domingo, 20 de março de 2011

OBAMA:
PERSONA NON GRATA


“O Rio de Janeiro continua lindo...”.

Gilberto Gil
Compositor e cantor brasileiro


Na manhã deste domingo, 20, liguei a televisão para ver as notícias nacionais e internacionais em andamento e me espantou a ignorância do jornalista que redigiu uma nota a ser lida pelo apresentador de um dado telejornal brasileiro, dizendo que, apesar dos conflitos, o amanhecer na Líbia havia sido mais tranqüilo... Ora, qual tranqüilidade é possível com uma chuva de mísseis a cair sobre a sua cabeça? Na sexta-feira, 18, contudo, um dia antes do início dos ataques a Líbia, manifestações eclodiram no Rio de Janeiro em protesto contra a chegada iminente ao Brasil do presidente norte-americano Barack Obama. Pois é! Engana-se quem pensa que o carioca ia deixar barato a presença indigesta do homem que, atualmente, no mundo, simboliza a ganância e a arrogância que sempre motivaram a maioria dos seus antecessores, sendo, ainda, a própria personificação do mal acima e abaixo do Equador.






Diferentemente dos protestos ocorridos em Brasília, onde Obama encontrou-se com la presidenta Dilma Rousseff no sábado, 19, o Rio de Janeiro radicalizou a ponto de manifestantes arremessarem coquetéis molotov contra o consulado norte-americano. O curioso, contudo, é que se, em Brasília, Obama e Dilma assinaram acordos bilaterais de cooperação entre os Estados Unidos e o Brasil, despertando otimismo na classe empresarial brasileira por enaltecer as nossas reservas de petróleo recém-descobertas, que é o pré-sal, demonstrando o interesse do seu país em nos ajudar a desenvolvê-las de forma segura para depois ser os nossos maiores clientes, manifestando, ainda, o seu desejo de ser nosso parceiro no desenvolvimento de biocombustíveis – para ele, “uma nova fonte estável de energia”, negando o direito do povo a se manifestar –, no Rio de Janeiro o presidente norte-americano só tirou onda, como se diz na gíria carioca.

A bem da verdade, independentemente do cargo que ocupa e dos compromissos oficiais em Brasília, no Rio de Janeiro Obama e a sua família só curtiram, como se estivessem de férias, já que os direitos humanos, tema previsto para ser abordado em seu discurso no Theatro Municipal no final da tarde, ele ignorou, embora, pela manhã, não tenha ignorado uma teleconferência, cujo tema foi o conflito na Líbia, vítima da maior intervenção militar ocidental no mundo árabe desde a invasão ao Iraque, adiando, assim, para a noite, a sua visita em família ao Corcovado – compromisso esse considerado oficial e, portanto, previamente incluso em sua agenda, apesar de que, a meu ver, uma ida do presidente norte-americano ao Cristo Redentor esteja mais para lazer ou, quem sabe, diante da conjuntura internacional, para se redimir pelos crimes cometidos contra a humanidade do que qualquer outra coisa.


Cidade de Deus?
Só no nome!


“Diz que deu, diz que dá e se Deus negar, oh nega, eu vou me indignar e chega. Deus dará, deus dará...”.

Chico Buarque
Compositor e cantor brasileiro

Se em Brasília, ainda, o presidente norte-americano Barack Obama deu a ordem para que tivessem início os ataques a Líbia, justificando aos jornalistas que não poderia ficar impassível “enquanto um ditador diz ao seu povo que não haverá compaixão” a quem se opor ao seu regime, no Rio de Janeiro ele declarou a necessidade de aumentar a coalizão internacional contra o governo de Khadafi. Curiosamente, pela manhã, Obama me vai justo a uma das favelas mais perigosas da capital fluminense, que é a Cidade de Deus – vai ver, a escolha deu-se em função do nome do lugar, que ele, provavelmente por ser cristão, levou ao pé da letra a expressão que diz ser Deus brasileiro. Pintando, então, de bom moço, sempre a esbanjar charme e simpatia, já que a seu favor conta um carisma incontestável, bem como um radiante sorriso nos lábios, mais parecendo garoto-propaganda de comercial de creme dental, garantindo, assim, o seu marketing pessoal, Obama não se fez de rogado e, após exibições de artistas locais, arriscou algumas embaixadinhas com garotos da favela, bem como entrou em uma roda de capoeira e até ensaiou uns passos, só faltando mesmo tirar um acorde do berimbau!


O fantasma da ópera


“A arte da interpretação:
mais um dedilhar da alma alheia...”.

Fabio Herrmann (1944 – 2006)
Psicanalista brasileiro


O cenário pode ter mudado - temos de denunciar os crimes de guerra -, mas o contexto não. Em função dos protestos que eclodiram às vésperas da chegada do presidente norte-americano Barack Obama ao Rio de Janeiro, o discurso ao povo brasileiro que ele faria a céu aberto na Cinelândia, no centro da cidade, foi transferido para o interior do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, longe de eventuais manifestações que, porventura, ocorressem durante o evento, do qual, inclusive, participaram cerca de dois mil convidados, entre políticos, artistas, desportistas e empresários, além de duzentos jornalistas brasileiros e estrangeiros. O tema do discurso alardeado pela imprensa, por sua vez, que durou algo em torno de vinte e um minutos, seria os direitos humanos. Seria, porque, de direitos humanos, não se sentiu nem respingos – coisa que, aliás, não foi novidade alguma, visto que Obama se comporta como se nem soubesse do que se trata, não tendo, portanto, moral alguma para falar a respeito.

Falando nisso, o tão almejado discurso deixou a desejar, pois foi fortemente marcado pelo populismo, sem falar dos recheios de nostalgia e de dicas sobre a sua preferência pessoal por certos aspectos da cultura brasileira, sendo a sua performance, contudo, o extrato mais fino de uma alegoria, ao estilo de certas aparições brasileiras, que beiram o folclórico, apenas para gringo ver. Só que, nesse caso, a situação inverteu-se. De repente porque as suas caras e bocas não lhes deixavam negar – parecendo um menino bobo quando ganha um doce – o fato de que, de fato, havia ficado extremamente impressionado com as belezas naturais do Rio de Janeiro e, de certa forma, contagiado pelo espírito alegre do carioca, por diversos momentos – dou o braço a torcer, reconheço – sequer lembrando o homem mau que deu a ordem do ataque aéreo a Líbia, apenas agravando ainda mais os conflitos no país árabe. Mas, se até uma moeda tem duas caras, o que dirá de um reles mortal? Obama é mortal, não é?







Bom! O presidente norte-americano deu início ao seu discurso saudando, em português, o Rio de Janeiro, a Cidade Maravilhosa, e todo o povo brasileiro, destacando “o calor e a receptividade” do carioca a sua família – ele continua alheio aos protestos contra a sua pessoa e a sua presença no Brasil ou será que, no fundo, tacha todo mundo, generalizando, de alienado, que ignora os malefícios do seu império? Bom! De novo. Então... Aproveitando a deixa, Obama falou, ainda, de futebol, fazendo proselitismo. Falou de cinema, dizendo que uma das primeiras boas impressões que teve do Brasil foi quando, criança, assistiu com a mãe ao filme Orfeu negro, do cineasta francês Marcel Camus (1912 - 1982), que, baseado na peça Orfeu da Conceição, do poeta e músico brasileiro Vinicius de Moraes (1913 - 1980), que transpões aos morros do Rio de Janeiro o mito da tragédia grega de Orfeu e Eurídice, foi rodado no Morro do Chapéu Mangueira, na zona sul da cidade, e lançado em 1959.

A peça, por sua vez, foi encenada no próprio Theatro Municipal, onde Obama proferiu o seu discurso – ele não disfarçou a emoção –, no qual, inclusive, disse ter constatado que, de fato – citando o compositor e cantor brasileiro Jorge Benjor, o Brasil “é um país tropical abençoado por Deus e bonito por natureza”. E, aí, desatou a falar não somente do encontro com la presidenta Dilma Rousseff e da parceria firmada entre os Estados Unidos e o Brasil, mas, também, das similitudes históricas entre os dois países, com destaque para a herança africana de ambos, dos jogos olímpicos de 2016, do drama do Japão, do crescimento econômico do nosso país, de democracia e liberdade – menos do tema do discurso, que deveria ter sido os direitos humanos e, salientemos, do ataque a Líbia. Ao final, rematou a sua fala, reduzida a devaneios, citando – ninguém merece! – o escritor brasileiro Paulo Coelho, que teria dito que “‘com amor e vontade’ é possível mudar o destino das pessoas”.

Que o diga a ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, presente ao evento, para quem o discurso do presidente norte-americano pecou por não dar ênfase à questão das mudanças climáticas no mundo. Na opinião da ambientalista, “as mudanças climáticas são o desafio deste século, de como países como os nossos podem se constituir exemplo para uma mudança no modelo de desenvolvimento”. E ela acrescentou: “Em um país que tem 60% da Floresta Amazônica e que reúne as melhores possibilidades de fazer essas transformações, imaginava que ele pudesse dar ênfase as responsabilidades que temos com as gerações presentes e as futuras”. O senador Eduardo Suplicy (PT-SP), por sua vez, que também compareceu ao recreio vespertino de Obama, lamentou que, apesar de exaltar a democracia, ficou faltando ao discurso uma abordagem favorável à suspensão do embargo econômico imposto pelos Estados Unidos a Cuba há quase cinqüenta anos. E vamos orar!


Ter o corpo fechado: estar imune a perigos graças a amuletos e mandingas



— Pai, afasta de mim esse cálice...


Quando foi informado que, durante o seu tour pelo Rio de Janeiro, o presidente dos Estados Unidos Barack Obama queria conhecê-lo, o Cristo Redentor fez as malas e desceu o Corcovado, passando a caminhar a esmo. Porém, como é filho de Deus e, dizem, Deus é brasileiro, sendo, ainda, pai de todos nós, fez meia-volta e reassumiu o seu posto, mas não sem antes dá uma passadinha rápida em uma loja de artigos de umbanda em São Cristóvão para comprar uns patuás e, depois, se recolhendo a sua insignificância, entregou a Deus e as mirongas a sua sorte, à espera do visitante que ele temia mais do que as enchentes e as balas perdidas que, de há muito, já viraram lugar-comum no cenário urbano da Cidade Maravilhosa, embora ao mesmo tempo apelasse a Ogum, o senhor da guerra, para que um imprevisto cancelasse a tão propalada visita. Em vão! Ao cair da noite, eis que, tendo chegado de helicóptero, Obama desponta no topo da mureta do Corcovado. O pobre do Cristo Redentor, por sua vez, tremendo mais do que vara verde, por pouco não desencadeando um terremoto no Rio de Janeiro, apenas conseguiu relaxar quando viu que o presidente norte-americano estava acompanhado da família, já que aquela seria uma visita reservada. E, não demorou muito, após posar para os fotógrafos, Obama se permitiu, inclusive, ao direito de alguns minutos em silêncio. Provavelmente, pensou o Cristo, para se redimir perante ele, o Redentor, por ter ordenado o ataque aéreo contra a Líbia, pondo ainda mais em risco a vida de inocentes. Lá pelas tantas, contudo, para o seu desespero, quando conseguiu entrar na mente de Obama, já que a mesma estava tomada por estranhos ruídos, possivelmente reverberando o estrondo dos mísseis lançados contra o país árabe, o Cristo Redentor descobriu que não era perdão que o visitante desejava, mas a transferência da Casa Branca para Copacabana, onde ele encontrava-se hospedado. Não deu outra! Acometido por uma súbita crise de pânico, o Cristo Redentor tremeu nas bases, literalmente, já que havia esquecido de comprar uma caixa do seu tarja preta, por pouco não vendendo a alma ao Diabo, a fim de que, imediatamente, ele tirasse o seu companheiro do seu território.

— E eu vou mandá-lo para onde? – quis saber o Diabo.

Visivelmente aperreado, o Cristo Redentor nem pensou duas vezes ao responder: — Por mim, pode mandá-lo até para os quintos do inferno, que eu não estou nem aí, mas que o faça sair do Corcovado. E rápido!

Felizmente, para a paz de espírito do Cristo Redentor, que, caso viesse a assinar o impensado acordo com o Diabo, depois teria de se explicar com Deus, a negociação não chegou a ser consumada, já que, em um piscar de olhos – sabe-se lá de quem! –, Obama e a família se despediram do anfitrião, entraram no helicóptero e desapareceram na neblina.

— Ufa! – suspirou o Cristo Redentor aliviado. – Essa foi por pouco... – disse, passando a mão na fronte lívida de suor.

Enfim! Aos poucos relaxando, o Cristo Redentor se desfez dos patuás e, já mais à vontade, se voltou para a lua cheia, decidido a curti-la do seu majestoso pedestal, pensando, contudo, que, da próxima vez, se houvesse uma, ele não esqueceria de comprar um colete à prova de bala. Como eu sei disso? Não sei. Só sei que foi assim...


Pernas, para que te quero!






Volte para o seu lar

Composição: Arnaldo Antunes
Intérprete: Marisa Monte

Aqui nessa casa
Ninguém quer a sua boa educação
Nos dias que tem comida
Comemos comida com a mão
E quando a polícia, a doença, a distância, ou alguma discussão
Nos separam de um irmão
Sentimos que nunca acaba
De caber mais dor no coração
Mas não choramos à toa
Não choramos à toa

Aqui nessa tribo
Ninguém quer a sua catequização
Falamos a sua língua,
Mas não entendemos o seu sermão
Nós rimos alto, bebemos e falamos palavrão
Mas não sorrimos à toa
Não sorrimos à toa

Aqui nesse barco
Ninguém quer a sua orientação
Não temos perspectivas
Mas o vento nos dá a direção
A vida que vai à deriva
É a nossa condução
Mas não seguimos à toa
Não seguimos à toa

Volte para o seu lar
Volte para lá
Volte para o seu lar
Volte para lá



http://letras.kboing.com.br/marisa-monte/volte-para-o-seu-lar/



Nathalie Bernardo da Câmara








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