quarta-feira, 16 de maio de 2012

FEMINICÍDIO: AS ESTATÍSTICAS SÓ AUMENTAM...

“Precisamos nos unir. A violência contra as mulheres não pode ser tolerada, de nenhuma forma, em nenhum contexto, em nenhuma circunstância, por nenhum líder político nem por nenhum governo...”.

Ban Ki-Moon
Secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU)

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“Uma andorinha só não faz verão, mas pode acordar o bando todo...”.

Binho
Um brasileiro


No dia 8 do corrente, publiquei a postagem Brasil: 7º no ranking mundial de homicídios contra a mulher, no qual divulguei “o resultado de um estudo que diagnosticou ser o Brasil o sétimo colocado em percentual em casos de homicídios cometidos contra mulheres entre 84 países” – fruto de uma pesquisa “coordenada pelo sociólogo argentino radicado no Brasil Julio Jacobo Waiselfisz”, para quem, inclusive, “não há como negar a existência de uma ‘cultura homicida’, já que, segundo ele, ‘a crueldade sempre existiu. O que acontece é que esses episódios vão se avolumando com o tempo. (...) Vida e morte se tornaram banais. Só 10% dos assassinatos são punidos no Brasil. Quanto maior é a impunidade, maior é a violência’”. À ocasião, divulguei, igualmente, o surgimento recente do “movimento internacional em defesa das mulheres e contra as agressões por elas sofridas”, desencadeado por um episódio ocorrido em janeiro de 2011, quando, em Toronto, no Canadá, um policial atribuiu à própria mulher a responsabilidade pelos abusos sexuais que sofria – à época, inúmeras ocorrências de estupros foram registradas numa universidade canadense – devido o uso indevido de certas roupas e à adoção de certos comportamentos típicos de vagabundas. Resultado: o comentário foi direto para o twitter e, de imediato, gerou uma repercussão internacional. Não demorou muito, dias depois uma manifestação pública de indignação, protesto e repúdio contra a fala do policial foi realizada em Toronto com o nome de Slut Walk, inspirando, assim, a realização de manifestações semelhantes pelos 4 cantos do mundo, apenas se multiplicando – no Brasil, é a Marcha das vadias, que, inclusive, desde o ano passado, vem acontecendo em vários estados do país. Bom! Para quem quiser conhecer o relatório completo do estudo do pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz, intitulado Mapa da Violência 2012Os Novos padrões da violência homicida no Brasil, basta acessar o site: http://www.mapadaviolencia.net.br/

Ao mesmo tempo, disponibilizo o link direto para a postagem, de minha autoria, que mencionei no início desta: http://abagagemdonavegante.blogspot.com.br/2012/05/brasil-7-no-ranking-mundial-de.html

Enfim! Sobre o assunto e indo um pouco mais além, um artigo sobre o alto índice de assassinatos de mulheres no Brasil foi publicado no jornal O Estado de S. Paulo no sábado passado (12). Assim sendo, decidi divulgá-lo para os meus leitores, os assíduos e os eventuais, pois é de suma importância tomar conhecimento de um assunto tão grave quanto o abordado no referido artigo, transcrito, portanto, abaixo.

Nathalie Bernardo da Câmara

 




Mortas por serem quem são*



Por Leila Barsted

Advogada brasileira, coordenadora executiva da organização não governamental Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (CEPIA) e membro de um comitê de peritas da Organização dos Estados Americanos (OEA) que avalia a implementação da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, ou Convenção de Belém do Pará, adotada em 1994.


Nas últimas semanas a imprensa divulgou pesquisa nacional sobre homicídios de mulheres no Brasil. Os dados apresentados revelam a magnitude dos assassinatos de mulheres, ocupando nosso país a sétima posição no contexto de 84 outros países onde mais ocorrem esses eventos. A pesquisa ratifica estudos realizados desde a década de 80 que apontam o local de residência como o principal espaço onde ocorre essa violência, bem como o fato de os agressores serem majoritariamente cônjuges, ex-cônjuges, namorados e ex-namorados. Esses dados revelam a domesticidade dessa criminalidade, que poderia ser tipificada como femicídio, fenômeno em grande parte banalizado como simples tragédias da vida privada.

Em 2008, o Comitê da Organização dos Estados Americanos (OEA) que monitora a implementação da Convenção de Belém do Pará sobre violência contra as mulheres adotou uma declaração sobre o femicídio, definido como delito que resulta na morte violenta de mulheres pelo fato de serem mulheres e que ocorre na família ou em qualquer outra relação interpessoal, na comunidade, por parte de qualquer pessoa, ou que seja perpetrado ou tolerado pelo Estado e seus agentes por ação ou omissão. Essa é uma definição abrangente de femicídio, embora sua incidência no Brasil ocorra especialmente nas relações interpessoais. Essa declaração denuncia o femicídio como tema ausente na legislação, nas políticas públicas e na cultura de diversas sociedades do continente.

Outro fato que mereceu destaque na imprensa foi a violência sofrida por uma jovem do Rio de Janeiro que, tendo terminado o relacionamento com seu ex-namorado, preso no sistema carcerário, foi sequestrada pela ex-sogra e ex-cunhada, que a espancaram brutalmente e rasparam seus cabelos como punição por sua desobediência ao ex-namorado, mandante da agressão, inconformado com o fim do relacionamento. A jovem disse que só queria levar sua vida em paz com a filha de 1 ano. A ex-sogra e a ex-cunhada foram obedientes na aplicação da pena.

As duas notícias têm muita semelhança com outros relatos da imprensa internacional sobre a prática de violência contra as mulheres em alguns países islâmicos. Foi amplamente divulgada a mutilação, com a perda do nariz e da orelha, de uma jovem afegã, perpetrada por sua família como punição por ter fugido de casa. Esse caso poderia parecer aos nossos olhos como práticas exclusivas e oriundas de países de regime autoritário. No entanto, dados da ONU e da OEA dão mostras de quanto a discriminação e a violência contra as mulheres estão presentes em todo o mundo.

Em 1993, o caráter transcultural e as diversas formas de manifestação dessa violência específica ganharam grande visibilidade no Tribunal de Crimes contra as Mulheres, quando da Conferência Mundial de Direitos Humanos. Mulheres de diferentes nacionalidades, culturas, religiões, raça/etnia e idade foram ouvidas e denunciaram as violências que sofreram. Muitas mostravam rostos gravemente queimados por seus companheiros ou ex-companheiros, que pretendiam assassiná-las ou destruir sua beleza.

Analisando os relatos das vítimas, quando sobreviventes, ou de seus familiares, encontramos histórias de desobediência, desobediência necessária para a conquista de direitos. Romper com a solidão, com o medo, com a limitação do ir e vir, buscar acesso à educação, ao trabalho, ao exercício da sexualidade são interpretados pelos agressores como transgressões e punidos com severidade.

A violência contra as mulheres tem sido, assim, um dos mecanismos sociais principais, e de grande eficácia, para impedi-las de ter acesso a posições de igualdade em todas as esferas da vida social, incluindo a vida privada. Essa violência é uma manifestação de poder e expressa uma dominação masculina de amplo espectro, histórica e culturalmente construída, para além de sua manifestação nos corpos das mulheres.

No Brasil, até 1840, era aceita como jurídica a tese da legítima defesa da honra que reconhecia o direito de homens assassinarem suas companheiras quando essas, em busca de sua liberdade, transgrediam as normas legais ou costumeiras calcadas na dominação masculina. Em 1991, o Superior Tribunal de Justiça, em histórica decisão, rejeitou esse nefasto argumento, definindo-o como expressão da autovalia, da jactância e do orgulho do “senhor” que vê a mulher como propriedade sua. Essa decisão foi fruto de uma longa luta feminista e da inclusão na Constituição Federal, de 1988, do reconhecimento de direitos iguais para homens e mulheres, revogando, assim, os dispositivos discriminatórios do Código Civil de 1916, que considera as mulheres como indivíduos sem direitos plenos, devendo ser tuteladas pelo pai ou pelo marido. Mesmo revogados, os dispositivos legais discriminatórios deixaram fortes marcas na nossa cultura e nas práticas sociais até os nossos dias.

Ao longo das últimas três décadas a legislação brasileira aboliu discriminações contra as mulheres e, em 2006, foi sancionada a Lei Maria da Penha para o enfrentamento da violência doméstica e familiar. Houve avanços significativos também com a criação de serviços voltados para a atenção às mulheres em situação de violência.

No entanto, dados do Censo de 2010 indicam a persistência de um conjunto de discriminações expressas na baixa representatividade das mulheres nos espaços de poder do Estado e da sociedade: sua menor renda em relação aos homens, o difícil acesso à terra e aos meios produtivos, a ainda alta taxa de mortalidade materna. Não se pode, portanto, isolar a ocorrência dos assassinatos de mulheres do difícil acesso aos seus direitos constitucionais e do déficit de cidadania. Superar esse grave quadro da subordinação das mulheres requer o envolvimento do Estado e da sociedade. Uma vida sem violência implica uma vida sem discriminações. Quando os direitos humanos das mulheres serão respeitados?

*A ilustração do artigo foi escolha minha.

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