“Você usa tanto uma
máscara que acaba esquecendo quem você é...”. – Fala da personagem V,
interpretada pelo ator e dublador nigeriano Hugo Wallace Weaving. O filme, quase homônimo, é V de
Vingança (V for Vendetta), datado de
2005, com roteiro dos norte-americanos Andy e Lana Wachowski e direção do australiano
James McTeigue.
A
cegueira da presidente
OPINIÃO
19 de fevereiro de 2014
– O Estado de S. Paulo
Tido
como o mais ponderado dos ministros da linha de frente do governo Dilma
Rousseff, o titular das Comunicações, Paulo Bernardo, encarnou a beligerância
com que a presidente reage costumeiramente quando se sente contrariada.
Confrontado, numa entrevista a este jornal, publicada domingo, com a realidade
ofuscante da insatisfação do empresariado com o Planalto, o ministro retrucou
de bate-pronto: "Empresário ficar fazendo beicinho não dá". Um
viajante recém-chegado de Marte não poderia ser criticado se imaginasse, diante
desse enunciado desdenhoso, que a economia nacional está bombando e que o setor
choraminga porque é de seu feitio, qualquer que seja o governo de turno.
Não bastasse a canelada,
Bernardo ainda reduziu o descrédito da presidente nos meios empresariais a uma
rusga conjugal que pode ser superada com uma boa conversa. "Temos de
melhorar o relacionamento. Só isso", diagnosticou. E, numa bizarra mistura
de burocratês com psicologia de esquina, prescreveu: "É preciso fazer uma
boa DR com os empresários e ouvir". Saibam os capitães da indústria e do
agronegócio, além do público em geral, que, na sintaxe bernardina, DR significa
"discutir a relação". À parte a falta de senso do ridículo, vá o
ministro chamar para o equivalente a uma terapia de grupo o presidente do
Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Pedro Passos.
Ele e a entidade que
chefia podem ser tudo, menos opositores do Estado como indutor do crescimento
econômico. No domingo anterior, também em entrevista a este jornal, o
insuspeito Passos provocou ondas de choque ao declarar, singelamente, que a
confiança dos seus colegas no governo "acabou". Ou vá o ministro
sugerir o mesmo ao usineiro Maurílio Biagi Filho que, dias atrás, refugou o
convite para ser o vice do candidato do PT ao governo paulista, Alexandre
Padilha. "É difícil ganhar a eleição em São Paulo com o agronegócio
ruim", disse na presença do mentor da candidatura, o ex-presidente Lula.
"O problema é causado pela política do governo federal e não adianta mais
promessa."
Bernardo ainda poderia
testar a poção mágica da "DR" junto ao presidente do Moinho Pacífico,
Lawrence Pih, ligado ao PT até o mensalão. "Não adiantam só
palavras", aponta. Ele demanda "ações concretas" para conter a
"desindustrialização". A expressão remonta aos anos Collor quando os
beneficiários da reserva de mercado entraram em polvorosa com a abertura da
economia. Voltou à tona contra a política de rigor fiscal de Fernando Henrique.
Eram falsos alarmes. Mas a atual derrocada da indústria se traduz em evidências
incontestáveis - que, entre outros estragos políticos, obrigaram Dilma a nomear
um interino para a Pasta do Desenvolvimento, à falta de líderes empresariais
interessados.
Há muito mais no
governo, além do impróprio "beicinho" do ministro das Comunicações e
de sua fé na "DR". As ideias, digamos assim, que circulam no centro
do poder contêm material suficiente para uma versão dilmista do Ensaio Sobre a
Cegueira, de José Saramago. Conforme o Estado noticiou, a
presidente estaria querendo criar um fórum empresarial voltado para a campanha
da reeleição para tentar neutralizar as críticas do setor, amplificadas pela
oposição. Cada um fica livre para imaginar o calibre e os efeitos desse novo
Conselhão, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social criado em 2003 e
que ainda precisa dizer a que veio. É certo, de todo modo, que o fórum será
mais uma câmara de eco para Dilma.
A certidão de batismo
desse ente seria um documento em que ela proclamaria os seus compromissos com o
soerguimento da indústria, à maneira da Carta ao Povo Brasileiro do candidato
Lula em 2002 - como se o empresariado precisasse de compromissos em vez de atos
que, já não sem tempo, façam sentido. E estes não virão, a menos que, por um
sortilégio, a presidente se transfigure. Boa parte do seu fracasso na economia
se explica pelo caráter errático de suas decisões, ao sabor da vontade da hora.
Some-se a isso o vezo autoritário, donde o déficit de audição de Dilma, e o
resultado só pode ser o ceticismo dos agentes econômicos. Se algo faltava, era
a acusação de fazerem beicinho.
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