sábado, 4 de julho de 2009

¡PASIÓN POR LA VIDA!



“Eu pinto a mim mesma porque estou muitas vezes sozinha e porque sou o assunto que conheço melhor...”.

Frida Kahlo (1907 - 1954)

Cayoacán, México. No dia 6 de julho de 1907, nasce a futura pintora Magdalena Carmen Frieda Kahlo y Calderón, terceira das quatro filhas do casal Wilhelm Kahlo (1876 - 1932) ou don Guillermo, fotógrafo e pintor judeu alemão de origem húngara, e Matilde Calderón y González (1872 - 1941), mexicana de origens espanhola e indígena. Frida Kahlo, ou Friducha, apelido que gostava de ser chamada, teve uma vida de sucessivas tragédias, transpostas para as suas telas com as cores quentes da cultura mexicana e as alegorias da sua arte popular. O seu triste fardo, portanto, teve início quando, aos seis anos de idade, Frida contraiu poliomielite.
Frida Kahlo.


Don Guillermo e Matilde.


Frida (à direita) e as irmãs: Matilde (1898 - 1951);
Adriana (1902 - 1968) e Cristina (1908 - 1964).


Como seqüela, herdou uma atrofia na perna direita, algumas deformações e limitações de movimento, que a obrigou a claudicar. Por esse motivo, herdou, também, o apelido de Frida perna de pau, o que a fez usar calças compridas, substituídas por longas e exóticas saias, anéis extravagantes, brincos, colares, unhas pintadas de diferentes cores e flores ou laços presos ao cabelo trançado, em coque, que logo marcariam a sua marcante e extravagante personalidade. Até então, teve uma infância “maravilhosa”, como ela mesma disse, apesar da união tumultuada dos seus pais, que, anos depois, retrataria com a dosagem exata do afeto que sentia por eles.











Frida (à esquerda) de terno e gravata,
aos dezoito anos.


Frida e um dos seus muitos vestidos,
aos dezoito anos.




Frida e o namorado, Alejandro Gómez Arias.


Aos dezoito anos, já superado os traumas deixados pela poliomielite, o destino reservava à Frida uma radical mudança em sua vida, selando a sua existência de dor e sofrimento. E tudo por causa de uma sombrinha que esquecera na Escola Nacional Preparatória da Universidade do México, onde estudava para cursar medicina. Assim, não pegando o ônibus de costume, ela e o namorado, Alejandro Gomes Arias, pegaram outro, que, sem que os passageiros esperassem, colidiu com um bonde. Frida ficou gravemente ferida. Encontraram-na em meio aos destroços do veículo com o corpo banhado em sangue e tintas, que ela trazia consigo.



Acidente – 17 de setembro 1926


Curiosamente, o seu rosto estava coberto de pó de ouro, que um pintor deixara cair no momento da colisão. Um batismo trágico de sangue, tintas e brilho que faria de Frida a pintora que se tornou? Afinal, foi devido o acidente que ela desistiu da medicina e, para suportar os longos meses de cama, passou a pintar! O fato é que Frida teve a coluna vertebral, a clavícula, algumas costelas e a pélvis lesadas, além de fraturas em sua perna direita, do esmagamento do pé direito e do deslocamento do ombro esquerdo, bem como uma perfuração no abdômen, provocada por uma barra de ferro, que atravessou o útero e saiu pela vagina.

Segundo o seu próprio relato:


“Eu subi no ônibus com Alejandro. Sentei-me junto ao corrimão e Alejandro ao meu lado. Alguns instantes mais tarde o ônibus chocou-se com um bonde da linha Xochimilco. O bonde esmagou o ônibus contra a esquina da rua. Foi um choque estranho, não foi violento mas surdo, lento, ferindo todo mundo. A mim sobretudo [...] O choque nos lançou para a frente e o corrimão me atravessou como uma espada atravessa um touro. Um homem vendo a terrível hemorragia, me carregou e me deitou sobre uma mesa de bilhar até a chegada da Cruz Vermelha. Eu perdi a minha virgindade, meu rim ficou amassado, eu não podia mais urinar, e do que eu mais me queixava era da coluna vertebral”.


Tentando socorrer Frida, enquanto esperavam os primeiros socorros, um homem aproximou-se e, de um só golpe, teria arrancado a barra de ferro do seu corpo, sendo Alejandro testemunha do grito de desespero da namorada. Entre a vida e a morte, Frida entrou em coma. Ao acordar, o destino persistiu implacável. Ela descobre que a família do namorado, que não aprovava o relacionamento por diferenças sociais, havia enviado-o para morar na Europa, dando-se conta, ainda, de que quase todo o seu corpo estava coberto de gesso. Sentiu-se desolada. Certa vez, tempos depois, Frida escreveria:


“Um corpo é um conjunto. Verdade? [...] Se lhe arrancam um elemento - mesmo ao preço de uma cirurgia estética - sempre lhe faltará algo. Uma parte do corpo transformada, amputada, é o começo de uma mutilação lenta. Depois tiram outras coisas, até que não fique mais nada. Isso é o que eu penso. E minha vida foi esse processo”.

Processo esse que nem mesmo a pintura amenizou o sofrimento a ponto de, um dia, ela desabafar que já nem sabia mais o que era dor. Ao longo da vida, Frida foi submetida a mais de trinta cirurgias e diversos procedimentos médicos para o estiramento da coluna vertebral...


Uma espécie de barbuquejo.


Escapando, portanto, da morte e, enfim, saindo do hospital, após um mês interna, Frida pôde ir para casa, passando nove meses com o tronco imobilizado, ao término do qual se viu recuperada do acidente, embora não totalmente refeita, devido os surtos de dores ao longo da vida, chegando, inclusive, a ficar dependente da morfina. Porém, ainda enquanto convalescia, foram providenciados, para minimizar o seu sofrimento, um cavalete, tintas, pincéis e uma cama com quatro colunas e um baldaquim, sob o qual foi posto um grande espelho, nos quais ela projetou a sua condição, atravessando a sua recuperação de maneira não tão aflitiva. Foi quando fez o seu primeiro auto-retrato.


Auto-retrato Con terno de veludo - 1926
Dedicado a Alejandro Gómez Arias

O detalhe dessas providências tomadas pela família de Frida foi que a iniciativa do cavalete e a do espelho partiu da sua mãe, possibilitando, portanto, à enferma, vê-se por inteiro. Como teria, contudo, surgido a idéia do espelho? O fato é que Frida, na condição que lhe havia sido imposta, mal se levantando da cama, termina tendo como companhia o reflexo de si mesma, a sua imagem-semelhança, inspiração e modelo, inclusive, para mais de setenta auto-retratos – apenas o pintor neo-holandês Rembrandt (1606 - 1669) superou tal marca –, expressando uma angústia que não queria calar, sendo o espelho a companhia de toda uma vida.

Frida, a matéria-prima da sua obra, porque só pintava o que via, ou seja, ela mesma. Certa feita, escreveu:


“O espelho! Verdugo de meus dias, de minhas noites. Imagem tão traumatizante como os próprios traumatismos. Todo o tempo essa impressão de ser apontada com o dedo. 'Frida, olha-te. Frida, contempla-te'. Já não há sombra de verdade onde esconder-se, nem cova onde retirar-se, entregue à dor, para chorar em silêncio sem marcas na pele. Compreendi que cada lágrima traça um sulco no rosto, por jovem e firme que seja. Cada lágrima é uma fragmentação da vida. Observava meu rosto, meu mínimo gesto, as dobras das colchas, seu relevo, a perspectiva dos objetos dispersos ao meu redor. Durante horas me sentia observada. Me via. Frida dentro, Frida fora, Frida em todas as partes, Frida ao infinito. Mas não havia sido um mau chiste de minha mãe”.





“Única aprendizagem: a dela própria,
limitada como está em um pequeno espelho
de dimensões de um retrato” – Christina Burrus.


Segundo a psicanalista brasileira Urania Tourinho Peres, “um corpo despedaçado, uma identidade rompida necessitam de um espelho reestruturante. Frida se recompõe e nessa reintegração há uma criação, criação de si mesma. A opinião médica geral é a de que ela não sobreviveria, mas Frida sobrevive, revive, renasce. E nos transmite uma lição de construção de uma vida, que corre paralela com a reconstrução do corpo. Um corpo que, despedaçado, destroçado, como ela própria se refere, vai determinar o encontro com uma nova identidade. Necessita reinventar-se, construir-se, e ela o faz. Hayden Herrera (1995, p.106), tentando caracterizar a sua pintura comenta que ‘[...] ela era mais pessoal e via o mundo em relação a si mesma, especificamente em relação a seu corpo [...], expressava sentimentos em termos de coisas feitas a seu corpo’”.


Frida e Diego Rivera (1886 - 1957)


E os sentimentos de Frida iriam lhe pregar uma peça quando, em 1928, passado dois anos do seu acidente, ela, aos poucos, tenta restabelecer a sua vida. Afinal, se o México renascia após a revolução, Frida vivia o seu próprio renascimento, contrariando as opiniões médicas de que não sobreviveria. Já tendo mudado o nome de batismo de Frieda para Frida, destituindo-o do acento germânico, bem como alterando o ano do seu nascimento para 1910, quando eclodiu a revolução mexicana, ela se reaproxima de um antigo grupo da Escola Nacional Preparatória da Universidade do México, se filia ao Partido Comunista e conhece o muralista mexicano Diego Rivera.

Foi amor à primeira vista. Alejandro já havia voltado, mas estava distante, enamorado por uma amiga em comum, e Frida decidiu procurar Diego, recorrendo ao pretexto de mostrar-lhe alguns dos seus trabalhos. Para isso, selecionou três dos seus quadros e pediu que o renomado pintor os avaliasse. Diego, por sua vez, não economiza elogios, de súbito sendo seduzido pelo talento e pela beleza da jovem artista, aproveitando para inserir a sua figura no afresco que pintava em um órgão público, retratando-a com uma estrela vermelha no peito, nada mais fazendo, com o gesto, que a introduzindo no movimento artístico e revolucionário da época.




Frida e Diego se apaixonam e dão início a uma das histórias de amor mais extravagantes que o mundo já conheceu. No ano seguinte, resolvem se casar. Os pais de Frida, por sua vez, não viram com bons olhos o casamento, pelo fato de Diego ter vinte anos a mais que Frida, ser comunista e pesar mais de cem quilos. Diziam que era “o casamento entre um elefante e uma pomba”. A mãe de Frida, portanto, se posiciona contra a união de ambos, enquanto o pai oferece uma resistência menor. Amigos acham que Frida só quer se casar com Rivera para projetar a sua carreira artística. Em vão! No dia 21 de agosto de 1929, Frida e Diego se casam.

Para a psicanalista Urania Tourinho Peres, foi o casamento entre dois monstros sagrados da arte mexicana: Diego María de la Concepción Juan Nepomuceno Estanislao de la Rivera y Barrientos Acosta y Rodríguez com Magdalena Carmen Frida Kahlo Calderón. Dizem seus biógrafos que a delicadeza física de Kahlo contrastava com sua imensa força de caráter, e que seguramente ela não era mais frágil que Diego. Os dois artistas se completavam: ele, pintando grandes murais voltados para o político-social; ela, quadros de pequena dimensão onde sobressaem os auto-retratos, sempre refletindo uma força interior muito grande. Ele, dramático e teatral, ela, intimista e auto-referente, porém em ambos uma luta contra as máculas e o pudor. Ambos revolucionários”.


O que não impediu que Frida trocasse de espelho. E mesmo sem se sentir ofuscada pelo brilho do companheiro, tornando-se uma grande artista por mérito próprio e dona de um estilo único e muito particular, Frida projetou em Diego o seu novo reflexo. Um amor narciso...


Além de exercerem o mesmo ofício...


Frida e Diego amavam a natureza...


E Friducha adorava os bichos, na vida e na arte.


No mesmo ano em que se casam, Frida e Diego se instalam na Casa azul, em Coyoacán; Frida aborta, devido o mal posicionamento do feto e os médicos dizem que não poderá ter filhos. Em 1930, o casal parte para os estados Unidos, onde fica três anos e onde Frida sofre um segundo aborto. Desta vez, o feto nem chega a se formar, desintegrando-se dentro de si. Ela entra em depressão. Nesse ínterim, Matilde, a mãe, morre no México. A pintura, que sempre fora uma extensão dos seus sentidos, produz uma série de quadros considerados sanguinolentos, ultrapassando os limites da melancolia e, paradoxalmente, os da ironia.




Em Nova Iorque, Diego inclui uma figura do revolucionário russo Lênin (1870 - 1924) no afresco que pintava no Rockefeller Center e o seu contrato é cancelado. O mural, por sua vez, interditado e destruído. O casal passa por um momento difícil e, em dezembro de 1933, decide retornar ao México. No ano seguinte, um novo aborto. Uma nova depressão. Novos problemas de saúde. Novas dores. Físicas, morais e emocionais. Uma intervenção cirúrgica é feita no pé direito de Frida e ela vê amputados quatro dos seus dedos grangrenados. Em 1935, aos olhos de Frida, Diego comete a mais cruel das traições: um caso amoroso com Cristina, a irmã caçula.



Frida convalesce da amputação
de quatro dedos do pé direito.



Nem sempre fiel à esposa, mantendo casos extraconjugais, Diego assume o romance e Frida o abandona, conhecendo, pouco depois, o escultor americano Isamu Noguchi (1904 - 1988), com quem mantém um relacionamento. Afinal, a vida amorosa de Frida não era, também, de uma fidelidade extremada a Diego. Casada ou separada de Pánzon, como ela chamava o marido, ela manteve vários casos, sem distinção de sexo. A sua bissexualidade ficou famosa e ela mesma não omitia isso. Em 1928, por exemplo, época em que se filiou ao Partido Comunista, participou de manifestações onde defendeu a emancipação das mulheres mexicanas.




Frida e o escultor americano Isamu Noguchi.


Para Frida, “uma massa silenciosa e submissa”. Achando pouco, declarou, ainda, a sua liberdade de mulher. Em 1936, retorna, portanto, aos movimentos sociais e políticos, fundando, juntamente com outras mulheres, um comitê de solidariedade aos republicanos espanhóis. As suas relações com Rivera já estavam melhores quando, um dos líderes russos que o ex-marido admirava passa apuros: León Trotsky. Solidários, os camaradas Frida e Diego solicitam ao governo mexicano que conceda asilo político a Trotsky (1879 -1940). O asilo é concedido e, no dia 9 de janeiro de 1937, o revolucionário comunista e a esposa, Natalia Sedova (1882-1962), desembarcam no México.





Trostky e a esposa Natalia Sedova são recebidos em Tampico, México, por Frida Kahlo; homenagem de Diego Rivera ao revolucionário russo em um dos seus afrescos, que, no México, escreveu o panfleto Programa de Transição, fundando a IV Internacional Comunista.



Sob proteção militar, Trotsky e Natalia são hospedados por Frida Kahlo na Casa azul e moram com a pintora até abril de 1939. Não demora muito, contudo, Frida e Trotsky iniciam um relacionamento. Breve, mas amoroso e secreto. Em outubro de 1938, por intermédio do escritor francês André Breton (1896 - 1966), Frida vai aos Estados Unidos para a sua primeira exposição individual na galeria do empresário americano Julien Levy (1906 - 1981), em Nova Iorque. Flertando com os seus admiradores, mantém uma apaixonada relação com o fotógrafo húngaro-americano Nickolas Muray (1892 - 1965). Retorna ao México, onde ainda se encontravam Trotsky e Breton.



Julien Levy e Frida com o fotógrafo Nickolas Muray.



Trotsky e Frida e com Rivera e Breton, no México, 1938.



Entusiasmando-se, em especial, com um dos quadros de Frida, O que a água me deu, de 1939, André Breton classifica a pintura da mexicana de surrealista: “A arte de Frida Kahlo é uma cinta em torno de uma bomba”. Frida contestou: “Eu nunca pintei sonhos. Eu pintei a minha realidade”, dizendo, ainda, que só pintava o que via. Afinal, para ela, o surrealismo se resumiria na “surpresa mágica de encontrar um leão num guarda-roupa, onde tínhamos a certeza que encontraríamos camisas”. Essas e outras confissões, como a feita abaixo, foram feitas depois da viagem de Frida a Paris, onde expôs, a convite do próprio Breton.


“Na verdade, não sei se meus quadros são surrealistas ou não, porém sei que representam a expressão mais franca de mim mesma [..]. Odeio o surrealismo. Me parece uma manifestação decadente da arte burguesa. Um desvio da verdadeira arte que a gente espera receber de um artista [...] Quisera ser merecedora, junto com minha pintura, da gente a que pertenço e das idéias que me dão força [...] Quisera que minha obra contribuísse para a luta do povo pela paz e pela liberdade”. – Frida Kahlo.


El Marco, 1938 – Frida Kahlo


Em sua viagem a Paris, a surpresa de ser a primeira pintora mexicana a ter um quadro adquirido pelo Museu do Louvre, o auto-retrato El Marco, de 1938, e o tórrido romance com a dançarina norte-americana naturalizada francesa Josephine Baker (1906 - 1975). De retorno ao México, Frida vê deteriorada a sua relação com Diego. Ambos pedem o divórcio. O estado emocional de Frida decai. A sua saúde também, com constantes dores na coluna. Em dezembro, Diego a pede em casamento e ela aceita, embora impondo certas condições, entre as quais, a de não mais manterem relações sexuais, que, prontamente, Pánzon aceita.


Frida e Josephine Baker: a mulher mais famosa do mundo.


E, sobretudo, porque, segundo a psicanalista Urania Torinho Peres, “Diego se manifestou claramente que ser um objeto adorado com tanto ardor lhe fazia falta; e Frida havia se transformado em uma mera projeção desse amor impossível”. Ainda segundo a psicanalista, Frida passou a viver em um mundo ainda mais fechado, criando uma atmosfera de magia que encantava Rivera e se transforma em um atrativo para continuar a vida: “O amor por Diego vai tomando cada vez mais a direção de um encantamento dirigido a um filho. Frida revela:


“Não falarei de Diego como meu marido, porque seria ridículo. Diego não foi nem será marido de ninguém. Tampouco como de um amante, porque ele ultrapassa em muito os limites da sexualidade. E se falo dele como de um filho, não faço senão descrever ou pintar minha própria emoção, quase meu auto-retrato, não o de Diego”.


Para Frida, Diego tornou-se
"mi niño,mi amor, mi universo".



Pánzon e Friducha.

No dia 24 de maio de 1940, todos se surpreendem quando Trotsky sofre um atentado em sua casa, em Coyoacán. Sobrevive. Um segundo ataque, contudo, vem a ser fatal. Stalin (1879-1953), por sua vez, que considerava Trotsky uma ameaça, mesmo no exílio, faz infiltrar um agente em sua residência, Ramón Mercader, que, no dia 20 de agosto, findou por atacá-lo com um golpe de picareta na cabeça. Trotsky não resistiu, vindo a falecer no dia seguinte. Um dos suspeitos do assassinato de Trotsky, Frida é detida, interrogada e presa. Na cadeia, recebe visita da gangrena e os dedos dos pés que lhes restam são amputados. Mais uma depressão. E grave.



Trotsky no hospital, após atentado no México.




No dia 8 de dezembro, ela se casa com Diego nos Estados Unidos e, pouco tempo depois, volta sozinha ao México. Em fevereiro de 1941, Diego retorna ao aconchego de Frida e a paz reina na Casa azul, em Coyoacán. A tranqüilidade do casal é tamanha que reflete nas telas de Frida...


Auto-retrato Com tranza, 1941.


O único inconveniente, contudo, que abala o doce e sossegado idílio do casal, é a saúde de Frida, que só se agrava, sobretudo após a morte do pai, cuja perda a deprime ainda mais. Depressão essa acentuada por dores agudas e uma forte astenia. Os coletes já não suportam o seu corpo, bem como as dietas e os medicamentos não surtem mais efeitos. A pintura, que seria um lenitivo para os reveses, compromete-se: um fungo na mão dificulta o uso do pincel. O silêncio se abate sobre Frida... Porém, em 1943, por sugestão de Diego, ela passa a dar aulas na Escola de Pintura e Escultura do Ministério da Educação Pública.

A saúde, contudo, impede Frida de sair de casa e os alunos vão ter com ela na Casa azul, um ambiente propício ao encontro de artistas, intelectuais e turistas curiosos. Em 1944, dá início ao seu diário, repleto de ilustrações, sobretudo de naturezas mortas. É deste ano as telas Diego y Frida e La Columna rota, onde deixa transparecer todo o seu drama. Um real drama, repleto de dor e sofrimento. Ela não podia mais. Estava cansada. Anos e anos de privações, coletes, ferros, amputações...


Diego y Frida, 1944


La Columna rota, 1944


Em 1946, após mais uma cirurgia das nove a que se submeteu nesse período, pinta Árvore da esperança, mantenha-te firme!, onde, mais uma vez, segundo a psicanalista Urania Tourinho Peres, “representa-se duplicada entre uma imagem íntegra e outra marcada pelo corte da cirurgia”. Em 1949, a tela El Abrazo de amor Del universo, yo Diego y el señor Xólotl – a síntese de tudo o que é mais significativo em sua vida.






El Abrazo de amor Del universo,
yo Diego y el señor Xólotl
, 1949



Ainda em 1949, uma operação em Nova Iorque lhe enche de esperanças, mas um erro médico força outra cirurgia. Em 1950, um implante ósseo provoca-lhe uma infecção que a mantém por nove meses no hospital. O desespero acomete-a, e nem mesmo o refúgio na bebida e nos medicamentos é capaz de apaziguar as dores, que apenas vão se acentuando. O sofrimento torna-se insuportável. Doses altas de Demerol e outras drogas. Dependência. E uma coordenação motora afetada. Os humores em efeito gangorra: ora depressão, ora euforia. A mulher mexicana, contudo, dá a volta por cima e encontra forças para adornar-se.





Em dezembro, festa. Comemoração do décimo aniversário do segundo casamento de Frida e Diego. Ela aparece vestida de noiva, com véu e grinalda. Em 1953, contudo, o grande golpe: a sua perna direita é amputada. Em seu lugar, uma perna ortopédica. Seis meses depois, ela escreve: “Nunca sofri tanto...”. Uma retrospectiva da sua obra é prevista e, devido o agravamento do seu estado de saúde, antecipada, Frida, apesar das ordens médicas, comparece à exposição. A primeira no México. Um antigo desejo, que ela não perde por nada. Chega deitada em uma cama e atrai a atenção de todos, contando histórias, sendo cumprimentada e bebendo.


À imprensa, diz: “Yo no estoy enferma. Estoy rota”.


Exposição da obra de frida Kahlo na Galeria
de Arte Contemporânea de uma amiga mexicana,
a fotógrafa Lola Alvarez Bravo (1907 - 1993).


Frida Kahlo em meio a manifestantes,
de cadeira de rodas.


No dia 2 de julho de 1954, participa, ainda, de uma manifestação contra a intervenção dos Estados Unidos na Guatemala. Vai de cadeira de rodas. No dia 6, completa quarenta e sete anos de idade.





“Na minha vida tive dois grandes acidentes:
o bonde e o meu casamento com Diego.
Diego foi o que mais doeu...”.






Na madrugada do dia 12 para 13 de julho de 1954, Friducha chamou o seu Pánzon e, cada vez mais debilitada, o presenteou com um anel pelos vinte e cinco anos de união: seria a sua comemoração, duas semanas antecipadas, pelas bodas de prata do casal. Não lhe restava mais tempo... Pouco depois, faleceu em sua cama.


As cinzas de Frida Kahlo encontram-se no
museu homônimo que funciona
na Casa azul, em Coyoacán, México.








“Eram as coisas simples da vida
- animais, crianças, flores, paisagens –
que mais interessavam à Frida”.

Emmy Lou Packard (1900 – 1990)
Norte-americana, assistente de Diego Rivera





Em sua autobiografia, Diego Rivera – herdeiro universal de Frida – revelou que o dia da morte da sua companheira foi o mais trágico da sua vida. E o que dizer da vida da própria Frida, quase toda ela vivida em uma cama, cúmplice da sua própria tragédia, de uma jornada árdua por excelência, que, aliás, muitos não suportariam nem ¼? A última pintura, portanto, Sandias, uma natureza morta, feita oito dias antes da morte de Frida Kahlo, parecia predizer a iminência do termo da sua vida.



Frida em seu atelier,
pintando Sandias.


Sandias, 1954


“Recuerda que cada tic tac es un segundo de la vida que pasa y que no se repite, hay en ella tanta intensidad,
tanto interés, que solo es el problema de saberla vivir.
Que cada uno la resuelva como pueda”.



“Eu só desejo três coisas: viver com Diego,
continuar a pintar e pertencer ao Partido Comunista” – Frida Kahlo.





Nathalie Bernardo da Câmara

Registro profissional de jornalista:
578 - DRT/RN, desde 1989





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