sábado, 1 de junho de 2013

SONHAR NÃO OFENDE*

Por Marina Silva
Ambientalista brasileira, ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente – artigo publicado nesta sexta-feira, 31 de maio de 2013, no jornal Folha de S. Paulo.


Na próxima semana serão plantadas muitas árvores e feitos muitos discursos. Faz tempo que a Semana [Mundial] do Meio Ambiente mostra o quanto o Brasil está preso a uma repetição retórica e prática. A mudança é para pior: se antes era "mais do mesmo", agora é menos do mesmo.

A governança ambiental construída a duras penas buscava superar o embate simplório entre destruidores e defensores de uma natureza sempre considerada externalidade, longe do centro econômico da vida social. Reforçando o controle e a participação social, fortalecendo as instituições, incentivando o desenvolvimento sustentável, buscávamos transitar para uma sociedade em que a "questão ambiental" estivesse integrada a todos os aspectos do desenvolvimento.

Dez anos depois, já seria tempo de dar um passo adiante. Mas nem a mais atrasada ideia de "progresso a qualquer preço" é capaz de explicar o retrocesso que o governo brasileiro e sua base parlamentar promoveram nos anos recentes.

Profundo a ponto de se constituir na grande marca do atual governo, o retrocesso acontece justo nos anos em que a humanidade mais necessita de liderança estratégica para evitar o aquecimento de dois a seis graus que a ciência projeta, agora que a concentração de gases estufa ultrapassou todos os limites.

E os limites do Brasil? O "novo" Código Florestal, celebrado como uma vitória dos ruralistas, um ano depois de aprovado, mostra que é uma simples "licença para desmatar". Mas também temos o drama indígena em Belo Monte, e a violência em tantas outras aldeias, a redução de unidades de conservação, a perda de controle sobre o desmatamento e uma interminável fila de agressões contra o futuro.

Alguns casos atingem as bases da economia. No próximo leilão de energia só se permitem propostas para contratar termelétricas. São proibidos projetos de energia eólica, uma fonte mais barata e menos poluente. Há projetos aprovados de energia eólica, mas a Chesf não consegue entregar as linhas de transmissão. Pagamos caro pela falta de planejamento e pela obsessão por combustíveis fósseis.

E haja espaço para elencar tanto retrocesso. Mas como a esperança não precisa morrer de véspera, que tal sonhar que nesta Semana do Meio Ambiente, o governo resolva iniciar um processo de redução de tantos danos? Destravando pelo menos a agenda de criação das unidades de conservação, que está paralisada, deixando prejudicadas as comunidades tradicionais, como as da Reserva Extrativista Rio Branco-Jauaperi, na divisa entre Roraima e Amazonas, e a biodiversidade da região do Boqueirão da Onça, no Vale do São Francisco. Sonhar não ofende.

*A ilustração foi sugestão deste blog, lembrando que o Dia Mundial do Meio Ambiente é na próxima quarta-feira, 05 de junho.

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