sábado, 5 de maio de 2012

UMA COISA LEVA À OUTRA...


Correndo a coxia
“A mentira é como uma bola de neve: quanto mais rola mais aumenta...”.

Martinho Lutero (1483 - 1546)
Teólogo alemão


Ao escrever a postagem anterior, O que Deus uniu..., publicada nesta sexta-feira, 04 (http://abagagemdonavegante.blogspot.com.br/2012/05/o-que-deus-uniu.html), de imediato reportei-me a uma outra, igualmente de minha autoria, publicada no dia 28 de julho de 2009, intitulada A lula e o povo, tirada, literalmente, do baú. Tudo indicando ser uma historieta – classificação que eu mesma estou dando –, a referida postagem conta as aventuras de dois moluscos que, aliás, pouco se diferenciam um do outro, embora, vale salientar, qualquer semelhança com a vida dita real não passa de mera coincidência, ainda mais quando já se passaram quase três anos da sua publicação e a autora ter se inspirado na conjunta política da época – afinal, o atual contexto é outro, não? Quer dizer... Enfim! Gostaria, contudo, de salientar que, por questões quiçá de método ou qualquer outra que o valha, aproveitei o ensejo para fazer uma espécie de faxina no texto, suprimindo, no caso, as ilustrações originais, apesar da primeira, que abre a historieta, tenha sido escolhida a dedo, sobretudo porque, apesar de criada e publicada em 2010, no ano seguinte à divulgação da minha postagem, trata do mesmo tema, além, entre outras qualidades, de ser pertinente e por demais criativa, assinada, inclusive, pelo sempre tão brilhante chargista e cartunista brasileiro Sponholz. Vamos, então, à brincadeira?


A lula e o povo*

“Alguns juízes são absolutamente incorruptíveis. Ninguém consegue induzi-los a fazer justiça...”.

Bertolt Brecht (1898 - 1956)
Autor dramático alemão


Era uma vez dois amigos, a Lula e o Polvo. Moluscos cefalópodes, providos de tentáculos, os dois habitavam as profundezas do mar e eram unha e carne – a carne de ambos, aliás, era muito apreciada pelos humanos, que a utilizava no feitio de diversas iguarias, com a diferença de que a carne da Lula era mais macia que a do Polvo, considerado borrachento e duro. Em função disso, os humanos criaram uma receita, a do Polvo surrado, sendo a espécie literalmente surrada em uma pedra, a fim de esticar a sua carne, o que a tornava macia, igual à do amigo.

Sendo os humanos, portanto, os seus maiores inimigos, e cansados de tanta opressão, além do receio de entrarem para a lista das espécies em extinção, a Lula e o Polvo decidiram unir os seus dezoito tentáculos – a Lula tinha dez e o Polvo oito – para enfrentá-los. O tempo passou e, após inúmeras reuniões, que não levavam a nada, os idealistas moluscos decidiram criar o Partido dos Tentáculos, elegendo como símbolo uma estrela-do-mar. No entanto, como era de se esperar, o PT, como os dois companheiros chamavam a organização partidária que criaram, saiu derrotado: uma, duas vezes...

Abatidos, embora não resignados, a Lula e o Polvo resolveram, então, investir em um projeto político eficiente para combaterem os humanos e, finalmente, vencê-los. Assim, já mais amadurecidos, apesar dos embates anteriores não terem alcançado os objetivos almejados, os dois companheiros reviram tática e estratégia, passando a fazer acordos que julgavam oportunos para realizarem o seu sonho, e, em assembleia realizada em uma caverna localizada no fundo do mar, os moluscos capricharam na retórica e, para a surpresa de ambos, obtiveram a adesão da maioria da população marítima.

Estava formada a Frente Marítima de Libertação - FML, cujos cargos mais importantes passariam a ser ocupados pelos nomes mais expressivos do mar: a Lula e o Polvo, as cabeças do movimento, com direitos e deveres iguais; Netuno, por ser a divindade que preside o mar; Medusa, por suas células urticantes; raia, por seus ferrões peçonhentos, dotados de farpas recurvadas em sua cauda longa; peixe-trombeta, o porta-voz, e o tubarão-martelo, coordenador do cardume de peixes-espada, bem como alguns cavalos-marinhos, que transportariam a tropa em terra-firme, domínio dos humanos.

Além disso, a pedido do peixe-diabo, conselheiro espiritual da FML, o peixe-de-briga, que veio de longe, já que habitava exclusivamente os aquários, também foi incluído nas fileiras da FML. Dispostos, portanto, a vencerem qualquer batalha, a Lula e o Polvo só necessitavam, agora, de uma coalizão de faunas as mais diversas – uma garantia, diziam, para que, enfim, pudessem vencer os humanos, buscando, assim, apoio além-mar. Foi aí, então, que, sem medo de serem devorados, os dois companheiros partiram.

Decididos a começarem pelos rios, eles foram recebidos efusivamente pelas piranhas, carnívoras e extremamente vorazes, que não hesitaram em aceitar o inusitado convite. Em seguida, os moluscos visitaram dois dos répteis mais temidos de todas as águas: o jacaré e a sucuri, que adorava triturar os ossos das vítimas antes de engoli-las. Achando pouco, a Lula e o Polvo pediram ajuda ao peixe-voador e foram à Mata Atlântica, onde fizeram um acerto com a carnívora jaguatirica e, já na saída da mata, meramente por acaso, eles encontraram um negrinho de uma só perna, de cachimbo e barrete vermelho.

 


Era o Saci, que, sabedor das intenções dos visitantes, já foi logo oferecendo os seus préstimos, os levando ao encontro do Boitatá, que, pagão, era um iluminado; da Mula-Sem-Cabeça, que, mesmo sem miolos, sabia do seu poder de atemorizar os supersticiosos; do Curupira, um agourento, e, por fim, da Cuca, cujas maldades os moluscos já conheciam. No entanto, ainda na mata, por sugestão do Saci, a Lula e o Polvo consultaram uma velha pajé, a quem pediram para que trouxesse o espírito dos seus ancestrais canibais. Pedido realizado, os dois companheiros, antes de voltarem para casa, só tinham mais duas coisas a fazer.

Ainda por sugestão do Saci – endiabrado que só ele –, a Lula e o Polvo deram uma passada rápida no pântano enganoso e contrataram o urubu para ser o relações públicas da FML, já que as finanças do movimento seriam controladas pela ave de rapina, outra sugestão – de quem poderia ser? – do Saci. Curiosamente, ao voltarem da sua missão, a Lula e o Polvo decidiram ousar ainda mais. De um celular, ligaram para o galo de rinha, que, apesar de ser uma ave muito ocupada, aceitou ser o marqueteiro da campanha da FML.

Animados, então, com tanto calor animal, mas, sobretudo, com os apoios recebidos, os dois companheiros chegaram, saltitantes, na sede do PT, ávidos para contarem a novidade... Afinal, tudo estava pronto. Não faltava mais ninguém, mais nada. A não ser vencer a batalha. E não é que a FML venceu! Após meses de uma férrea campanha, praticamente um massacre, a Lula e o Polvo finalmente conseguiram derrotar os humanos, com os poucos sobreviventes batendo em retirada, logo pegando carona com um bando de aves de arribação, que passavam no momento da derrocada.

Em sua fuga, contudo, inconformados com a derrota nas urnas, os humanos decidiram pedir asilo político ao território das almas penadas, localizado em um planalto a perder de vista, onde, sem opção, eles amargaram a ressaca das eleições, literalmente uma investida fragorosa das vagas do mar – sem contar as dos aliados – contra os seus domínios terrestres. Não obstante, enquanto a Lula e o Polvo ainda desfrutavam do gostinho da vitória e dos privilégios que, supostamente, o poder confere, os humanos aproveitaram o remanso para tecer um plano, a fim de derrubarem o molusquianismo, a corrente de pensamento do novo governo.

Tempos depois, após certo período de aparente estabilidade do novo e promissor governo, já que a Lula e o Polvo não se sentiam mais ameaçados, passando, inclusive, a brincar na praia, eis que a notícia de um furacão iminente causou polvorosa em todos, já que, nos seus planos de desestabilizar o governo, os humanos passaram a fazer acordos escusos com diversos integrantes da FML. Tanto que, não demorou muito, uma denúncia, feita pelo urubu contra o bagre, peixe-graúdo do governo, desencadeou uma série de escândalos envolvendo os molusquianistas.

Acusando os barbilhões do bagre de serem um empecilho para os negócios da FML, já que o peixe estava aceitando todo tipo de sustento, sem nenhuma garantia de quem lhe provia, o urubu foi implacável nas suas denúncias. A Lula e o Polvo, incrédulos, passaram a se desentender, um acusando o outro de prevaricação e outros tantos palavrões, que, até então, nunca tinham sido ouvidos no fundo do mar. Era tentáculo pra lá, tentáculo pra cá... A crise ficou tão séria que a Lula e o Polvo romperam um com o outro, desfazendo uma relação de décadas, e, em seguida, o PT rachou...

Curiosamente, achando-se mais esperta do que o Polvo, a Lula recorreu ao seu mimetismo habitual e mudou de cor. Sumiu. Mas, pouco tempo depois, ressurgiu no cenário político. Desta vez, com outros aliados, com os quais ela fundou o PLua, simbolizado por uma imagem do santo de pau oco. O Polvo, por sua vez, nada entendeu. Pelo menos, não inicialmente. Assim, quando descobriu que era o seu ex-companheiro de lutas o presidente do novo partido, devido às declarações que ele concedia à imprensa, alegando inocência e se eximindo das suas responsabilidades perante os escândalos, o Polvo decidiu vingar-se.

Afinal, embora parecesse esquecer, a Lula tinha, sim, sido um dos fundadores não somente do PT, mas, também, da FML, e estava metido até as ventosas nos escândalos envolvendo um e outro. Recolhendo-se, portanto, às profundezas do mar, o Polvo pensou em organizar uma manifestação de protesto diante da sede do PLua, no intuito de que todos clamassem por justiça. Porém, o difícil era conseguir arrebanhar adeptos para o evento, já que a FML tinha perdido a credibilidade.

No entanto, embora borrachento, o Polvo não era burro e resolveu elaborar um plano, a fim de convencer as espécies que ainda se acreditavam honestas para acompanhá-lo na manifestação. Foi aí, então, que, no dia do grande acontecimento, a Lula desconfiou do que se tratava e tentou fugir. De tocaia, na vasta esplanada que se estendia diante da sede do PLua, o polvo saiu no encalço do seu ex-companheiro de partido, de lutas e de vida, e, sem que ela menos esperasse, fez uso da sua bolsa tintória, atingindo de chofre os seus olhos e lhe turvando a visão, o que dificultou a sua fuga.

Em seguida, num apelo emocionado, o Polvo sensibilizou a multidão e logo o decápode já estava imobilizado. Ressentido, o Polvo disse que, apesar de octópode, com dois tentáculos a menos do que a Lula, ele era, contudo, mais ágil e honesto, além de corajoso, já que, quando dos escândalos, não fugiu às suas responsabilidades. Pelo contrário! Expulsou do PT os culpados pela crise política, como a ave de rapina e o bagre, além de exigir a saída de integrantes da FML, que também haviam ferido os princípios éticos do molusquianismo.

Além disso, desfez os acordos feitos anteriormente com os aliados. Entre eles, o urubu, o Saci e os seus demais associados. Os ancestrais canibais da velha pajé, por sua vez, bem como o galo de rinha, há muito já não conviviam com eles, pois perderam a sua função junto com o resultado das eleições. Assim, agora, só restava à Lula reconhecer os seus erros e omissão, pedindo perdão àqueles que acreditaram no PT e na FML. Caso contrário, a multidão iria afogá-lo na lama, que, de tão vermelha, lembrava o maldito barrete do Saci, que só lhes armou ciladas...


*O tempo passou e, não deixando por menos, o chargista e cartunista Sponholz atualizou, podemos dizer que sim, a charge inicial...



Enfim! O Brasil continua atado, ou melhor – ou não seria pior? –, acorrentado as amarras de um passado, digamos, não tão longínquo assim.


Vamos, então, libertá-lo...

Nathalie Bernardo da Câmara

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