quarta-feira, 30 de maio de 2012

NEM SEMPRE A PRIMEIRA ILUSÃO DO HOMEM COMEÇA NA CHUPETA*

*Alusão a uma frase de para-choque de caminhão.


“Criar a lógica da mesmice e alimentá-la a cada novo produto faz parte da engrenagem da indústria cultural. Nesse contexto, a arte serve apenas para adestrar o gosto e o consumo, reforçando o lucro dos dominadores, mantendo, no fosso da ignorância, um conjunto amorfo e indiferente de homens eufóricos por consumir e trabalhar para acumular dinheiro para, de novo, consumir, desprovidos do fomento à faculdade crítica. Inferimos que o enfraquecimento da consciência crítica e da razão emancipadora transformou o indivíduo em mero repetidor, ventríloquo da indústria que está sempre pronta a produzir novos objetos de semicultura para o consumo instantâneo...”.

Arquilau Moreira Romão
Filósofo e consultor em educação brasileiro, definindo o seu conceito de que livros de autoajuda são “produtos semiculturais”.


Folheando na internet – óbvio que virtualmente – um jornal diário de Natal, no Rio Grande do Norte, deparei-me com uma pérola de crônica de autoria do escritor norte-rio-grandense François Silvestre e, de certa forma, a mesma não somente fez-me pensar como também instigou a minha sempre tão vigilante criatividade – ou seria ambulante, tal qual a metamorfose do compositor e cantor brasileiro Raul Seixas (1945 - 1989)? Enfim! Sem muitos rodeios, pois não sou nada simpática a qualquer tipo de maus tratos dispensados a animais, incluindo esses eventos, que só despertam um comportamento irascível dos mamíferos – incluso os peões –, estimulando a violência, transcrevo, abaixo, a referida crônica, publicada no último domingo (27), no Novo Jornal, bem como um espontâneo comentário a respeito, que enviei por e-mail ao autor, dando uma volta no tempo...

 


Crônica de autoajuda

François Silvestre
Escritor brasileiro


Sempre tratei com distância fria a literatura de autoajuda. Nunca li qualquer livro desses. Portanto, se essa crônica não obedecer ao figurino da espécie deve-se ao desconhecimento do gênero. Trato a autoajuda, na literatura, do mesmo modo que lido com a obra de Paulo Coelho. Respeito, mas nunca li. Talvez até seja por inveja, pois não sou lido nem até Guarabira. Enquanto Paulo Coelho e a autoajuda singram por todas as línguas.

De línguas, só entendo das de Martins que falam da vida alheia. Inclusive da minha. Vez ou outra desconto e disfarçadamente pergunto a um passante sobre a desventura de algum desafeto. Tudo muito sutil e disfarçadamente, que também sou cretino e ninguém é de ferro. Sou conhecido em várias cidades do mundo. Todas elas no Rio Grande do Norte.

Nunca diga o que pensa na frente de quem só pensa no que diz. Se já falou muito, na mocidade, continue falando na velhice para não humilhar sua juventude. É melhor confessar a ignorância do que passar o ridículo de falsa sabedoria. Não saber é muito mais sábio do que saber falsamente. Não confesse seu medo, mesmo se borrando de pavor. O inimigo não merece esse gosto.

Não aceite provocação nem passe recibo a desaforos. Mate de raiva o provocador. Mas não deixe sem resposta a agressão direta. Coice por coice. Venha de onde vier. Quanto maior o inimigo mais justificada a luta. Desconfie da humildade ostensiva e decantada. Ela vem sob o manto da hipocrisia. Essa história de se dobrar só é nobre no palco, quando o artista aplaude a plateia. Trate com igualdade os naturalmente humildes e com arrogância os pretensos poderosos. Um pouquinho de orgulho nas fuças do poder faz bem à alma. Ignore a presença do desafeto, mas não abaixe a cabeça. Tem gente que não presta nem pra ser inimigo.

Nunca se desculpe do que fez ou disse em defesa da sua honra. Mesmo que lhe custe o sossego. O moralista é neurótico, mas não é honesto.

A morte não é o terror das coisas. É a única consequência obrigatória da vida; só questão de tempo. Não adianta adiá-la sujando o resto da vida com a execração. Não negue que gosta de elogios. Todo mundo gosta; quem diz que não, está mentindo. Gente é igual a cachorro e menino, gosta de afago. Vote em quem quiser, mas não acredite no seu candidato. Assim evita arrependimento. Não aceite ser colunista de jornal, aos Domingos. Sua coluna não é lida nas clínicas. Ouça até o fim o que alguém esteja dizendo; até uma piada, mesmo que você já saiba do que se trata. É uma hipocrisia santa.

Evite comentar em blogs. Sempre aparece alguém mais “sabido” do que você. Não vá ao cinema ou ao teatro, se estiver com tosse. Nunca leia crônica de autoajuda. Té mais.





Caro François, bom dia!

Há pouco li a sua Crônica de autoajuda publicada no último domingo (27) no Novo Jornal. Achei interessante, curioso, pensando até em comentar no seu próprio blog, mas, como o autor pede que o leitor evite comentar sobre a referida crônica, achei que poderia tomar a liberdade de lhe escrever um e-mail...

Bom! Eu, particularmente, em toda a minha vida – pelo menos até hoje –, li apenas um livro dito de autoajuda, ou seja, A Carícia essencial - Uma psicologia do afeto, do médico psiquiatra brasileiro Roberto Shinyashiki, lançado em 1985. Não obstante, quando o li, não sabia da sua classificação como tal, mesmo porque, à época, em 1990, esse termo autoajuda não andava tão em voga e o livro havia sido uma sugestão do meu homeopata, uma pessoa que muito respeito e admiro. Isso sem falar que, se ele me sugeriu a leitura do mencionado livro, devia ter lá os seus motivos, embora, até hoje, não o classifico, de repente, nesses termos, ou seja, um livro de autoajuda. Falando nisso, o livro é deveras muito interessante, instigante, de agradável degustação. Confesso, inclusive, que, em nenhum momento, senti-me intelectualmente agredida por tê-lo lido (rs)...

Agora, no que diz respeito ao escritor brasileiro Paulo Coelho, a história muda de figura: como você, respeito, mas mantenho uma "distância fria". Porém, creio que, nos idos de 1994/95, de passagem pelo Rio Grande do Norte, recarregando as minhas energias após passar dois invernos consecutivos em Paris, onde, à época, eu morava e estudava, não sei como o fato deu-se, mas é certo que um exemplar do livro O Diário de um mago, de Paulo Coelho, lançado em 1987, caiu em mãos quando fui passar uns dias em Baía Formosa, onde a minha família tem uma casa, e o li, como se diz, de uma sentada só, embora não literalmente, já q o fiz deitada numa rede na varanda defronte ao mar. Detalhe: num determinado momento, quiçá por seu teor, que em nada me seduz, eu cheguei inclusive a pensar em interromper a leitura, fechar o livro e esquecer que, um dia, aquilo havia atraído a minha curiosidade. Porém, embora eu quisesse fazer isso, um fato impediu-me de concretizar tal desejo. Afinal, apesar do meu desinteresse pelo tema em questão e do desânimo em relação à leitura, estava estarrecida com a quantidade exorbitante - melhor dizendo, escandalosa - de, como se diz, erros de português contidos na redação do autor. Tanto que, tão logo percebi a heresia contra a nossa tão incrivelmente maravilhosa e poética língua portuguesa, que, aliás, dependendo de quem se trata, pode ser decantada exalando o mais puro dos lirismos, não hesitei em catar um lápis grafite e, tentando o meu melhor, empenhei-me, o máximo possível, em fazer as devidas correções que a edição ao meu dispor carecia. Resultado: ao final da indigesta leitura, o referido exemplar estava, por assim dizer, visivelmente trucidado, mais parecendo – sei lá! - um mapa de linhas mal traçadas, um novelo de lã desalinhado ou qualquer coisa do gênero, do que o objeto que costumamos chamar de livro, que, já dizia o escritor irlandês Oscar Wilder (1854 - 1900): “O que há são livros bem escritos ou mal escritos”.

A minha conclusão, quando da leitura que fiz de O Diário de um mago (depois fiquei sabendo que o dito cujo abriu o mercado editorial internacional para o autor, que, já no ano seguinte, ou seja, em 1988, lançou O Alquimista, deslanchando, a partir daí, a sua carreira de escritor)? A de que, pelo menos até O Diário de um mago – a minha sempre tão impecável memória não registra que eu tenha lido O Alquimista –, Paulo Coelho não dispunha de um revisor para os seus mal elaborados escritos. De repente – não posso afirmar com certeza –, com a fama súbita, tornando-se um best-seller mundial, a editora responsável pela publicação dos seus livros deve ter passado a ser mais cuidadosa no revisar dos originais do autor. Desde então, ou seja, depois desse episódio, só voltei a ouvir falar de Paulo Coelho quando, em 1996, passando por uma das ruas de Paris, chocou-me os letreiros de um teatro da cidade, anunciando que estava em cartaz a peça O Alquimista... À ocasião, eu estava acompanhada de uma amiga brasileira e, de imediato, por mero instinto, pedi que falássemos em francês – não queria que um transeunte qualquer identificasse, pela língua falada, o ponto em comum que tínhamos com o autor do livro que havia sido adaptado para o teatro, ou seja, a nacionalidade. Sinceramente, se, em português, já não dá para engolir Paulo Coelho, o que dirá em francês! Depois disso, contudo, só fui pensar no escritor quando, em 2003, entrevistei a escritora brasileira Lygia Fagundes Telles – e hoje, óbvio, após a leitura da sua crônica.

Enfim! Durante a entrevista, eu aproveitei para perguntar à imortal da Academia Brasileira de Letras - ABL qual a sua opinião sobre o fato de Paulo Coelho, o fenômeno editorial da época, ter sido eleito, em 2002, mesmo que por uma pequena margem de votos – apenas dois – para assumir uma cadeira na considerada renomada instituição, vencendo, à ocasião, o escritor, sociólogo e cientista político brasileiro Hélio Jaguaribe – eleito apenas em 2005 –, que também concorria, digamos assim, ao pleito acadêmico. Discreta, uma das suas características, apesar de legítima ariana, Lygia limitou-se a dizer que o seu voto havia tornado-se público. Ela votara no Hélio: — Quando eleito, o Paulo me ligou e eu o cumprimentei. Não podemos esquecer que ele é um escritor, um ficcionista, e que a academia é de letras.

Sem mais comentários...

Nathalie Bernardo da Câmara


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