quarta-feira, 2 de maio de 2012

— UM NACO DE SOMBRA, TIO?

“O Universo caminha não para a morte, mas para ordens cada vez mais elevadas de vida, e o ser humano é chamado a adotar posturas de colaboração e solidariedade, capazes de garantir o futuro do nosso planeta...”.

Leonardo Boff
Teólogo brasileiro

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“A Amazônia é a região de maior biodiversidade na Terra, um banco genético do qual a mínima parte foi pesquisada. E é vital para o equilíbrio do planeta...”.

Marina Silva
Ambientalista Brasileira


Rio mais 20: simples hiato ou uma grande oportunidade?*

Por André Lima
Advogado brasileiro, assessor especial de políticas públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia - Ipam e sócio fundador do Instituto Democracia e Sustentabilidade - IDS


Entre 1988 e 2010, o Brasil viveu uma evolução legislativa e institucional sem precedentes em matéria socioambiental. Alguns exemplos: 1989, criação do Ibama; 1997, Lei de Gerenciamento dos Recursos Hídricos; 1998, Lei de Crimes e Infrações contra o Meio Ambiente; 2000, Sistema Nacional de Unidades de Conservação; 2001, Estatuto das Cidades; 2003, Lei de Acesso a Informação Ambiental; 2006, Lei da Mata Atlântica; 2006, Lei de Gestão de Florestas Públicas; e 2009, a Lei de Enfrentamento às Mudanças Climáticas.

Somadas à Lei de Política Nacional de Meio Ambiente, de 1981, e ao Código Florestal (de 1965), o país está seguramente lastreado para praticar o desenvolvimento sustentável. O maior desafio é agora o de concretizá-lo. Há muito sendo feito, mas ainda muito a fazer: zoneamentos, monitoramento, licenciamento, avaliações, fiscalização, auditorias, comitês, indicadores, metas, sistemas de informação, bases de dados.

O desafio é do tamanho de um Brasil que possui mais de 12% de toda a água doce do mundo, o G1 da biodiversidade (mais de 20% de todo o planeta). País que possui 55% de vegetação nativa por preservar, conservar e utilizar de forma sábia e responsável, e é hábitat de mais de 220 povos indígenas, dezenas de milhares de comunidades locais (extrativistas, pescadores, quilombolas, caiçaras) culturalmente diferenciadas e dependentes dos ecossistemas nativos.

Vivemos a conjuntura do Brasil emergente. A síndrome do “cada vez mais”. Mais empregos, mais receita, mais renda, mais trabalho, mais PIB, mais estradas, mais carros, mais energia, mais mineração, portos, ferrovias… PAC disso e daquilo. As maiores obras de infraestrutura do planeta acontecem aqui no Brasil e não são duas, nem três.

Agora, mais do que nunca, portanto, precisamos desse arsenal legislativo socioambiental para realizar o sonho do “Brasil do século 21″. Não há outro caminho!

No entanto, na contramão dessa história, os fatos e as ações normativas e administrativas adotadas em um único ano deste governo nos fazem questionar os rumos. Licenciamento a fórceps da UHE de Belo Monte e início de obras sem que salvaguardas socioambientais sejam aplicadas; alteração nas normas de licenciamento ambiental, resgatando da ditadura militar a figura do licenciamento por decurso de prazo; redução de Unidades de Conservação (UC) por medidas provisórias para viabilizar empreendimentos sem licença ambiental; redução de poder fiscalizatório do Ibama com prejuízos ao controle dos desmatamentos na Amazônia e no Cerrado; tramitação de propostas de restrição ao Poder Executivo para criação de novas UCs e homologação de terras indígenas (TI) e revisão pelo Congresso Nacional de unidades criadas e TIs homologadas. Por fim, o mais evidente de todos os indicadores, o novo Código Florestal.

Prestes a ser votado na Câmara, o relatório do deputado Paulo Piau (da base do governo, PMDB-MG) é a árvore de Natal dos sonhos das alas mais retrógradas dos diferentes setores econômicos envolvidos. Dentre eles destacamos: carcinocultura, imobiliário, florestas plantadas, soja, etanol, aquicultura, madeira, café, suinocultura, pecuária, vinicultura, maçã, rizicultura, infraestrutura em geral, construção civil, petróleo, energia, mineração e até estádios de futebol.

Se assim vem sendo com o Código Florestal, que trata do que é mais rico e sensível ao senso comum do eleitor brasileiro (as florestas e os rios), que trata da proteção à água, à biodiversidade, ao clima, ao solo e ao desenvolvimento sustentável do Brasil, o que não será de qualquer outra legislação ambiental de menor envergadura ou exposição?

Presidente da República com popularidade inédita, obras e investimentos em infraestrutura ao ritmo do “nunca antes na história”, crise internacional pedindo passagem e a pasta ambiental do governo (quando muito) na defensiva. Enfim, estamos no córner. Como sair dele? Eis a questão!

Neste cenário, a Rio+20 bem que poderia ser o palco de algo muito maior do que um mero hiato na agenda de retrocessos na política socioambiental nacional para evitar constrangimentos momentâneos ao governo Dilma. Pode ser a grande alavanca de um novo momento da nossa história. Momento de confirmarmos na prática e com políticas afirmativas os direitos socioambientais assegurados na Constituição de 1988.


Aproveitando o desejo...



— E, por mais que exijamos, tem adiantado muita coisa?



*Publicado originalmente no jornal Correio Braziliense no dia 22 de 03 de 2012, ressaltando que o título inicial desta postagem, bem como as ilustrações e as epígrafes foram escolhas minhas.

Nathalie Bernardo da Câmara


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