O MURO
“... Saudade é amar um passado que ainda não passou,
é recusar um presente que nos machuca,
é não ver o futuro que nos convida...”.
Pablo Neruda (1904 - 1973)
Poeta Chileno
é recusar um presente que nos machuca,
é não ver o futuro que nos convida...”.
Pablo Neruda (1904 - 1973)
Poeta Chileno
Não acredito que os homens que elaboraram as leis do Código do direito canônico da Igreja católica seguiram à risca os seus preceitos ou se estavam em pleno juízo das suas faculdades mentais quando os elaboraram. Afinal, não existe nada mais insensato, por exemplo, do que os seus ditames sobre o sofrimento humano. Primeiro o acham uma dádiva; depois que temos de nos conformar com ele. Achando pouco, dizem, também, que, assim, alcançaremos a ressurreição dentre os mortos. Só que nem é preciso ter mais de dois neurônios para ver nisso um disparate! Algo totalmente fora de questão para quem tem discernimento. E representa um atraso de vida no que concerne à condição humana e a sua evolução.
As escrituras ditas sagradas dizem, portanto, que Jesus aprendeu a obediência através do sofrimento... Obediência à quem? E os passos que teria dado – Getsêmani (jardim em que Jesus agonizava em oração); Gábata (pavimento onde ele foi julgado por Pilatos) e Gólgota (onde suportou a cruz) – foram necessários para alcançar a glória (Jo 18:1; 19:13, 17). Deveríamos, então, viver, também, os nossos Getsêmani, Gábata e Gólgota? Ora! O único 3G que eu conheço é o da tecnologia da minha telefonia celular. Pega onde eu estiver. E, detalhe, sem sofrimento algum. Agora, quando, por algum motivo, não há sinal, perco a paciência e esqueço de Jó. Mas, sofrer, não. Muito menos com resignação.
Eu, particularmente, não tenho vocação para ser crucificada. Sim, porque não é possível se conformar com o sofrimento, que se suporta. E com muita má vontade. Mesmo porque é preciso primeiro cessar a causa que o provoca para depois superá-lo. Arrogantemente, a Bíblia diz, ainda, que o sofrimento tem o seu propósito. Que desagradável... Sim, porque nem o saber que adquirimos com o sofrimento compensa as dores e as perdas que dele advém. E não concordo quando o budismo diz que eliminando o desejo eliminamos o sofrimento. Não podemos, então, desejar? Desejar ser feliz por exemplo? Não podemos desejar mais nada que isso implicaria em sofrer? Assim, de maneira simplista, até viver seria sofrer!
De fato, não tem cabimento as religiões tecerem opiniões à revelia dos sentimentos humanos, independentemente se eles são ou não bons, ou, mesmo, das causas que o despertam e movem. É terrível, isso! E tem coisa pior, por exemplo, do que a tendência cristã ao sofrimento como processo purificador? Afinal, quem precisa sofrer para ser feliz e liberto depois da morte? A vida é só uma e precisamos, sim, ser felizes, mas enquanto estamos vivos. Esse é o grande sentido de viver. Eu mesma é que não sou cristã ou qualquer outra coisa que o valha para achar que preciso padecer como condicionante de uma felicidade após esta vida, para alcançar a glória, como diz a Bíblia. Afinal, a única glória é a de estar viva!
E digo isso na condição de fruto da união de um óvulo com um espermatozóide. Sou um ser vivo como todos os demais, embora, diferentemente de muitos, tenho os cinco sentidos sempre alertas, atentos à vida, aos vivos e, diga-se de passagem, com muito mais do que meros dois neurônios, tendo, ainda, os pés fincados no chão. Um dia, contudo – infelizmente –, a minha vida acabará e eu, também, acabarei, ou seja, fenecerei, igual as flores. E, para mim, não tem mais nada depois disso. Espanta-me, contudo, um poeta, como o brasileiro Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987), dizer que a dor é inevitável e que o sofrimento é opcional... Menos, Drummond, menos! Primeiro porque não há dor sem sofrimento.
A dor por si só já implica em sofrer, seja um sofrimento efêmero ou não. Intenso ou brando. Por isso que eu acho que nem um Muro de Berlim dentro de um peito qualquer seria capaz de evitar o sofrimento. Não importa qual o motivo. Todos nós sofremos, sim, em algum momento da vida. Ou em alguns. Vários, quiçá! É inevitável. E nada agradável. Daí, antes de tudo, a necessidade de eliminar a causa do sofrer. Não eliminar o desejo! O desejo deve existir sempre, porque, afinal, é ele que nos motiva a viver. Vida essa sem a qual não somos nada. E, queiramos ou não, totalmente vulnerável e receptiva a uma eventual visita do sofrimento – sensação indigesta com a qual, infelizmente, temos de conviver...
Nathalie Bernardo da Câmara
Registro profissional de jornalista:
578 - DRT/RN, desde 1989
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