sexta-feira, 21 de junho de 2013

BOLSA ESTUPRO: A OPINIÃO DE UM JURISTA...


“Bolsa Estupro” – Uma injusta e amarga recompensa

Por Fabricio da Mata Corrêa*
Advogado criminalista brasileiro (OAB/ES - 17.532).


Infelizmente, o Brasil vive uma época marcada por muitas “Bolsas”... – criadas pelo governo, elas são várias: Bolsa Creche, Bolsa Família, Bolsa Escola, Bolsa Crack etc.. Enfim, são programas assistenciais criados com o intuído de servir de auxílio para a parte mais carente da sociedade.

Sendo assim, por que dizer que, “infelizmente”, vivemos nessa época?

O ponto negativo de tais programas resume-se no fato de que as pessoas beneficiadas por eles não compreendem que tais benefícios são apenas provisórios, que servem apenas de impulso para os mais necessitados, e acabam por se tornarem completos e permanentes dependentes.

Outro ponto negativo nesses programas resumisse as muitas fraudes que, sabidamente, ocorrem no repasse e distribuição dos valores.

Varias denúncias já vieram a público, dando conta que, muitos dos favorecidos, além de não preencherem as condições para receberem tal ajuda do governo, ainda possuíam condição financeira muito além daquela que é a realidade do país.

Bem, mas... Isso é apenas um quadro geral de como que esta a situação do Brasil em relação a todos esses programas assistenciais que todos conhecem pelo apelido de “bolsas”.

Dito isso, recentemente, engrossando a fileiras dessas “bolsas”, a Comissão de Seguridade Social e Família, da Câmara dos Deputados, aprovou o chamado Estatuto do Nascituro, que, dentre as previsões, acaba criando mais uma “bolsa”, uma espécie de auxílio para os frutos de violência sexual. Não foi por menos, mas, tão logo foi apresentada, a referida proposta já recebeu o apelido de “Bolsa Estupro”.

Na verdade, a medida visa servir de estímulo para que a vítima de estupro não realize o aborto legal, dispondo, assim, o referido estatuto:


Art. 13 O nascituro concebido em um ato de violência sexual não sofrerá qualquer discriminação ou restrição de direitos, assegurando-lhe, ainda, os seguintes:

I – direito prioritário à assistência pré-natal, com acompanhamento psicológico da gestante;

II – direito a pensão alimentícia equivalente a 1 (um) salário mínimo, até que complete dezoito anos;

III – direito prioritário à adoção, caso a mãe não queira assumir a criança após o nascimento.

Parágrafo único. Se for identificado o genitor, será ele o responsável pela pensão alimentícia a que se refere o inciso II deste artigo; se não for identificado, ou se for insolvente, a obrigação recairá sobre o Estado.


Para lembrar, apenas... Vale dizer que, atualmente, no Brasil, já podemos considerar que o aborto é possível em três situações: i) quando for necessário para a saúde da gestante; ii) quando for proveniente de estupro; iii) e por fim, depois da decisão vista no julgamento da ADPF nº54 pelo STF, ficou sacramentado o direito das gestantes cujos fetos sejam anencéfalos, de decidirem se querem ou não continuar com a gravidez. Por isso se diz que o Brasil já admite três hipóteses de aborto, mas é justamente sobre a segunda dessas hipóteses que nos importa abordar.

Porém, antes, há um dado que deve ser dito, uma vez que é reduzido o número de vítimas de estupro que, efetivamente, levam o fato ao conhecimento do Estado – muitas das vezes, por vergonha, medo ou por motivos outros, elas acabam guardando consigo toda a dor e sofrimento, fechando-se em silêncio, desse modo contribuindo para que o estupro integre a chamada cifra negra do direito penal. Além disso, também como consequência desse silêncio, as vítimas – nesse caso, as mulheres – acabam por desconhecerem que, no caso de gravidez, poderiam por um fim em parte do sofrimento, não prosseguindo com uma gestação indesejada.

Isso nos leva a outro ponto dessa discussão que é, justamente, sobre os vários efeitos que podem surgir com a prática de um crime, e isso acaba se tornando mais nítido de acordo com a gravidade da conduta. Pela lei brasileira, o crime de estupro é considerado como sendo um crime hediondo, o que significa dizer que, por ser um crime deverás assaz grave, deve o infrator sofrer uma reprimenda ainda maior – reprimenda essa, digamos, proporcional à gravidade de sua conduta.

Ocorre que não podemos analisar um crime focando apenas no sujeito que o pratica. Esquecida em muitas situações, a vítima é igualmente importante nesse processo de conhecimento do crime, auxiliando, inclusive, na compreensão dos efeitos vistos após a sua prática.

O estupro, em especial, diferente de todos os outros crimes, é, tranquilamente, àquele onde a vítima sente de forma mais contundente toda a hediondez da conduta. Os seus efeitos rompem o campo físico e, diretamente, atingem a sua psique.

Muito embora o homem também possa ser vítima de um crime de estupro, é inegável que a mulher é quem, certamente, carrega ou suporta o pior dos efeitos desse delito, que é, justamente, a gravidez. Há quem entenda de forma contrária, mas, depois da morte, esse é justamente o maior e pior dos efeitos vistos com essa prática criminosa.

Focando novamente para a proposta do governo, o que se pretende com ela é fazer um acordo com a vítima, pedindo para que esta ignore todo o sofrimento e toda a gravidade da lesão, e que, em troca de uma mesada de um salário mínimo, resolva ter esse filho concebido às brutas.

Na verdade tão hediondo quanto o crime é a proposta vista no Estatuto do Nascituro. Na verdade, ainda que possa parecer que o governo esteja sendo benevolente com a vítima, o que ele diz com a proposta é justamente o contrário: demonstra não dar a mínima importância para a vontade da vítima e, principalmente, para o seu estado emocional.

Na verdade, o projeto é uma tentativa velada de se proibir o aborto no país. Noutro momento, já tive a possibilidade de escrever sobre o assunto e aproveito para ratificar que, ao tratarmos de um tema tão polêmico e complexo com esse, não podemos nos deixar levar tão somente por ideologias religiosas: a racionalidade nesse momento é bem mais coerente – coerência essa que, parece, não está havendo por parte do governo.

De forma avessa, o que parece haver é uma espécie de rixa entre as ideologias que formam nosso congresso, iniciada, principalmente, pelas mudanças vistas e prometidas evolvendo o tema aborto. Tanto que o presente projeto contou com a provação de toda a base religiosa do governo.

Muito mais do que ajudar a vítima grávida ou mesmo o nascituro, o projeto parece tratar-se de uma resposta, não só para o STF, que julgou procedente a ADPF nº54, como ainda para os juristas que formaram a comissão de elaboração do novo código penal, onde há de fato várias inovações envolvendo o assunto.

Agora, importante que não se olhe para tal projeto como sendo a tábua de salvação para a vítima de estupro, pois ela não é. De outro modo, devemos ver e entender quais os efeitos que tal medida pode, de fato, gerar, não só na sociedade como, ainda, na vítima do crime, focando, inclusive, no feto que logo nascerá e precisará de um pai. Será que o Estado assumirá essa responsabilidade?

Importante olhar para essa questão com outros olhos... Pense na situação de uma mulher, vítima de estupro, que, em troca de uma mesada (um salário mínimo), aceite seguir com a gestação. Primeiro, será que ela realmente poderá ser chamada de mãe? Como que ela olhará para a criança, sendo que, toda vez que vê-lo, o verá tão somente como o fruto de um crime, uma violência?

Os efeitos psicológicos são incontroversos e, pior, acompanha mãe e filho por toda a vida. Em uma entrevista marcante, Claudia Salgado, 28 anos, falou sobre o assunto com propriedade, pois é fruto de violência sexual e sentiu na pela alguns dos efeitos do crime. De forma corajosa ela se denominou: “Sou fruto de estupro e a favor do aborto”.

E depois de contar pontos cruciais sobre seu desenvolvimento e, principalmente, sobre a dificuldade que foi e ainda é a relação com sua mãe, manifestou a sua opinião sobre o projeto:

— Acho esse projeto de lei um grande equívoco. Acredito que as mulheres deveriam ter suporte financeiro e emocional do governo para tomarem a decisão que melhor fosse conveniente a elas, especialmente num caso de estupro, em que deveria ser totalmente amparada e ter o direito de escolha de continuar ou interromper a gravidez. Não se trata apenas de receber uma esmola do governo, vai muito além disso... – http://revistaforum.com.br/blog/2013/06/sou-fruto-de-estuproe-a-favor-do-aborto/


Ainda que ela tenha tentado explicar como foi sua vida e principalmente sua relação com a mãe, não poderemos nunca mensurar ou mesmo compreender o que ambas sentiram e ainda sentem.

Ponto que chamou a atenção na entrevista acima foi que ela disse não se sentir amada por sua mãe. Isso confirma certos levantamentos, onde se constatou que as vítimas de violência sexual que haviam engravidado, viam o feto não como um filho, mas sim como um “monstrinho”, filho do “monstro” que a havia violentado.

Não podemos afirmar, mas, quem sabe, não teria sido esse o sentimento que a mãe da Claudia tivesse na época. Mas, talvez, por estar tão assustada e sozinha, não tivesse ela tempo para pensar nisso.

Claro que esse caso não serve de regra, mas, com certeza, serve aos legisladores de nossa nação como exemplo a ser visto, compreendido e, principalmente, refletido. E para que, antes de elaborarem um projeto, tomem o cuidado de conhecer e estudar de forma minuciosa as matérias a serem tratadas.

Doravante, outro ponto, ainda, deve ser considerado, posto que, diretamente, se relaciona com a medida pretendida. Por conhecermos todas as mazelas envolvendo as outras “bolsas”, é possível se fazer um prenúncio do que poderá ocorrer caso entre em vigor essa “Bolsa Estupro”.

O PRAZO

Anteriormente, dissemos que esses programas assistenciais são provisórios, isto é, não devem ser encarados como algo permanente. Mas, e no caso da “Bolsa Estupro”, seria ela também provisória?

Segundo se extrai do referido projeto, a “mesada” prometida pelo Estado será devida caso o autor do crime não seja identificado, ou então, pasmem, sendo ele identificado, mas estando insolvente, o Estado também se responsabilizará pela “pensão”. Claramente beneficia o autor do crime, que, sendo insolvente, não precisará sequer arcar com a pensão. É, de fato, um absurdo!

Guardada as devidas proporções, pode-se dizer que nos casos de violência sexual, quem pagará os alimentos não é o pai, mas o Estado.

Ainda sobre o prazo da medida, diferentemente das outras “bolsas”, o prazo em relação a “Bolsa Estupro” deve ser mais estudado, até porque, analisando melhor o motivo de sua concessão, verifica-se tratar de verdadeiro compromisso que o Estado está assumindo com a vítima e o nascituro, na criação deste.

De forma cruel, isso demonstra o quão insensível com a medida está sendo o legislativo, pois acredita que os problemas da vítima estarão realmente resolvidos com uma mesada, esquecendo completamente que a criação de um filho demanda muito mais do que simplesmente dinheiro: demanda de afeto. E, a julgar pelas palavras da Claudia citada anteriormente, na relação entre mães e filhos frutos de violência sexual, dinheiro é o menor dos problemas.

O RISCO DE FRAUDE

Seguindo outro importante efeito que se aponta como certo é o aumento vertiginoso que ocorrerá no número de acusações de estupro – o que não equivale dizer que, efetivamente, em verdade, isso se refletirá na prática, posto que se fazendo como se pretende, o projeto será um prato cheio para oportunistas que verão a “Bolsa Estupro” apenas como mais uma possibilidade de usufruir do dinheiro público – o que nos permite fazer o seguinte questionamento: Como garantir que esse benefício seja dado a uma verdadeira vítima de estupro? Como o Estado garantirá a probidade de tal projeto, haja vista que nos outros sabidamente não ocorre?

Não se deve esquecer que, diuturnamente, muitas fraudes envolvendo os atuais programas assistenciais como, por exemplo, o Nossa Bolsa são descobertas. E, verificando a forma com que o Estatuto do Nascituro disciplinou a forma de concessão do benefício, nota-se não haver um mínimo de rigor ou, mesmo, fiscalização que possam evitar futuras fraudes.

O projeto apenas disciplina que o nascituro terá direito, por meio de sua representante, de receber um salário mínimo por mês até que complete dezoito anos. Pois bem, como saber se uma gravidez foi ou não decorrente de violência sexual?

Pense na seguinte situação: uma mulher que comparece à delegacia e diz que foi violentada e, em segunda, se constata que esta grávida. Ao que se nota, o beneficio para estará garantido caso deseje ter o filho. Agora, como saber se ela realmente foi violentada ou se tudo não passou de um ato consentido e até premeditado ou, quem sabe, até de oportunidade.

Tentem imaginar a cena, depois da aprovação do projeto: mulheres grávidas indo até a delegacia dizendo que a gravidez é fruto de violência sexual e que desconhecem o agressor, mas que desejam receber o beneficio. Que tipo de recursos o Estado terá para saber se realmente a gravidez apresentada é fruto de crime, ou se, então, é tão somente resultado de um ato consentido?

Recentemente, vimos o quão dependem desses benefícios a parte mais pobre da população – esta, por isso, não é de se espantar se algo desse tipo ocorrer. Depois de um boato dando conta do fim do Bolsa Família, o Brasil presenciou uma completa confusão: vários dependentes, desesperados com a notícia, dirigiram-se para as agências bancárias a fim de sacarem os benefícios.

Toda essa confusão serviu para indicar como a sociedade não vê esses benefícios como provisórios. E mais: como as pessoas são dependentes. Sendo assim, quem garante que o mesmo não ocorrerá com a “Bolsa Estupro”. E pior: diferentemente do Bolsa Família, que não precisa de um crime antecedente para a sua concessão, a “Bolsa Estupro”, por depender justamente da ocorrência deste, poderá gerar efeitos negativos para a justiça como, por exemplo, o aumento de comunicação falsa de crime, apenas para que o beneficio seja concedido.

CONCLUSÃO

O objetivo dessa medida é, de fato, fazer com que a vítima da violência sexual não interrompa a gestação, como, de fato, teria todas as condições para fazê-lo. Ocorre que, por todas as razoes que acabamos de abordar, claro que sem a profundidade exigida, não podemos concordar com a aprovação de tal projeto, pelo menos não em relação a “Bolsa Estupro”, haja vista que ela não aborda a questão como merece, além, é claro, que trazer enorme insegurança jurídica.

Da forma feita, o Estatuto do Nascituro viola não só a dignidade do nascituro como ainda a dignidade da vítima do crime. É como se esta estivesse sendo novamente violada.

*A pedido meu, o advogado Fabricio da Mata Corrêa, que se tornou um amigo querido, escreveu o artigo acima com exclusividade para o meu blog, acatando, ainda, a minha sugestão da chamada da postagem e a da sua ilustração.

2 comentários:

  1. Sò tenho uma coisa pra considerar: um estupro nao se prova apenas com palavras... Sou vìtima de estupro e fui submetida à diversos exames numa clìnica antes de ser encaminhada para delegacia... Nao creio que o governo aprove um projeto onde a vìtima sò denuncie quando descobrir que està gràvida... Acho que o que vai valer è o boletim de ocorrencia no dia do fato, e SE ela estiver gràvida depois, aì sim terà direito ao benefìcio... Tbm nao concordo com o bolsa-estupro. Nada, nem dinheiro algum nesse mundo vai me fazer esquecer o que eu vivi... Se eu tivesse ficado gràvida em consequencia desse estupro, teria feito um aborto sem dùvidas... Nao conseguiria amar um filho de uma dor tao grande...

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    1. Prezada, boa noite! Recebi o seu comentário há dias e, tão logo o li, cheguei até a respondê-lo, embora mais registrando que o havia recebido e, à oportunidade, passei o meu e-mail pessoal, caso vc queira conversar mais a respeito, consequentemente, com mais privacidade. Porém, no momento em q eu estava enviando a minha resposta, a conexão da minha internet caiu – no local onde eu estava nos últimos dias, a chuva era torrencial –, sendo apenas hoje, há pouco, q consegui me conectar sem maiores interferências. Então... Sinta-se à vontade para me escrever: nathaliebernardo@hotmail.com

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