para que ele fosse julgado, em solo escandinavo, pelos crimes que, supostamente, teria cometido. Na verdade, segundo o próprio jornalista, que sempre negou as acusações, as mesmas têm motivações políticas. Afinal, os Estados Unidos acusam-no de espionagem por ter divulgado em seu portal na internet informações de documentos secretos do governo norte-americano sobre as guerras no Iraque e no Afeganistão, bem como despachos confidenciais do seu Departamento de Estado. Daí que, de acordo ainda com Assange, as situações que o envolveram terem sido forjadas, resultando, portanto, nas acusações que alegam ter ele cometido os crimes sexuais em questão. Para o ativista australiano, tudo não passa de um pretexto para que, estando na Suécia, os EUA possam requerer a sua extradição para território norte-americano, julgá-lo por espionagem e condená-lo à pena de morte.
Segundo este blog noticiou no dia 1º de julho, mencionando uma reportagem publicada à época pelo jornal britânico The Guardian, “autoridades do EUA disseram em audiência pública que o arquivo do FBI sobre a investigação [do caso] já atingiu 42,135 páginas”. Porém, para Susan Benn, porta-voz do jornalista, “há provas irrefutáveis no registro público de intimações a serem emitidas e testemunhas a serem obrigadas a depor contra Assange” nos EUA. Enquanto isso, o destino da vida do australiano está nas mãos do presidente do Equador, o economista Rafael Vicente Correa Delgado, a quem ele pediu asilo político. No entanto, na quarta-feira, 1º, a Promotoria da Suécia descartou a possibilidade de interrogar o ativista na embaixada equatoriana em Londres, recusando, assim, e sem nenhuma explicação, convite feito pelo próprio governo do Equador – informação, aliás, confirmada pela defesa do jornalista: a advogada australiana Jennifer Robinson foi ao ar e prestou declarações à emissora de televisão russa Russia Today, na qual, inclusive, o seu cliente apresenta um programa. Segundo a EFE, “a advogada lamentou que a Suécia ‘tenha se negado a usar os sistemas legais mútuos’” que haviam permitido o interrogatório de Assange no Reino Unido. Resta, agora, continuar tentando evitar que o australiano caia nas mãos das autoridades do país escandinavo, de onde, tudo indica, poderá ser extraditado para os EUA.
Entendendo o caso e atualizando-o...
Depois de Julian Assange ter sido detido pelas autoridades britânicas no dia 7 de dezembro de 2010, acusado de crimes sexuais na Suécia, foi dado início a um longo processo judicial no Reino Unido. Não obstante, durante o desenrolar do processo – o governo sueco queria a sua extradição –, o jornalista ficou em regime de prisão domiciliar, sob um forte esquema de vigilância, no interior da Inglaterra. Porém, no dia 30 de maio deste ano, a Suprema Corte britânica autorizou a extradição do australiano para o país escandinavo, onde ele seria julgado pelas acusações que lhes foram imputadas. Os advogados de Assange entraram, então, com um pedido de reabertura do processo, que evitaria, portanto, uma eventual extradição do seu cliente.
Ocorre que, no dia 14 de junho, quando a Suprema Corte britânica rejeitou o seu pedido, devendo, assim, entregá-lo as autoridades suecas, o jornalista novamente tentou evitar – desta vez, por todos os meios – tal desfecho para o seu caso. Resultado: dias depois, na embaixada do Equador em Londres, o australiano estava finalmente a salvo, não sabendo, contudo, até quando, já que, segundo a EFE, ele próprio acredita ser vítima de “um complô internacional para silenciá-lo”, sobretudo porque a sua extradição para a Suécia é o mesmo que assinar a sua sentença de morte, já que os Estados Unidos querem, a todo custo, a sua cabeça – daí o pedido de asilo político ao governo equatoriano.
No dia 1º de julho, este blog também divulgou que uma carta assinada, entre outros, por intelectuais e artistas de vários países, corroborando o pedido de asilo político de Assange, foi entregue na embaixada do Equador em Londres no dia 26 de junho, devendo, contudo, ser encaminhada ao presidente Rafael Correa, a fim de que ele pudesse analisar o caso e tomar uma decisão favorável ao australiano. De acordo, assim, com o teor da referida carta, as acusações contra o jornalista são, na verdade, “um caso claro de ataque à liberdade de imprensa e contra o direito do público de conhecer verdades importantes sobre a política externa dos Estados Unidos”, visto que o seu suposto crime trata-se, simplesmente, do direito à prática do jornalismo.
Por isso o receio dos signatários de que Assange seja extraditado para a Suécia, já que as autoridades deste país possivelmente entregá-lo-iam ao governo dos EUA, onde ele seria julgado e, provavelmente, condenado à pena de morte por crime de espionagem. À época, ainda, a Agência France Presse (AFP) divulgou um comunicado da porta-voz do australiano, afirmando que a sua decisão de permanecer refugiado na embaixada do Equador não deveria ser considerada “um sinal de falta de respeito”, mas de segurança – decisão essa, aliás, orientada por seus advogados, que, não é para menos, estão, permanentemente, em constante estado de alerta.
Segundo os advogados, enquanto os elementos para o pedido de asilo político do seu cliente são reunidos e processados, ele permanece protegido na embaixada do Equador em Londres. Afinal, “tanto na legislação internacional quanto na britânica, os pedidos de asilo predominam sobre os pedidos de extradição”, informou o comunicado da porta-voz de Assange, que, independentemente da decisão das autoridades suecas, tomada esta semana, aguarda o desfecho do seu caso – caso esse que requer cautela do presidente Rafael Correa, que, aliás, ao invés de conferir ao jornalista o status de asilado político, deve reconhecê-lo como refugiado, explicou o analista político equatoriano Juan Pablo Cadena, em entrevista concedida ao portal El Telégrafo, publicada na quinta-feira, 2.
De acordo com o especialista em relações internacionais, como o governo britânico não reconhece a Convenção de Caracas (1954), cujos países signatários podem conceder asilo a alguém perseguido por suas posições políticas, a Inglaterra teria todos os direitos para não lhe conceder o salvo-conduto necessário para que ele saia do espaço diplomático no qual se encontra amparado e se desloque para o Equador. Desse modo, a situação do australiano poderia ficar ainda mais complicada. O refúgio político, contudo, garantiria a ele ficar, igual e automaticamente, sob a proteção do Alto Comissionado para os Refugiados das Nações Unidas (Acnur, sigla em inglês).
Assim sendo, mesmo que o salvo-conduto do governo britânico venha, num caso extremo, a ser negado, o Acnur poderia intervir, aumentando as chances da sua concessão. Isso sem falar que o refúgio é reconhecido pela maioria dos Estados das Nações Unidas e não pegaria nada bem para a Inglaterra negar um pedido de uma agência da Organização das Nações Unidas (ONU). Porém, da mesma forma que fez quando reivindicou asilo político, já que se sentia e continua se sentindo ameaçado pelo governo dos EUA, Assange deve reforçar que a sua integridade física corre riscos, fundamentando, assim, o temor dessa ameaça para poder solicitar proteção internacional, amparada, diga-se de passagem, reporta-se o analista político, pela Convenção de Genebra (1951), bem como por leis do próprio governo equatoriano.
A referida solicitação, portanto, deverá ser avaliada por uma comissão de delegados que representem a Chancelaria, o Ministério da Justiça e do Interior do equador. Em caso de aprovação – tudo leva a crer que, nesse caso, o mesmo será –, ficará pendente, portanto, apenas o acato ao pedido de salvo-conduto por parte do governo britânico. Em coletiva à imprensa na quarta-feira, 1º, o ex-juiz espanhol Baltasar Garzon, um dos advogados de defesa do jornalista, disse estar preocupado com a saúde psíquica e física do seu cliente. Em Madri, segundo a AFP, o advogado reiterou as apreensões do australiano em relação ao seu destino, já que ele considera a Suécia uma etapa prévia para sua entrega aos EUA:
— Entendo, como coordenador da sua defesa, que, nas circunstâncias atuais, não há as condições mínimas e indispensáveis para que seja realizado um julgamento justo. Entendemos que tudo isso obedece a uma intenção mais oculta, mais perversa, se preferir, que é submeter o senhor Assange a um procedimento penal nos Estados Unidos, estando adiantado neste momento, que é secreto...
No mesmo dia, a mãe do jornalista, Christine Assange, esteve com o presidente Rafael Correa, exatamente com as mesmas preocupações de Baltasar Garzon, que, inclusive, também se ocupa, atualmente, da reestruturação do sistema judicial do Equador. No passado, ainda, em 1998, o ex-juiz foi o responsável pela detenção, na Inglaterra, do ex-ditador chileno Augusto Pinochet (1915 - 2006). O governo do Equador, por sua vez, já anunciou que decidirá sobre a situação do australiano tão logo sejam encerrados as Olimpíadas de Londres, no dia 12 de agosto. Até lá, resta aguardar que o presidente Rafael Correa faça a coisa certa, mantendo Assange sob a proteção do Equador, cujo povo, aliás, é bastante acolhedor...
Nathalie Bernardo da Câmara
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