quarta-feira, 9 de maio de 2012

EDGAR MORIN: O BOM HUMOR E O AMOR PELA VIDA

 Foto: Divulgação


“Precisamos fazer a crítica das utopias de um mundo perfeito, mas também a crítica do fatalismo realista. É necessário abandonar a ideia do melhor dos mundos e partir para a busca de um mundo melhor...”.

E. M.






Contra utopias e fatalismo, Edgar Morin quer renovar a esperança*

Por Igor Natusch
Jornalista brasileiro


Os anos não foram capazes de tirar a esperança de Edgar Morin. O sociólogo, filósofo e antropólogo francês, do alto de suas nove décadas de vida, veio a Porto Alegre nesta segunda-feira (8), dentro do ciclo de palestras Fronteiras do Pensamento, para falar da crise financeira que aponta para uma sociedade cada vez mais inviável – mas também para propor a melhora da sociedade não apenas como conceito, mas como um objetivo pelo qual vale a pena lutar.

O conferencista abordou, durante a palestra, boa parte dos temas tratados em seu livro La vole – pour l’avenir de la humanité (O caminho para o futuro da humanidade, em tradução livre). Em sua fala, Edgar Morin discutiu alternativas para combater a atual crise global – que vai além das incertezas financeiras e toma conta de todos os aspectos da sociedade, podendo gerar uma verdadeira catástrofe do ponto de vista humano. Na ocasião, foi exibida também uma entrevista do sociólogo polonês Zygmunt Bauman. Originalmente confirmado no Fronteiras, Bauman teve que cancelar a viagem por problemas familiares.

Esperava-se, na coletiva de imprensa anterior à conferência, que Edgar Morin respondesse as perguntas em francês, com o auxílio de uma intérprete. Mas, tão logo começou a falar, o pensador francês pegou de surpresa os jornalistas presentes. “Vou tentar responder assim, um pouco em português, um pouco em espanhol”, disse ele, de forma perfeitamente compreensível. Mais um sinal de que, aos 90 anos, a mente de Edgar Morin segue ativa e capaz de surpreender.

O atual processo que toma conta do mundo acaba gerando ambivalências, como explica Edgar Morin. “Temos aspectos positivos, como o intercâmbio de culturas e um processo de trocas cada vez mais intenso”, diz. “Mas há aspectos muito negativos, como o fim das solidariedades e o aumento da corrupção e da miséria. Hoje, vivenciamos uma série de catástrofes combinadas, que unem o destino de todos os seres humanos frente a um perigo comum”.

De acordo com o pensador francês, pode ser “muito difícil” mudar o caminho da nossa sociedade global, mas é imperativo perguntar como isso pode ser feito, ao invés de se deixar levar pelo conformismo. Para ele, a crise financeira mundial coloca a humanidade diante de um dilema que envolve seu próprio destino. “As opções são desintegração, regressão e metamorfose”, enumera o pensador francês. “Cabe a nós escolher qual delas desejamos seguir”.

Nesse sentido, Edgar Morin não acredita que os partidos políticos atuais estejam em condições de propor uma via capaz de ultrapassar esse momento de crise. A globalização econômica não foi acompanhada por uma globalização política, segundo ele. O que não significa que o atual modelo de política deva ser extinto. “É momento de reconstituir as bases de nosso sistema político”, afirma. Para ele, as estruturas devem ser mantidas, mas os conceitos por trás dos partidos precisam ser regenerados. Bandeiras como liberalismo, socialismo e comunismo podem estar esvaziadas, mas ainda dizem respeito a questões centrais do desenvolvimento humano. “Temos que resgatar esses conceitos e, a partir deles, construir um novo caminho”.

 
É preciso criticar as utopias, mas também o realismo

Questionado sobre o papel das utopias no mundo atual, Edgar Morin procura fazer uma distinção entre as “utopias más” e aquelas que são, de certo modo, realizáveis – e que, portanto, ainda têm espaço em nosso mundo. “É impossível resolver todos os problemas”, diz. “Ao tentarem impor a utopia da harmonia geral, os regimes socialistas criam a pior ditadura possível. Mas o realismo pode ser ainda pior do que a utopia, porque parte do princípio de que as coisas não podem mudar”.

O sociólogo francês acredita que, mais do que utopias, é necessário reconstruir a esperança de melhorar a sociedade. “Precisamos fazer a crítica das utopias de um mundo perfeito, mas também precisamos fazer a crítica do fatalismo realista. Penso que é necessário abandonar a ideia do melhor dos mundos e partir para a busca de um mundo melhor”.

Uma utopia que Edgar Morin considera alcançável, mesmo que os sete bilhões de habitantes da Terra pareçam, à primeira vista, um número difícil de encarar. “O organismo humano tem mais de 12 bilhões de células e funciona muito bem”, compara, rindo. Segundo ele, a quantidade de pessoas no mundo não é um empecilho para a construção de uma sociedade global. “Não se trata de buscar um Estado para governar o mundo todo, e sim de tornar possível uma sociedade mundial que respeite as particularidades regionais, mas com uma consciência de terra-pátria”, afirma Morin.

Construção que passa necessariamente pelo estabelecimento de modos mais igualitários de estrutura social. Edgar Morin exemplifica com o Conjunto Palmeira, favela de Fortaleza com 30 mil habitantes que criou uma moeda própria em 1998, e com a cidade alemã de Freiburg, que adotou um sistema de transporte sustentável, com incentivo a bicicletas e bondes elétricos, além do uso da luz solar como principal fonte de energia. “São esses modelos de igualdade que temos que buscar”, acentua, dizendo que estimular a troca e o espírito comunitário deve ser o norte de sociedades mais voltadas ao bem estar dos cidadãos.

 
“Não posso abrir mão da curiosidade”, diz Morin

Aos 90 anos, Edgar Morin segue publicando livros e fazendo palestras ao redor do mundo. Ainda que muitos possam se surpreender com o ritmo intenso, o pensador diz que não se deve entender a idade como uma mera questão quantitativa. “Não perdi a inspiração, o que perdi foi minha ilusão”, admite Edgar Morin. “Mas continuo motivado do mesmo modo. Não posso abrir mão da curiosidade, da vontade de corrigir o que está errado no mundo. Procuro manter o senso de humor, o bom humor e o amor pela vida”.

*Transcrito no dia 11 de agosto de 2011 do blog do Centro de Estudos Ambientais.

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