“As bruxas são chamadas bruxas devido o negro da sua culpa. Isto é, os seus atos são mais malignos do que os de qualquer outro malfeitor. (...) Agitam e confundem os elementos com a ajuda do diabo e criam terríveis tormentas de granizo e tempestades...”.
Isidoro de Sevilha (560 - 636)
Teólogo e matemático espanhol, que foi, ainda, arcebispo de Sevilha e o primeiro dos grandes compiladores medievais, descrevendo as bruxas na sua enciclopédia Etymologiarum Libri XX, um compêndio de vinte livros contendo os conhecimentos da época sobre artes e ciências. Canonizado em 1598, foi declarado doutor da Igreja em 1722, sendo considerado o padroeiro dos historiadores e... da internet – por essa alguém esperava? Era só o que faltava!
Na última sexta-feira (11), quatro mulheres foram linchadas e assassinadas na Tanzânia, país africano, acusadas de... bruxaria. Premeditada ou meramente ocasional, a escolha do dia, não que eu acredite, apenas deve ter atiçado a crença dos supersticiosos que, não é de hoje, olham atravessado, como se diz, o referido dia da semana, sobretudo – não foi o caso – quando o tal dia é numericamente o 13, coincide com a lua cheia e, pior, se dá no mês de agosto – aí é que, com toda essa confluência, digamos assim, supostos poderes considerados macabros que lhes são atribuídos acentuam-se. Enfim! O fato é que, de fato, com a tortura e a execução das mulheres tanzanianas, muitos devem ter pensado que estávamos historicamente regredindo – evidentemente que uma regressão ficcional –, à Idade Média, quando a quantidade de mulheres, acusadas de feitiçaria e mortas por tal heresia, desafia até as estatísticas, visto que, na verdade, as barbáries cometidas por certo tribunal, no caso, o da Inquisição, comandado literalmente a ferro e fogo pela Igreja católica durante esse tenebroso período histórico, chamado, inclusive, de trevas, foi um verdadeiro genocídio, que – diga-se de passagem –, contemplou igualmente um sem fim de homens inocentes. Afinal, bastava dá na telha dos ensandecidos inquisidores que alguém era herege, independentemente do sexo, que o pobre do infeliz ia parar nas chamas ardentes das fogueiras medievais, queimado vivo ou mesmo sendo empalado por sádicos torturadores, que, aliás, para deletar o acusado, também se valiam de outros métodos, digamos, agraciados com diversificados requintes de crueldades.
Ocorre que não mais vivemos na Idade Média – felizmente –, mas em pleno séc. XXI, e o episódio que aconteceu na Tanzânia não pode se repetir, devendo, portanto, os responsáveis por tais sacrifícios, graves por excelência, receberem algum tipo de punição por parte de algum organismo internacional cuja bandeira é a da defesa dos direitos humanos, tipo, por exemplo, a Organização das Nações Unidas (ONU). Não importa! Seja por qual organismo for, legislação ou o raio que o parta, todos os que estiveram envolvidos no ato com características medievais têm de ser punidos, quiçá, pelas próprias autoridades da Tanzânia – se é que por lá existe algum tipo de código penal. O que não pode é retrocedermos no tempo e assistirmos, de braços cruzados, o que o ocorreu em Lwezera, localidade da região de Mwanza, ou seja, literalmente a execução sumária de quatro inocentes acusadas de terem praticados rituais cabalísticos inaceitáveis para a população local – rituais esses, aliás, que teriam supostamente culminado na morte de uma criança de apenas cinco anos de idade praticamente devorada por uma hiena, de novo supostamente criada pelas mulheres. Bom! Eu, particularmente, não estava lá e, portanto, não vi o que aconteceu, mas sei que foi um fato e, por seu perfil, de pronto o repudiei. Afinal, qual problema de alguém decidir criar hienas, apesar do bicho ser carnívoro, predador e necrófago? Não tem gente que cria pit bull, igualmente um mamífero da pesada e que, para completar, ainda é transgênico, fruto de experiências laboratoriais!
Eu, particularmente, não criaria nem um nem outro, muito menos arriscaria tentar domesticá-los, mas, como, nesta vida, vê-se de tudo... Enfim! O problema, aqui, não é, contudo, o bicho que se cria, mas a ação de um grupo de celerados supersticiosos que, por ignorância, a “mãe de todos os males”, como já dizia o escritor francês Rabelais (1494 -1553), se depara com uma criança morta por uma hiena e sai a invadir as casas das pessoas em busca de exemplares do animal e dos seus respectivos donos – no caso, donas, de 65, 62, 55 e 42 anos de idade –, e, enfurecido, as arrastam ruas afora, as linchando com paus e pedras para, em seguida, atear fogo nos seus corpos. Voilà o problema! Tanto que nem mesmo a tentativa de explicar o ocorrido por parte de um delegado da região minimiza a sua gravidade nem o perigo que pode advir das consequências de atitudes tão pré-históricas: — Na tradição tanzaniana, sobretudo entre as pessoas do campo, as hienas são associadas frequentemente à bruxaria.
Um exemplo? O de que as hienas seriam usadas para transportar defuntos retirados dos seus túmulos, considerados, mais uma vez supostamente, matéria-prima para práticas da magia dita negra. Bom! O fato é que os algozes das quatro mulheres consideradas feiticeiras continuam impunes. E vão continuar assim se ninguém fizer nada no sentido de deter tamanha irracionalidade. Porém, eu até arriscaria dizer que atitudes como a do grupo de celerados do tal lugarejo é, embora inaceitável, compreensível. Afinal, segundo reza a História, a região onde a Tanzânia localiza-se já deu abrigo a alguns dos mais remotos assentamentos ditos humanos – dizem até que fósseis desses seres já foram encontrados por aquelas bandas, que, aliás, não tenho a menor das intenções de conhecer, numa área aqui e acolá tida como o berço da humanidade (é cada uma!), cujas pegadas seriam as mais antigas que esta nossa raça já conheceu. O preocupante, entretanto, é que a aberração cometida contra as quatro inocentes mulheres nem teve a participação de discípulos da Inquisição medieval, que, aliás, de santa não tinha nada – a sequência de fatos grotescos foi engendrada por civis. Enfim! Outro país que, antes de um tsunami qualquer o faça, risco do meu mapa...
A cada cabeça uma sentença?
“Nada é mais assustador do que a ignorância em ação...”.
Johann Goethe (1749 - 1832)
Escritor alemão
No dia 5 de maio de 2010, publiquei no meu blog uma postagem intitulada A Bruxa e o mago: os dois lados da mesma moeda?, na qual, republicada no dia 23 de maio de 2011, registro toda a minha indignação e repúdio aos atos vis cometidos pela Inquisição durante a Idade Média. Tanto que, na referida postagem, aproveitando o ensejo, faço referência ao livro Malleus malleficarum (Martelo das bruxas), publicado em 1487 por dois inquisidores, os monges dominicanos alemães James Sprenger e Heinrich Kramer. Então... “Escrito e publicado com o aval de uma bula papal, assinada por Inocêncio VIII (1432 - 1492), legitimando, assim, não somente ações abusivas da Igreja católica contra inocentes, mas, também, a Inquisição, que, aliás, ela [a instituição] considerava ‘fatal ao progresso da civilização’, o livro era um detalhado e minucioso guia para uma caça as bruxas, um manual de tortura e execuções que, devido o sucesso alcançado, ele se tornou, à época, um best-seller, amplamente usado por supostos caçadores de bruxas, que, em um piscar de olhos, surgiam do nada”.
“A verdade é que os chamados caçadores de bruxas choviam a cântaros, vindo de todas as partes, tendo em vista apenas lucrar com essa nova possibilidade, digamos, de trabalho, por ser um negócio extremamente rentável. Afinal, qual era a mulher, por exemplo, que, àquela época, não fazia um simples chá com folhas ou frutos de plantas aromáticas ou de alguma erva com propriedades terapêuticas? Desse modo, bastava uma simples denúncia para que a infeliz fosse parar na fogueira, já que, certas práticas, por mais inofensivas que fossem, eram, absurdamente, consideradas uma confissão de bruxaria, vista, sobretudo, como um culto pagão à Grande Deusa Mãe – por extensão a Satã –, principal divindade adorada na Idade Média. Daí que muitas mulheres, em sua maioria, antes mesmo de serem queimadas vivas, enforcadas ou decapitadas, eram submetidas a inúmeras formas de tortura, incluindo, no caso, o estupro”.
“Sim, o estupro era uma espécie de tortura, ao qual, sem clemência, praticamente a maioria das mulheres eram vítimas, embora todas elas, sem exceção, independentemente de serem estupradas, tivessem os seus bens confiscados. O mais curioso, entretanto, é que negar a prática de bruxaria também dava cadeia, melhor dizendo, fogueira. (...) O fato é que [hoje] todo o estigma votado a supostas bruxas remonta – pelo que se sabe – à Idade Média, que, não foi à toa, é igualmente chamada de Idade das Trevas, um período histórico que, dominado pelo obscurantismo, levou centenas e centenas de mulheres, acusadas de bruxaria, à fogueira. Sim, um triste, lamentável e longo período da História da humanidade que submergiu em um mar de sangue inocente, derramado, aliás, pelos mais cruéis dos homens, em nome, diga-se passagem, de Deus” – entidade, aliás, criada por humanos para justificar não importa o quê. Bom! Para quem se interessar pela íntegra da postagem mencionada – observando, ainda, que as passagens transcritas aqui foram discretamente revisadas –, é só clicar no link abaixo:
Nathalie Bernardo da Câmara
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