sexta-feira, 28 de junho de 2013

NO SUSTO


Por Marina Silva
Ambientalista brasileira, ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente
Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo no dia 28 de junho de 2013


As manifestações nas ruas do Brasil nos colocam uma grata surpresa: o atual modelo político, além de desautorizado pelo repúdio na polifonia das multidões, também está sendo descontinuado, desconstruído e, ao menos simbolicamente, sepultado. Isso pode assustar, mas devemos nos alegrar por termos chegado a um ponto de virada, em que é possível fazer a história fora do museu, deixar a velha e estagnada repetição que nos condena a andar sem sair do lugar.

Tenho dito e repetido: é hora de metabolizar, não de capitalizar. Para além das reações, podemos construir respostas, reelaborando, sobretudo, os improvisos que a surpresa do momento nos obriga a fazer e colocando em debate as soluções dadas no susto.

De nada adianta o frenesi de anúncios com pompa de grandes soluções, sem a sincera disposição de ver e perceber, de escutar e compreender o que dizem as manifestações. Se formos capazes de ver mais que a superfície, o que fizermos terá maior altura e profundidade.

Nossa nova visão deve se traduzir numa agenda de país, não numa mera pauta de reivindicações. Essa agenda nos fará evitar o que vinha ocorrendo a olhos vistos: o sacrifício dos valiosos ganhos econômicos e sociais dos últimos anos em função do atraso do sistema político e da baixa qualidade de nossa representação.

Uma agenda para o Brasil sustentável pode ser feita com todos, a partir do novo termo de referência dado nas ruas. Os que anunciam ventos da mudança acordaram os que dormiam em berço esplêndido na Esplanada. Agora, todos têm diretrizes para trabalhar.

Exemplos? A reforma política não deve ser para garantir a estabilidade de quem já tem poder, mas para melhorar a representação e ampliar a participação. O pacto federativo deve dar a Estados e municípios novas responsabilidades mas também novos meios para cumpri-las. A educação não deve ter só a promessa de recursos quando jorrar o petróleo do pré-sal, mas metas a serem alcançadas agora. A saúde, não só médicos visitantes, mas a revisão do sistema para ampliar a capacidade instalada. Além de arquivar a PEC 37, devemos ter instituições mais transparentes. Em tudo podemos ir mais alto e mais fundo.

É preciso estender às ruas o “nós” que responde à pergunta: quem escolherá as perguntas? Devemos ouvir quem já fornece ideias – como a conferência proposta pela Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político.

Basta reconhecer que o poder – se não está com todos – é de todos. Sem susto.

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