“Eu não participo e acho que não pode ser uma
orientação partidária fazer isso...”.
Olívio Dutra, um dos fundadores do Partido dos
Trabalhadores (PT), ex-deputado federal, ex-prefeito de Porto Alegre,
ex-governador do Rio Grande do Sul e ex-ministro das Cidades no primeiro
mandato do ex-presidente Lula, opinando sobre as doações recebidas por políticos
do PT que, detidos, foram retidos na Papuda, no Distrito Federal, em entrevista
registrada pela repórter Rosane de Oliveira em janeiro do corrente. Para Olívio
Dutra, que começou a sua militância como sindicalista, em declaração ao Estadão em novembro de 2013, os referidos
detentos não são “presos políticos”. Eles foram julgados e, agora, “estão cumprindo
pena por condutas políticas”.
Neobrasileirismos
ou o sucesso da vaquinha
19 de fevereiro de 2014
Roberto Damatta - O Estado de S. Paulo
Brasileirismos
são invenções brasileiras. No campo da música, da comida e da sexualidade, elas
abundam. São brasileirismos o jogo do bicho, o samba, a feijoada, confundir
fama com inteligência, não prender autoridade e dizer que bunda não tem sexo.
A presença mascarada dos
elos pessoais abraçados pela norma do dar-para-receber e do vice-versa como
algo obrigatório no espaço público é um outro brasileirismo que contraria a lei
válida para todos e nos faz desconfiar da liberdade.
Liberdade que leva a
escolhas, individualiza e acontece justamente na rua. Toleramos a liberdade
porque ela é um conceito chave nas constituições "avançadas" que
copiamos dos americanos, franceses e ingleses. Daí a contradição tragicômica:
temos leis avançadíssimas, sínteses das melhores normas jamais produzidas no
chamado "mundo civilizado", mas lamentavelmente não temos franceses,
americanos e ingleses para segui-las.
Voltemos, entrementes,
aos temas clássicos. Se a liberdade tem sido usada pelas elites sobretudo para
matar o competidor, a igualdade permanece sem solução.
Continuamos alérgicos à
sua aplicação e o seu uso é sempre constrangido pelos rotineiros "esse tem
biografia", "esse é meu amigo", "esse é do nosso
partido", que são parte de um outro brasileirismo. A duplicidade ética,
expressa no axioma: aos inimigos a lei; aos amigos, tudo. Um postulado que
impede, no modelo e na realidade, o tratamento igualitário e um mínimo de
coerência.
* * *
A brasileiríssima
máscara entra em cena em tempos democráticos. Impossível não tomá-la, como
ocorre em outras sociedades, como um símbolo de forças antissociais: do incesto
que nega a oposição entre afinidade e consanguinidade, ou de condutas abusivas
e licenciosas cuja concretização exige a invisibilidade ou o disfarce como no
Carnaval.
Estamos pensando em
legislar o uso da máscara. Balas de borracha para policiais; máscaras para os
manifestantes. Mas se até em centro espírita as almas dizem quem são, como
admitir o poder dado a mascarados quando o ideal democrata é justamente
conhecer o adversário? Em meio aos elos confusos entre as injustiças seculares
e direito ao ativismo, o uso da máscara aumenta ou diminui a possibilidade do
irracionalismo e da boçalidade contida na violência? Afinal, estamos querendo
consolidar ou liquidar instituições?
* * *
Vivemos um momento de
exigências igualitárias que demandam o fim da separação entre a casa e a rua:
lei e cadeia na rua para os pé rapados; e, na casa, embargos de todos os tipos
para os amigos e parentes. Chamam isso de "corporativismo" mas o nome
verdadeiro é personalismo, como disse faz tempo.
Brasileirismo agradável
foi testemunhar a sinceridade que baixou na Câmara dos Deputados com o voto
aberto. O voto sem máscaras porque ele liquida a duplicidade entre casa e rua.
"Como companheiro e colega eu não posso te cassar. Amanhã pode ser minha
vez e você, mesmo sem ser do meu partido, retribui. Mas no plenário eu sou
obrigado a fazê-lo, compreende? Antigamente, quando o voto secreto era minha
máscara eu votava contra a perda do teu mandato, pois tu és realmente um
ladrão! Mas, agora, temos essa lei que me obriga que eu seja o mesmo tanto em
casa quanto na rua. Então, vejam que coisa triste para a ética da casa e das
amizades, eu sou obrigado a tirar a mascara e a ser sincero!"
A sinceridade é um
neobrasileirismo.
Ser o mesmo em todos os
lugares é impossível. Mas ter o propósito de ser o mesmo é o que chamamos de
honestidade.
A próxima eleição vai
dizer se a honestidade é uma tortura ou uma bênção.
* * *
O ministro Gilmar Mendes
aponta uma anomalia. As multas que os condenados devem pagar não podem ser
transferidas, por meio de uma brasileiríssima vaquinha, para outras pessoas. A
sugestão do ministro seria a de fazer uma vaquinha capaz de pagar o mensalão.
Tal parecer me lembra um
evento bizarro mas idêntico, ocorrido nos primórdios da ditadura militar, em
1964, no governo Castelo Branco. Foi a campanha "Ouro para o bem do
Brasil", destinada a reunir ouro para pagar a dívida externa brasileira.
Tal vaquinha fez com que muitas pessoas doassem alianças e medalhinhas mas,
diferentemente da vaquinha dos mensaleiros, jamais se soube onde o ouro foi
parar.
Mas o brasileirismo da
vaquinha que retorna, como na ditadura, para livrar as multas do mensalão, é um
sucesso.
E se um condenado a 20
anos, pergunta-me um amigo irritado, resolver fazer uma vaquinha e conseguir na
internet gente que fique em seu nome na prisão por um dia? Façamos o calculo:
20 vezes 365 é igual a 7.300 dias. Ora, diz ele, considerando o que os
mensaleiros condenados já arrecadaram até agora, seria tranquilo conseguir 7
mil e tantas pessoas solidárias para ficarem por um dia na cadeia no lugar do
condenado. E eles, é claro, iriam continuar atuando como heróis nacionais
injustiçados por uma mascarada de cunho político. Se tudo é injustiça burguesa,
por que não aplicar a brasileiríssima vaquinha para outras penalidades?
Tento argumentar, mas o
amigo toma uma cerveja.
* * *
O mesmo sujeito me diz o
seguinte: "Olha aqui, DaMatta, estou pensando em fazer uma vaquinha para
deixar de trabalhar como um condenado. Quero poder dizer não - esse imenso
privilégio dos abençoados". Como bom brasileiro, não disse nada. Mas
pensei: se der certo eu também faço!
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