sábado, 18 de julho de 2009

O ARTESÃO DAS AGULHAS

“Desprezo rótulos...”.

Gay Talese



O polêmico jornalista norte-americano Gay Talese, 77, foi o convidado de honra da Feira Literária Internacional de Paraty deste ano. O fato passaria desapercebido, pelo menos para mim, se, mesmo sendo jornalista, eu não tivesse lido, atrasada, uma entrevista concedida por Talese à revista Época, quando da realização do evento. Apesar, contudo, do título que lhe é concedido, ou seja, o de pai do new journalism, um gênero que transpõe para o jornalismo técnicas da narrativa literária e que teria tido início nos anos sessenta, Talese é para lá de arrogante. Pior! É aquele tipo de pessoa para quem as coisas, se não forem como elas entendem que devem ser, não prestam, não têm a menor serventia, não são autênticas nem dignas de reconhecimento.

Dizendo, ainda, que não confia na internet; criticando veementemente os blogueiros, que ele generaliza, como se fossem todos iguais, despreparados e apenas “comprometidos com as perguntas que fazem” ao Google; que, “em nossa profissão, você não precisa fazer perguntas” e que “basta ir as ruas e olhar as pessoas”, descobrindo, assim, a vida como ela é, Talese só está assinando um atestado de ignorância, no sentido exato da palavra. Ora, se partirmos do pressuposto de que o ser humano não é perfeito; que as ditas verdades não são absolutas; que, no caso, existem blogueiros e blogueiros; que nem todo blogueiro tem, necessariamente, de ser jornalista, mas que um jornalista pode ser blogueiro, e que a internet pode perder tempo, sim, Talese desperdiçou palavras. Logo ele, que diz que o jornalista deve ouvir mais do que falar.

Para Talese, a sua concepção de jornalismo sempre foi a mesma, ou seja, “descobrir as histórias que valem a pena ser contadas”, o que, em seu entendimento, “é fora dos padrões e, portanto desconhecido”. Além disso, essas histórias devem ser apresentadas “de uma forma que nenhum blogueiro faz”. Obviamente que, mais uma vez, ele está generalizando, como se todos os blogueiros fossem jornalistas e só divulgassem ou tivessem de divulgar notícias ditas jornalísticas. Está rotulando. Logo ele, que despreza rótulos... Bom! Ainda segundo o jornalista, “a notícia tem de ser escrita como ficção, algo para ser lido com prazer” e que “jornalistas têm de escrever tão bem quanto romancistas”. Que absurdo! Ele esquece que os tempos são outros e que, como jornalista, ele tinha a obrigação de pelo menos entender esses novos tempos?

Não ficar parado no tempo! Sim, como se ainda vivêssemos em plena efervescência dos anos sessenta, quando ele inovou o fazer jornalístico. Sei não, mas eu acho que, por isso mesmo, Talese bem que poderia tentar se informar melhor a respeito da internet e dos blogs. Afinal, a sua visão está completamente desfocada. E pretensiosa, porque ele diz que a sua não-ficção sempre foi fiel à realidade e, “modéstia à parte”, bem escrita. Não discordo. Agora, quanto à sua “modéstia à parte”... Sinceramente, isso ele não possui mesmo! Eu, por exemplo, tenho um blog. Como dizem os portugueses, calhou que também sou jornalista. Coincidentemente, sou, igualmente, escritora. Mas, e daí? Teria eu, agora, de rezar na cartilha de Talese?

Teria de escrever como uma romancista? Ser obrigada a fazer do meu blog um conto requintado e destituído ou não de uma visão crítica. Sair as ruas, como Talese diz, falar menos e ouvir mais as pessoas? Ver a vida como ela é? Quantos equívocos, caro eleitor, um homem pode cometer em uma entrevista tão curta! Faça-me o favor. Quanto a mim... Se, a priori, o jornalista tem o jornalismo impregnado nas entranhas, assim como o médico exerce a medicina vinte e quatro horas por dia, seria uma missão até quase impossível, no meu caso, distinguir a blogueira da jornalista ou da escritora. E vice-versa. Eu, pelo menos, sou uma só. E, sem modéstia alguma, assim como Talese, posso dizer que escrevo muito bem. O suficiente, eu diria, para contestá-lo aqui. Sim, em meu blog, onde eu pinto, bordo e até costuro, no bom sentido.

Porém, é até compreensível que, apesar de vivermos em pleno séc. XXI, exista quem pense como Talese. Afinal, uma pessoa que viaja ao Brasil, um estrangeiro, para uma feira – olhe o nome, feira – literária e logo em Paraty, no Rio de Janeiro, portando consigo oito conjuntos de terno, que consiste em um paletó sobre um colete e um chapéu, fora as gravatas, camisas etc – provavelmente, nenhuma sunga –, parece mais viver no séc. XIX e em uma cidade feia e escura como Nova York. Tudo a ver! Podia ter vindo mais despojado... E não ser tão despojado ao dizer que não é necessária a obrigatoriedade do diploma de jornalista para exercer a profissão. Aí, já é demais! Quanto ao meu blog, ninguém é obrigado a acessá-lo. Faz quem quer, quem gosta, quem tem mente aberta. Só que no meu blog eu escrevo o que eu quero.


Não foi à toa que o escritor português José Saramago, 87, disse que blog é a nossa página pessoal na internet. Haja modernidade! Sobretudo se considerarmos a idade do escritor, que, de bem com a vida – vive em uma ilha da Espanha –, é mais light para entender certas mudanças, que, aliás, ele tira de letra. Ah! Para quem não sabe, Saramago possui um blog, para o qual escreve diariamente desde o ano passado. Ele, sim, um inovador dos tempos ditos modernos. Foi, então, portanto, com a filosofia de que blog é uma página pessoal, na qual podemos, e estimulada pela ousadia de um dos homens que mais admiro intelectualmente, pois possui três qualidades que prezo em um ser humano: ele é escritor, ateu e comunista, que inaugurei o meu blog no dia 6 de janeiro deste ano.

No início, muito timidamente; hoje, já mais à vontade, inclusive para dizer o que penso sobre supostas verdades...


Nathalie Bernardo da Câmara
Registro profissional de jornalista:
578 - DRT/RN, desde 1989





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