Ela nasceu do tamanho de uma colher de inox. De sopa. Ou seja, com vinte quatro centímetros e meio – segundo as suas próprias palavras e medições. Hoje, “sem salto”, mede noventa e seis. Centímetros. Ela é Laura Maria Marques. Ou Laurinha. Ou, ainda, a Gongueza de Esperantina, cidade piauiense, a 174 quilômetros de Teresina, capital do Piauí. Convidada do Programa do Jô, exibido pela Rede Globo, ganhou dois blocos para uma entrevista sui generis, que foi ao ar na madrugada do último sábado, 22 de agosto. Foi o espaço e o tempo de quase vinte minutos que o apresentador concedeu à Laurinha, que já chegou toda animada, contagiando a todos com o seu alto astral, inclusive Jô, que logo quis saber o motivo para tanta alegria. “Estou viva!”, respondeu a entrevistada. E foi esbanjando alegria que Laurinha, de bem com a vida e bem resolvida com a sua condição de anã, me fez dar boas gargalhadas – no bom sentido, claro! Quarta filha de uma prole de oito – a sexta também é anã –, Laurinha nasceu de nove meses e passou dois anos mamando no peito e, do leite materno, já foi direto para a comida de panela, ficando fortinha, fortinha. Bem humorada, ela contou histórias hilárias. Uma delas foi a de que algumas crianças costumavam confundi-la com outra criança e que ela só podia ter a melhor mãe do mundo, porque a deixava sair na rua, andar de bolsa, pegar ônibus... Tudo sozinha! Mas, nem tudo são flores para Laurinha, já que as dificuldades que os anões enfrentam no dia a dia não são poucas. Andar de elevador, por exemplo, é sempre um problema. E, em tempos de gripe suína, então! Lavar a mão toda hora só com o álcool gel. Sim, o grande problema dos anões chama-se acessibilidade. Laurinha, contudo, pelo menos em casa, conseguiu superar certas adversidades. Descolada, conseguiu que a Caixa Econômica Federal, através do Programa de Arrendamento Residencial - PAR, financiasse a primeira casa do país totalmente adaptada para um anão. Uma lutadora! Com a garra que muitos dos ditos normais não sabem o que é.
E Laurinha falou. Falou de inclusão social, da política de cotas que as empresas têm de cumprir no emprego de anões em seus quadros funcionais; do preconceito que os anões sofrem: “Eu já saio de casa sabendo que vou ouvir de tudo: boneca da Estrela, boneca de piche...”. É mole! Sim, porque além de ser mulher e anã, Laurinha também é negra. A discriminação e as chacotas são triplas. Porém, ela insiste: “A discriminação maior é a falta de acessibilidade”, dizendo que muitos anões não saem de casa porque os parentes temem por sua segurança. “Você nasce, não cresce fisicamente e não vive. É terrível!”. E acrescentou: “A gente só quer uma oportunidade”. E oportunidades Laurinha teve. Quando não, ela as criou. Um fato curioso, entretanto, envolvendo alguns anões, causou a maior polêmica no Piauí. Há alguns anos, uma empresa que atua no Estado fez uma campanha simulando preços baixos e contratou anões como atores. O Ministério Público, contudo, considerou a campanha discriminatória e tirou o comercial do ar. Os anões se revoltaram. Contra o Ministério Público. E, de qualquer modo, não perderam o emprego. Dessa oportunidade, eles criaram um grupo de teatro e atuam até hoje. Encenam, por exemplo, Branca de Neve e os sete anões – Laurinha faz o papel do anão Atchim – e, no Natal, costumam fazer o papel dos duendes de Papai Noel. São convidados para festas de aniversário e vários outros eventos.
“A valorização profissional dos atores e humoristas portadores de nanismo não deve ser esquecida. O que deve ser combatido é a hierarquização social com base na altura das pessoas”.
Dolores Galindo
Dolores Galindo
Psicóloga brasileira
E Laurinha não para por aí, não! Ela trabalha como vendedora de cosméticos e, ainda, ministra palestras sobre temas como a valorização da vida, superação de obstáculos e auto-estima em empresas, escolas, universidades. Otimista, alimenta o sonho de fundar uma associação de anões, que, em sua opinião, devem ser vistos por seu profissionalismo, não por suas limitações. Estima-se que, no Brasil, seja um anão para cada dez mil habitantes, sendo o nanismo incluído no conjunto mais amplo das deficiências físicas através do decreto 5.296, de 2 de dezembro de 2004.
“Para a minimização do preconceito, as pessoas com nanismo têm de adquirir maior visibilidade no espaço público na qualidade de atores sociais capazes de articular movimentos pelos seus direitos”.
Dora Galindo
Dora Galindo
Grande pequena Laurinha, que, achando pouco, ousou, ao final da entrevista, vender um kit de cosméticos a Jô Soares. Diante do valor cobrado pelos produtos, o apresentador brincou, dizendo que estava sendo explorado. Sem perder a pose, Laurinha retrucou: “Por ser o Jô, temos de superfaturar!”. É pouco ou quer mais?
Nathalie Bernardo da Câmara
Nathalie, muito bom seu artigo. Obrigado por me mandar o link. Estamos buscando novos blogueiros em todas as regiões do País. Caso você se interesse entra em contato comigo: jeffersonxavier@vooz.com.br
ResponderExcluirGostei muito da leitura e da forma como abordou a entrevista. Parabéns e um excelente domingo!