Em Janeiro (embora a data da reportagem de onde pesquei as fotos seja agosto de 2013 - talvez um lapso), uma tempestade
atingiu Portugal que produziu chuva e ventos fortes até 128 kmh. Descrita
como a maior catástrofe natural em Portugal nos últimos anos, esta foi causada
por um fenómeno meteorológico chamado ciclogénese explosiva. Um dos locais
onde melhor se pôde ver a fúria da tempestade foi no Porto, neste caso no Farol
de Felgueiras. O fotógrafo Veselin Malinov estava por perto e conseguiu capturar algumas
fotografias incríveis das ondas enormes que pareciam querer engolir tudo no seu
caminho, mostrando figuras que não só dão uma noção de escala como também
mostram a coragem de quem estava disposto a chegar mais perto. – As Ondas de uma tempestade portuguesa, /Stand'Art Wall
Por José Eli da Veiga*
Têm sido inócuos os arranjos globais para manejo da mudança climática.
Pior: não há sinal de que a rota venha a ser alterada. Mesmo na mais otimista
das apostas – que um dia todas as nações responsáveis por significativa parte
do dano venham a ter metas legalmente obrigatórias para contenção de suas
emissões de gases de efeito estufa – ela será perdedora sem prévia formação de um
preço mundial do carbono, algo incompatível com o Protocolo de Kyoto, cuja resiliência
constitui o cerne do tormento.
Nas negociações desse protocolo, entre 1993 e 1997, venceu a tese de que
a melhor maneira de se atingir tal preço seria o comércio de emissões (“cap-and-trade”),
contra o historicamente comprovado recurso à tributação. Em consequência, meros
7% das emissões globais de carbono são hoje afetados pelos dois mecanismos de
formação de preço: “esquemas para comércio de emissões” (ETS, em inglês) e
alguns poucos tributos unilaterais em sociedades mais conscientes de que só com
mercados jamais cumpririam suas metas.
Embora nos últimos nove anos tenham surgido uma dúzia de ETS, o único
relevante é o EU-ETS, que envolve as 11.500 empresas responsáveis por 40% das
emissões da União Europeia. Foi inevitável, portanto, que fortes compromissos
políticos com a sustentabilidade tenham levado sete países dessa região à
decisão de também tributarem de forma explícita outra parte de suas emissões.
Há taxas-carbono na Dinamarca, na Finlândia, na Irlanda, na Suécia e agora no
Reino Unido, assim como na Noruega e na Suíça, que preveem vínculos com o
EU-ETS por acordos bilaterais.
No entanto, foi do outro lado do Atlântico, na província canadense da
Colúmbia Britânica, que pintou o melhor dos impostos climáticos em vigor. Uma
taxa-carbono que incide há cinco anos sobre a queima de todos os combustíveis
fósseis, sem aumento de carga tributária. Para evitar que o desembolso de pouco
mais de US$ 20 por tonelada de carbono emitido (trinta desde 2012) prejudique
os negócios, a alíquota do imposto de renda das pessoas jurídicas foi reduzida
de 12% para 10%. Esse é o máximo que pode ser feito sem perda de
competitividade enquanto o exemplo não for seguido ao menos por outras das nove
províncias e estados dos EUA.
Prova dos nove do alerta feito pelos melhores estudos científicos sobre
o tema: a única maneira eficaz de se administrar a mudança climática é a adoção
de uma taxa mundial, mas incidente sobre o consumo, de modo que o preço de
qualquer mercadoria também reflita seu correspondente teor de carbono. Não há
melhor maneira de se catalisar inovações e investimentos pró-mitigação.
O principal problema prático desse projeto é a inviabilidade de se usar
a convencional análise de custo-benefício no cálculo de qual deveria ser o
valor da taxa, dada a impossibilidade de se estimar o custo social do carbono
em âmbito global. Além disso, é óbvio que ela seria politicamente desastrosa se
viesse a causar séria carestia.
Por isso, a saída seria que o preço mundial do carbono começasse bem
baixo, mas com patente perspectiva de alta. E que os aumentos ficassem na
dependência da avaliação do impacto obtido com o baixo preço inicial, em
procedimento conhecido como “a learning-by-taxing process”. A organização
encarregada de administrar essa dinâmica estabeleceria o preço do carbono assim
como um banco central faz com a taxa de juros básica.
Infelizmente esse caminho mais racional para uma gestão da mudança
climática foi interditado pela vitória de Pirro obtida pelo fundamentalismo de
mercado nas negociações do Protocolo de Kyoto. Mais: em vez de esgotamento de
sua inércia institucional, há temerária teimosia, além de muita criatividade,
na proliferação de malabarismos aprovados em conferências das partes da
Convenção (CoPs da UNFCCC). Espécie de obsessão em se preservar o legado,
apesar de sua evidente impotência.
Esse contexto sugere a possibilidade de duas mudanças objetivas extremas
que forçosamente exigiriam e induziriam correção de rumo. A pior seria que a
atual marcha da insensatez fosse bruscamente interrompida por alguma séria
catástrofe ecológica que provocasse atribulada e radical revisão da própria
convenção. A melhor seria que bem antes disso despontasse uma revolução
tecnológica capaz de antecipar a aposentadoria das energias fósseis, tornando
quase supérflua a parafernália já montada para se chegar a uma governança
global da mudança climática.
O cenário mais provável, porém, é que gradualmente se combinem esses
dois vetores polares. Por isso, para uma sociedade como a brasileira – que
desfruta de imensas vantagens comparativas ecológicas e geográficas, mas que
ainda nem sequer engatinha na direção das socioculturais vantagens competitivas
– romper com o marasmo é assumir o duplo desafio de investir muito mais do que
hoje na busca de inovações energéticas e simultaneamente abrir um sério e
sistemático debate público sobre o sentido e a orientação de sua ação
diplomática no âmbito do regime climático.
*Artigo publicado em 28 de janeiro de 2014 no site do jornal Valor
Econômico | José Eli da Veiga é professor sênior do
Instituto de Energia e Ambiente da USP e autor do livro A Desgovernança mundial da
sustentabilidade (Editora 34, 2013). Página web: www.zeeli.pro.br
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