quinta-feira, 26 de julho de 2012

DOENÇA DO SONO: PESADELO REAL

“A doença do sono é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma das 17 doenças negligenciadas por não despertar interesse econômico na indústria farmacêutica e de insumos médicos, pois atinge populações marginalizadas e pobres. Médicos Sem Fronteiras é uma das poucas organizações no mundo que atuam diretamente com pacientes acometidos pela doença do sono, ampliando o acesso ao diagnóstico e ao tratamento com o objetivo de evitar mortes, mas também desenvolver ações de prevenção e sensibilização, que têm como meta diminuir o número de novos casos...”.

Lúcia Brum
Médica brasileira especializada em medicina tropical e consultora em doenças emergentes de Médicos Sem Fronteiras, em documento incluso em farto material de esclarecimento acerca do projeto Doença do sono – Urgente! enviado pela organização médico-humanitária internacional ao público doador, bem como aos que se sensibilizam e apoiam as suas ações no Brasil e no mundo.


Uma mosquinha de nada, medindo até 1 cm, de nome tsé-tsé, hospedeira de um parasita terceiro-mundista, é capaz, através da saliva – basta uma simples picada –, de infectar uma pessoa e deixá-la doente, podendo, ainda, levá-la ao coma e, para completar o serviço, à morte: “Parece um absurdo, nos dias atuais, mas, infelizmente, este é o destino, todos os anos, de aproximadamente 48 mil pessoas que vivem em zonas rurais de extrema pobreza na África subsaariana”, diz a médica Lúcia Brum. Segundo ela, “as mortes ocorrem pela falta de acesso ao diagnóstico e ao tratamento para a doença do sono, que é causada pela Trypanosoma brucei spp., sendo também conhecida como tripanossomíase [humana] africana (THA)”. Ou seja, a mosca pica uma pessoa e introduz na sua corrente sanguínea o protozoário flagelado, que se reproduz e alcança o sistema linfático, logo se instalando no sistema nervoso. O processo de disseminação do parasita no organismo humano, que pode ser fatal, tem o ciclo continuado quando outras moscas não contaminadas picam a pessoa infectada e se alimentam do seu sangue. Multiplicando-se no corpo do inseto, o parasita instala-se nas suas glândulas salivares. Desse modo, sempre que o inseto sente fome e pica outras pessoas, o hóspede, que não é bem-vindo, volta a ser transmitido. E por aí vai...

O fato é que, caso não seja diagnosticada e tratada a tempo, a doença do sono pode ser fatal. De acordo, ainda, com a médica Lúcia Brum, “ela causa grande sofrimento às pessoas infectadas, que, progressivamente, vão apresentando sintomas cada vez mais graves, como: febre, dores de cabeça, perturbações no ciclo de sono, paralisia, deterioração mental, demência e coma, sendo uma doença extremamente incapacitante e de alto impacto socioeconômico”, que, apesar de alguns avanços na sua terapia, impulsionados, sobretudo, por ações de Médicos Sem Fronteiras, em parceria com a Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi, sigla em inglês), “os medicamentos disponíveis têm grande limitações, principalmente na fase neurológica (fase 2) da doença, sendo de difícil aplicação e exigindo a internação do paciente”. O limitado acesso ao tratamento condena, assim, milhares de pessoas à morte. Em carta, o diretor-executivo de Médicos Sem Fronteiras no Brasil, o economista canadense Tyler Fainstat, diz que, por ano, são registrados cerca de 48 mil óbitos provocados pela doença do sono, já que, se o paciente não for devidamente tratado a tempo, ela é 100% fatal. Segundo o diretor-executivo de Médicos Sem Fronteiras, a doença atinge 36 países da África subsaariana, sendo que a República Democrática do Congo apresenta 2/3 dos casos relatados.

Os números, portanto, são preocupantes, visto que, ao todo, são 60 milhões de pessoas que estão ameaçadas de contaminação, mas apenas 7% desse total tem acesso a diagnóstico e tratamento. Ocorre que, pelas informações divulgadas por Médicos Sem Fronteiras, “as doenças tropicais como a doença do sono, malária, doença de Chagas, leishmaniose visceral, dengue e esquistossomose continuam entre as principais causas de mortalidade em todo o mundo. Estas e outras 11 doenças são conhecidas como doenças negligenciadas, pois atingem 90% da população mundial, mas recebem apenas 10% do investimento em pesquisa” para medicamentos e tratamentos – o que só acontece porque, como já foi dito, elas “a maioria das populações contaminadas é pobre”, não despertando, por isso, o interesse dos laboratórios farmacêuticos. Uma realidade, por sua vez, enfrentada diariamente por Médicos Sem Fronteiras, que decidiu utilizar o dinheiro que recebeu com o Prêmio Nobel da Paz de 1999 para fundar, em parceria com outras organizações, a DNDi, tendo como objetivo o desenvolvimento de novos tratamentos para algumas dessas doenças. Um exemplo é o da Terapia Combinada de Nifurtimoxeflornitina (NECT, sigla em inglês), menos tóxica e mais eficaz, facilitando no tratamento de pacientes da doença do sono.

Lançada em 2008, a NECT foi incluída na Lista de Medicamentos da Organização Mundial de Saúde (OMS) em 2009, passando a ser utilizada em áreas distantes e instáveis, que contemplam, sobretudo, margens de rios, habitat das moscas tsé-tsé, transmissoras do parasita que provoca a doença do sono. E são nos rios e nas suas margens onde muita gente ainda busca água para consumo próprio e outros fins, bem como se banham, lavam roupas, negociam, trocando ou vendendo mercadorias. Ou seja, essa gente é vítima em potencial das picadas do inseto e das suas más companhias. Isso acontece no Congo, no Chade, no Sudão, em Angola e demais países africanos. Médicos Sem Fronteiras, por sua vez, organização pautada “pela ética médica e pelos princípios de independência, neutralidade e imparcialidade, associando socorro médico e testemunho em favor das populações de riscos”, conta, hoje, com mais de 30 mil profissionais de diferentes áreas distribuídos em 65 países do mundo, “atuando diariamente em situações de desastres naturais, fome, conflitos, epidemias e combate a doenças negligenciadas”. Criada em 1971, na França, por médicos e jornalistas que atuaram como voluntários na guerra civil de Biafra, na Nigéria, no fim dos anos 60, a organização tem ultrapassado fronteiras, que você também pode ultrapassar.

Nathalie Bernardo da Câmara


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Entrevista exclusiva concedida à cirurgiã-dentista brasileira Marina Gaeta, da equipe do site Saúde ZN, por Tyler Fainstat, diretor-executivo de Médicos Sem Fronteiras no Brasil. Confira!


Saúde ZN“Cuidar da saúde dos que mais precisam em situações críticas é a base do trabalho de Médicos Sem Fronteiras”. Como funciona esse trabalho?
Tyler Fainstat – Em situações de conflito armado, as equipes de MSF levam assistência médica de forma neutra e imparcial às pessoas mais vulneráveis, independentemente de que lado do embate elas estejam. Nas emergências causadas por desastres naturais, quando as estruturas de saúde são atingidas ou ficam sobrecarregadas, profissionais são rapidamente acionados e enviados ao local da catástrofe. MSF também oferece cuidados médicos às pessoas excluídas de acesso à saúde e atua junto a comunidades afetadas por epidemias ou desnutrição. Em alguns casos, ao presenciar atos de violência ou negligência que afetam a saúde e colocam em risco a vida das pessoas, MSF faz um alerta público e se posiciona com base em dados médicos e na experiência de seus profissionais.

SZN - Quais as doenças que mais acometem a população carente?
TF – Os projetos de MSF são, em sua maioria, voltados a populações que vivem em países em desenvolvimento e sempre a pessoas que não têm acesso à saúde. Tratamos pessoas com enfermidades como HIV/Aids, malária, tuberculose, sarampo, cólera, meningite, doença do sono, doença de Chagas, dengue, entre outras.

SZNOs profissionais atuantes são voluntários? Quais os pré-requisitos para se tornar um de vocês?
TF – As pessoas que atuam com Médicos Sem Fronteiras não podem ser enquadradas dentro do padrão típico de voluntário, porque elas recebem uma remuneração no período em que estão nos projetos. Mas, como certeza, não é o salário que move as pessoas a trabalhar com a organização, afinal elas têm que deixar suas famílias, o conforto de suas casas e morar por um período – que em média varia de seis a nove meses – em um país distante. Não é fácil, é preciso ter uma motivação humanitária. Além disso, a remuneração oferecida por MSF não é competitiva para o mercado. As exigências básicas para trabalhar em MSF é ter nível superior, experiência profissional em sua área de atuação de, pelo menos, dois anos, francês e/ou inglês fluentes e, claro, disponibilidade e vontade de trabalhar fora do Brasil.

SZNQual a maior realização de Médicos Sem Fronteiras desde sua fundação?
TF – Em termos quantitativos, nossa maior operação ocorreu em janeiro de 2010, após o terremoto que devastou o Haiti. Ao longo de 10 meses, MSF tratou 358 mil pessoas, realizou 16.570 cirurgias e assistiu os partos de 15.100 bebês.

SZNQual a maior dificuldade existente hoje no trabalho da organização?
TF – Do ponto de vista organizacional, um grande desafio é continuar a ser uma organização inovadora e ágil. Mesmo crescendo cada vez mais, precisamos manter sempre o foco desse crescimento nas necessidades dos projetos e dos pacientes.

SZNO que a organização precisa para ampliar seu trabalho? De que forma podem ser feitas contribuições?
TF – MSF precisa sempre de recursos, sejam eles financeiros ou humanos, para poder aumentar suas operações e levar ajuda a cada vez mais pessoas. Quem quiser ou puder ajudar, existe a doação pelo site (http://www.msf.org.br/). As pessoas também podem ajudar divulgando nossas ações, projetos e iniciativas, para que possamos alcançar um número cada vez maior de pessoas.

SZNQuem pode se beneficiar da Campanha de Acesso a Medicamentos Essenciais no Brasil?
TF – Em seu trabalho de campo, as equipes de MSF são constantemente frustradas pelo alto custo dos medicamentos existentes, pela falta tecnologias adequadas para oferecer um tratamento de qualidade. A organização criou, em 1999, a Campanha de Acesso a Medicamentos Essenciais para melhorar o acesso às tecnologias existentes (medicamentos, métodos de diagnóstico e vacinas), por meio de medidas como a quebra de patentes. A campanha também estimula o desenvolvimento de novas ferramentas urgentemente necessárias nos países em que MSF trabalha, com ações de incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento de novas tecnologias. Desse modo, as lutas da Campanha de Acesso beneficiam todos os pacientes que sofrem com as doenças negligenciadas, inclusive aqueles que vivem no Brasil.

SZNComo nosso veículo está relacionado exclusivamente em prol da saúde, o que vocês têm a dizer aos nossos leitores?
TF – Nem todos têm o perfil que MSF precisa para trabalhar nos projetos diretamente com os pacientes, mas todos nós, de uma maneira ou de outra, podemos contribuir para que a ajuda humanitária atinja um número cada vez maior de pessoas.


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