terça-feira, 8 de maio de 2012

BRASIL: 7º NO RANKING MUNDIAL DE HOMICÍDIOS CONTRA A MULHER

“Assassinato: a forma extrema de censura...”.

Bernard Shaw (1856 - 1950)
Escritor irlandês


O jornal O Estado de S. Paulo divulgou nesta segunda-feira, 7, o resultado de um estudo que diagnosticou ser o Brasil o sétimo colocado em percentual em casos de homicídios cometidos contra mulheres entre 84 países. Raios-x preocupantes de uma fratura exposta, a constatação do fato deixou homens e mulheres de bom senso em estado de alerta. Afinal, segundo a pesquisa, coordenada pelo sociólogo argentino radicado no Brasil Julio Jacobo Waiselfisz, a taxa de homicídio no Brasil anda por volta de 4,4 vítimas para cada 100 mil mulheres. Diretor de pesquisas do Instituto Sangari, que, além da iniciativa, apoiou a pesquisa junto com a Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais - FLACSO, o sociólogo, que realiza o estudo periodicamente e que, este ano, foi publicado com o título Mapa da violência 2012 – Os Novos padrões da violência homicida no Brasil, acrescido, no caso, de um caderno complementar intitulado Homicídio de mulheres no Brasil, diz que o seu objetivo é o de “traçar um panorama da evolução do homicídio de mulheres” no país – no caso, inexiste involução. Infelizmente, para Waiselfisz, não há como negar a existência de uma “cultura homicida”, já que, segundo ele, “a crueldade sempre existiu. O que acontece é que esses episódios vão se avolumando com o tempo. (...) Vida e morte se tornaram banais. Só 10% dos assassinatos são punidos no Brasil. Quanto maior é a impunidade, maior é a violência”. Enfim! Para quem quiser inteirar-se do relatório completo do estudo é só acessar o site: http://www.mapadaviolencia.net.br/


Marcha das Vadias

“O que causa o estupro é o estuprador...”.

Lena Azevedo
Jornalista brasileira, assessora de comunicação da Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres


Cada Marcha das Vadias realizada não importa em qual lugar do Brasil pelo movimento internacional em defesa das mulheres e contra as agressões por elas sofridas tem, no caso do nosso país, o seu preâmbulo específico para uma carta manifesto elaborada nacionalmente. Aderindo, portanto, ao movimento, o cartunista brasileiro Carlos Latuff é o autor de vários cartuns ousados e provocativos que ilustram os documentos das ativistas ou mesmo são divulgados na mídia – selecionei alguns para esta postagem, com exceção do último, fruto de uma das campanhas realizadas pela Organização das Nações Unidas - ONU contra a violência praticada contra as mulheres. Abaixo, portanto, aproveito o ensejo para transcrever a carta manifesto das Marchas das Vadias das nossas terras tupiniquins:

No Brasil, marchamos porque aproximadamente 15 mil mulheres são estupradas por ano, e mesmo assim nossa sociedade acha graça quando um humorista faz piada sobre estupro, chegando ao cúmulo de dizer que homens que estupram mulheres feias não merecem cadeia, mas um abraço; marchamos porque nos colocam rebolativas e caladas como mero pano de fundo em programas de TV nas tardes de domingo e utilizam nossa imagem semi-nua para vender cerveja, vendendo a nós mesmas como mero objeto de prazer e consumo dos homens; marchamos porque vivemos em uma cultura patriarcal que aciona diversos dispositivos para reprimir a sexualidade da mulher, nos dividindo em “santas” e “putas”, e muitas mulheres que denunciam estupro são acusadas de terem procurado a violência pela forma como se comportam ou pela forma como estavam vestidas; marchamos porque a mesma sociedade que explora a publicização de nossos corpos voltada ao prazer masculino se escandaliza quando mostramos o seio em público para amamentar nossas filhas e filhos; marchamos porque durante séculos as mulheres negras escravizadas foram estupradas pelos senhores, porque hoje empregadas domésticas são estupradas pelos patrões e porque todas as mulheres, de todas as idades e classes sociais, sofreram ou sofrerão algum tipo de violência ao longo da vida, seja simbólica, psicológica, física ou sexual.

No mundo, marchamos porque desde muito novas somos ensinadas a sentir culpa e vergonha pela expressão de nossa sexualidade e a temer que homens invadam nossos corpos sem o nosso consentimento; marchamos porque muitas de nós somos responsabilizadas pela possibilidade de sermos estupradas, quando são os homens que deveriam ser ensinados a não estuprar; marchamos porque mulheres lésbicas de vários países sofrem o chamado “estupro corretivo” por parte de homens que se acham no direito de puni-las para corrigir o que consideram um desvio sexual; marchamos porque ontem um pai abusou sexualmente de uma filha, porque hoje um marido violentou a esposa e, nesse momento, várias mulheres e meninas estão tendo seus corpos invadidos por homens aos quais elas não deram permissão para fazê-lo, e todas choramos porque sentimos que não podemos fazer nada por nossas irmãs agredidas e mortas diariamente. Mas podemos.

Já fomos chamadas de vadias porque usamos roupas curtas, já fomos chamadas de vadias porque transamos antes do casamento, já fomos chamadas de vadias por simplesmente dizer “não” a um homem, já fomos chamadas de vadias porque levantamos o tom de voz em uma discussão, já fomos chamadas de vadias porque andamos sozinhas à noite e fomos estupradas, já fomos chamadas de vadias porque ficamos bêbadas e sofremos estupro enquanto estávamos inconscientes, por um ou vários homens ao mesmo tempo, já fomos chamadas de vadias quando torturadas e curradas durante a Ditadura Militar. Já fomos e somos diariamente chamadas de vadias apenas porque somos MULHERES.

Mas, hoje, marchamos para dizer que não aceitaremos palavras e ações utilizadas para nos agredir enquanto mulheres. Se, na nossa sociedade machista, algumas são consideradas vadias, TODAS NÓS SOMOS VADIAS. E somos todas santas, e somos todas fortes, e somos todas livres! Somos livres de rótulos, de estereótipos e de qualquer tentativa de opressão masculina à nossa vida, à nossa sexualidade e aos nossos corpos. Estar no comando de nossa vida sexual não significa que estamos nos abrindo para uma expectativa de violência, e por isso somos solidárias a todas as mulheres estupradas em qualquer circunstância, porque tiveram seus corpos invadidos, porque foram agredidas e humilhadas, tiveram sua dignidade destroçada e muitas vezes foram culpadas por isso. O direito a uma vida livre de violência é um dos direitos mais básicos de toda mulher, e é pela garantia desse direito fundamental que marchamos hoje e marcharemos até que todas sejamos livres.

Somos todas as mulheres do mundo! Mães, filhas, avós, putas, santas, vadias… todas merecemos respeito!


Já o preâmbulo do Rio de Janeiro...

“A violência é arma dos medíocres...”.

Daniela Mercury
Compositora, cantora, dançarina, produtora, atriz e apresentadora de televisão brasileira


No caso do Rio de Janeiro, que realizou uma Marcha das Vadias no dia 2 de julho de 2011, em Copacabana, o teor do preâmbulo da carta manifesto foi:

“No Rio de Janeiro, marchamos porque apenas nos primeiros três meses desse ano [2011] foram 1.246 casos registrados de mulheres e meninas estupradas, uma média de quatorze mulheres e meninas estupradas por dia, e sabemos que ainda há várias mulheres e meninas abusadas cujos casos desconhecemos; marchamos porque muitas de nós dependemos do precário sistema de transporte público do Rio de Janeiro, que nos obriga a andar longas distâncias sem qualquer segurança ou iluminação para proteger as várias mulheres e meninas que são violentadas ao longo desses caminhos; marchamos porque foi preciso a criação de vagões femininos no trem e no metrô para que não fossemos sexualmente assediadas durante o uso desses transportes”.

Para o fotógrafo brasileiro Geraldo Garcia, que, em 2011, registrou com as suas lentes a Marcha das Vadias em Copacabana, no Rio de Janeiro, o movimento justifica-se principalmente por:

1. O estado não deve empurrar para as vitimas a responsabilidade por sua incompetência de prover a segurança. O estupro não é culpa da “mini-saia”.

2. Toda mulher (toda pessoa) tem o direito de se vestir como bem quiser sem ser agredida e sem ser rotulada.

3. Até mesmo as ditas “vadias de verdade” são seres humanos e possuem os mesmo direitos que os demais. Atacar uma prostituta é tão criminoso quanto atacar uma freira.

4. Chega de interferência de grupos religiosos na criação e na aplicação das leis. O estado é laico e as leis não podem ser baseadas na crença de alguns. Por exemplo, se sua religião condena o aborto, não aborte (!), mas não queira impor isso aos outros.

Mas, eu perguntaria: como tudo isso teve início, ou seja, a criação dessa nova onda, que são as Marchas das Vadias, que, entranhadas no universo sem fronteiras – a internet –, igualmente ultrapassam as fronteiras territoriais?


Aconteceu assim...

“Uma a cada três mulheres enfrentará, de alguma forma, a violência ao longo de sua vida...”.

Nicole Kidman
Atriz australiana, nascida nos Estados Unidos, que protagonizou a campanha de combate a violência contra a mulher promovida pela ONU em 2008.


Em janeiro de 2011, a Universidade de Toronto, no Canadá, foi palco de inúmeros casos de abuso sexual cometidos contra mulheres. À época, durante uma palestra sobre segurança na Escola de Direito Osgode Hall, em Toronto, o policial Michael Sanguinetti evitou os rodeios e, numa observação infeliz, sem a menos das diplomacias, foi logo dizendo que se as mulheres evitassem vestir-se como vadias não se tornariam vítimas de ataques sexuais. Não deu outra! A sua fala caiu literalmente na rede e, de twitter em twitter, bem como ganhando repercussão em demais ferramentas da internet, Sanguinetti não somente retratou-se pelo que disse como também foi advertido pela polícia de Toronto. Isso sem falar que, por causa do episódio e dos seus desdobramentos, foi criado um movimento – inicialmente apenas em Toronto, mas que, velozmente, passou a conquistar adeptos no mundo inteiro – para reivindicar o direito de ser da mulher, daí originando as Marchas das Vadias que, desde então, têm eclodido nos 4 cantos do planeta. Tanto que, ao acessar o site do movimento, a primeira coisa com a qual o internauta logo se depara é com a mensagem: “Estar no comando de nossa vida sexual não significa que estamos nos abrindo para uma expectativa de violência, independentemente se fazemos sexo por prazer ou por trabalho...”. Enfim! Passado pouco mais de um ano da primeira Slut Walk, que foi traduzida livremente para o português como Marcha das Vadias, manifestação pública de indignação e de repúdio ao contrassenso do policial, o movimento tem, cada vez mais, ganhado não somente corpo e respeito – e haja peito para enfrentar o machismo reinante – mundo afora, mas, também, maior visibilidade na mídia. E haja estrógeno, progesterona... Sei não, mas, de repente, as mulheres bem que poderiam eleger um lema para o movimento. A minha sugestão? Bom! Parafraseando o filósofo e economista alemão Karl Marx (1818 - 1833), eu sugeriria...


Vadias do mundo inteiro: uni-vos!

“Estupro é um dos crimes mais terríveis da Terra...”.

Kurt Cobain (1967 - 1994)
Compositor, cantor e instrumentista norte-americano


No dia 3 de abril de 2011, em Toronto, no Canadá, acontecia a pioneira Slut Walk, ou Marcha das Vadias – manifestação pública de protesto contra a cultura machista de que, na verdade, é a mulher quem instiga o homem a estuprá-la. Quanto disparate! E isso por certas posturas (quais?) assumidas pela mulher, por suas vestes (quais?) intencionalmente insinuantes, por seus supostos apelos eróticos (quais?) ou não importa quantos mais pseudoargumentos criados sabe-se lá por quais mentes ensandecidas para tentar justificar quiçá a atitude mais covarde de um ser que se diz humano e do gênero masculino. No Brasil, por sua vez, onde, por ano, cerca de 15 mil mulheres são estupradas, a primeira das Marchas das Vadias ocorreu em São Paulo no dia 4 de junho de 2011, organizada pela publicitária curitibana Madô Lopez, que, ousadamente, anunciou o inusitado evento com a criação de uma página no Facebook. Só que, para espantosa surpresa da publicitária, o anúncio de cara recebeu a confirmação de presença no evento de mais de 6.000 pessoas. Para a antropóloga brasileira Julia Zamboni, não importa se diga “sim” ou “não” ao homem, a mulher é, culturalmente, chamada de vadia. Indignada, contudo, com uma cultura historicamente machista, tal qual as mulheres de Toronto, a antropóloga soltou o verbo: — A gente é vadia porque a gente é livre.


Enquanto isso, em Jerusalém...

“Devemos nos esconder para fazer amor enquanto a violência é praticada em plena luz do dia...”.

John Lennon (1940 - 1980)
Compositor, músico, escritor e pacifista britânico


Na última sexta-feira, 4, Jerusalém, capital de Israel, também conhecida, em hebraico, por Cidade da Paz e, em Árabe, A Sagrada, entrou, por assim dizer, para a História. Só que, desta vez, por realizar a sua primeira Marcha das Vadias, embora, apesar da alta temperatura climática e pela proposta do movimento, a maioria das manifestantes compareceu ao evento vestindo roupas consideradas sóbrias – o que, de repente, é até compreensível, já que não se muda uma cultura secular da noite para o dia. Tanto que as mulheres que não hesitaram em ousar um pouco mais, como, por exemplo, usar menos panos, foram vítimas de repressão policial por desrespeitarem o status de Jerusalém – qual, mesmo, seria esse status? Bom! As israelenses, por sua vez, com ou sem decotes – uma das manifestantes usava apenas um adesivo cobrindo os seios –, pegaram a deixa e igualmente exigiram mais respeito para elas, bem como, independentemente da extremada ortodoxia judaica reinante, sustentada por sólidos pilares patriarcais, reivindicaram por mais justiça social e liberdades individuais. Isso sem falar que um dos slogans adotados pelas mulheres israelenses foi:


— “Não!” significa “não!”. Que parte do “não” você não entendeu?

“A agressão é o último refúgio do incompetente...”.

Isaac Asimov (1920 - 1992)
Bioquímico e escritor norte-americano nascido na Rússia


De volta ao Brasil, poderíamos dizer que na abertura do site Marcha das Vadias do Distrito Federal, cujo próximo evento já está marcado para o dia 26 de maio – não falta muito –, uma frase de poucas palavras resume a grandeza do movimento, ou seja: “O direito a uma vida livre da violência é um dos direitos mais básicos de toda mulher. E é pela garantia desse direito fundamental que marchamos hoje e marcharemos até que todas sejamos livres” – reflexão essa que se coaduna com os dizeres do preâmbulo da carta manifesto específico ao Distrito Federal, que diz:

“Em Brasília, marchamos porque apenas nos primeiros cinco meses desse ano [2011], foram 283 casos registrados de mulheres estupradas, uma média de duas mulheres estupradas por dia, e sabemos que ainda há várias mulheres e meninas abusadas cujos casos desconhecemos; marchamos porque muitas de nós dependemos do precário sistema de transporte público do Distrito Federal, que nos obriga a andar longas distâncias sem qualquer segurança ou iluminação para proteger as várias mulheres que são violentadas ao longo desses caminhos”.

Enfim! Todas as cidades onde são realizadas as Marchas das Vadias elaboram o seu próprio preâmbulo à carta manifesto do movimento, já que, cada uma, possui as suas próprias especificidades em relação à situação invariavelmente dramática da mulher frente à covardia da maioria dos homens que, troglodita no quesito caráter, recorre à violência, não importa a sua natureza, para tentar reduzir exemplares e mais exemplares do sexo feminino a uma categoria que não chegaria a ser nem de segunda, mas de quinta! Porém, num aspecto elas não se diferenciam: em todos os casos, elas são sempre as vítimas – uma realidade que, definitivamente, tem de mudar. Afinal, esse é o ideal de todas nós mulheres. Ah! Diga-se de passagem, vadias por excelência.


Revirado o baú...

“A vida é curta; longa é a paixão...”.

Luis Fernando Veríssimo
Escritor, cartunista e tradutor brasileiro


No dia 21 de março de 1992, escrevi o poema abaixo, isento de título, que, aliás, consta de uma coletânea inédita que, em breve, pretendo publicar. No então, diante das circunstâncias, pensei em homenagear todas as vadias do mundo e adiantar a sua divulgação transcrevendo-o nesta postagem. Et voilà!


Hoje não quero ver a cara do sol:
quero ser safada!
O dia que não me espere:
sou herege.
Na lua nascente,
levantarei sem pudor,
já que, atada ao pecado,
nada tenho de santa,
mas de vocação profana...

Nathalie


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