quarta-feira, 11 de julho de 2012

REINAÇÕES DE LOBATO

“MEC proíbe Lobato...”.

Adriana Vandoni
Economista brasileira, que teve o seu blog Prosa & política censurado por denunciar falcatruas de um político ímprobo, mas que continua na ativa, contanto que não fale do meliante, e do qual colei a charge acima, publicada no dia 31 de outubro de 2010.


Na verdade, pensei nesta postagem ao ler uma nota, intitulada Homenagem a um morto querido, sobre o escritor brasileiro Monteiro Lobato (1882 - 1948), no blog Umas & outras, da médica, escritora e atriz paraibana Clotilde Tavares, mas, de repente, à procura da sua ilustração, esbarrei na polêmica criada por causa de uma determinação do Conselho Nacional de Educação (CNE), que havia sugerido ao Ministério da Educação (MEC) a não distribuição – coisa que não houve – do livro infanto-juvenil Caçadas de Pedrinho, de Lobato, nas escolas da rede pública de ensino do Brasil. No parecer, o CNE destacou passagens do referido livro, que considerava racista o tratamento dado à personagem negra de Tia Anastácia, solicitando que, caso houvesse a distribuição, fosse incluída de exemplares do mesmo uma nota tipo explicativa, justificando o contexto histórico no qual ele foi escrito e publicado. À época, segundo o Jornal da Tarde, em sua versão digital do dia 5 de novembro, a professora universitária Marisa Lajolo, organizadora de um livro sobre a obra do escritor, vencedor do Prêmio Jabuti de 2009, escreveu uma espécie de manifesto contra o parecer do CNE: “Não faz nenhum sentido nota de rodapé em obra artística, exceto quando a obra é para estudo. Por exemplo: se você pegar uma edição de Os Lusíadas [do poeta português Luís Vaz de Camões (1524 - 1580)], o estudioso que está lendo aquele livro precisa mesmo saber onde eram os Açores, quem era d. Sebastião… Ninguém leva Os Lusíadas para ler na praia”. De acordo com o jornal, transmitindo a opnião da professora, “nem a recomendação para notas explicativas faz sentido, porque transformaria o livro em produto de farmácia, cuja circulação é acompanhada de ‘bula com instrução de uso’”.

Pois é! Parece ficção, mas, aconteceu de verdade. Só que, diferentemente do CNE, tenho simpatia por Lobato, cujos livros infanto-juvenis li, assim como Clotilde, quando ainda era criança e que, em nenhum momento – posso garantir –, não me influenciou negativamente. Pelo contrário! Juntamente com outros autores, as histórias de Narizinho, Pedrinho, da boneca de pano Emília e de toda a turma do Sítio do Pica-pau Amarelo estimularam não somente o meu universo lúdico, o meu imaginário infantil, mas, sobretudo, a minha criatividade. E, do mesmo modo que Clotilde, eu os li aleatoriamente, sem seguir a ordem dos tomos, escolhendo, tipo sorteio, qual era o livro da vez – creio, inclusive, que até os reli. Tempos atrás, contudo, emprestei a minha coleção a uma criança que, muito ansiosa, não parava quieta. Porém, gostava de ler. E ela a leu, todos os livros, que guarda até hoje. Nunca pedi de volta. Outro dia, entretanto, a filha de um amigo da minha mãe, de apenas seis anos de idade, perguntou-me se eu estava melhor do meu pé quebrado e começou a tagarelar. Inteligentíssima! Perguntei se gostava de ler e ela me disse que sim. Instiguei-a, querendo saber se conhecia os livros de Lobato e ela disse que não, mas que já tinha assistido as histórias da turma do Sítio exibidas por uma emissora de TV brasileira que as adaptou para a televisão. Pensei, então, em pedir que o hoje adolescente que preserva a minha coleção empreste-a a criança de seis anos, já que moram na mesma cidade e, pelo que me consta, conhecimento se transmite e, dependendo dos livros, não há motivo para guardá-los em estantes que, com o tempo, terminam tornando-se parte de uma mobília qualquer. Os livros, por sua vez, muitas vezes morada de ácaros, cupins e congêneres.

Tudo bem que tem a parte afetiva que liga você aos livros, mas, enquanto não se sente saudade, eles vão distraindo outras mentes... Um dia, acontece, você os pede de volta ou, então, continua a socializá-los, como será o caso da minha coleção de Lobato. Agora, emprestar a adultos é um troço estranho. Eles raramente devolvem e, quando o fazem, só depois de muita insistência. Isso quando dizem que não sabem onde os livros estão – sem falar dos que pegam emprestados sem lhe pedir autorização e, quando você resolve procurá-los, não os encontra. Não sabe nem quem os levou. Nesses casos, você sente que perdeu uma parte significativa de si mesmo. É uma sensação curiosa... Enfim! Tenho simpatia, sim, pelo escritor Monteiro Lobato, diferentemente, ainda, por exemplo, de uma criatura que cheguei a conhecer nas minhas andanças, que queria porque queria ser reconhecida como estudiosa da cultura popular, mais especificamente da Folia de Reis, e que, um dia, a simples menção do nome Lobato, a fez expressar indignação. Intrigada, perguntei o motivo e, quando tomei conhecimento do que se tratava, o achei estapafúrdio. Afinal, toda a indiferença do cara aos livros do escritor, que também foi tradutor e editor, limitava-se a sua repulsa à porção empreendedora de Lobato, especificamente no que tange à defesa que ele fazia do petróleo brasileiro como um bem nacional, cuja exploração, em sua opinião, não deveria ser controlada por multinacionais, chegando, inclusive, a implantar uma companhia petrolífera para perfurar poços no Brasil afora, já que o governo federal não o fazia. O fato é que a sua luta em defesa do petróleo brasileiro, que garantiria a independência econômica do país, lhe rendeu poderosos e perigosos desafetos.

Um deles, o ditador Getúlio Vargas (1982 - 1954). Lobato nutria por Vargas forte antipatia – pudera! Idealista, o escritor publica, em 1936, uma espécie de dossiê da sua campanha em prol do petróleo, O Escândalo do petróleo, acusando o governo de despotismo. Com as edições esgotadas em menos de um mês, o livro é proibido de circular e as edições recolhidas. Passa o tempo e Vargas o convida para trabalhar no seu governo. Lobato recusa. Afinal, em nada lhe agradava a tentativa de ser cooptado por Vargas. Em 1941, uma carta que escreve ao ditador é considerada subversiva e, como resposta, Lobato recebe um par de algemas por intermédio de forças policiais do Estado Novo, sendo preso e torturado. Porém, devido forte pressão de intelectuais da época, tem a pena reduzida de seis para três meses. Fora das grades, contudo, continua sendo perseguido. Resolve, então, denunciar os maus-tratos e as torturas sofridas no cárcere. Antes disso, entretanto, o seu livro História do mundo para crianças, publicado em 1933, é alvo de críticas contrárias ao seu teor, censura e perseguição da Igreja católica, a ponto de o padre jesuíta Sales Brasil escrever, em 1957, uma espécie de manifesto contra o escritor cujo título é uma beleza: A Literatura infantil de Monteiro Lobado ou comunismo para crianças – isso explica muitas coisas... Enfim! Para a professora de literatura Eliana Yunes, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Lobato era “um pensador em ação, um ativista da educação, filosofando através da literatura, oferecendo à escola brasileira que o perseguia, coadjuvada pela igreja, os modos de aprender e ensinar com alegria”. O escritor morre pobre, desgostoso, cercado das personagens que povoam as suas histórias e o nosso imaginário.

Nathalie Bernardo da Câmara

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