Estadão - 28/10/2014
Dora Kramer
A
vantagem da reeleição é que o país não precisa esperar os dois meses que
separam a eleição da posse nem os tradicionais primeiros 100 dias de governo
para conferir se a figura do candidato se encaixa na pessoa do presidente. Ou
melhor: se o que foi feito para ganhar combina com o que será feito para governar.
A presidente Dilma Rousseff que surgiu reeleita na
noite de domingo para discursar em prol do diálogo e da união nacional era
outra na forma, mas ainda ficou devendo a prova de que na essência não continua
a mesma.
Livre
das jogadas ensaiadas que fizeram dela mera repetidora de frases desconexas,
Dilma pôde se dirigir à nação com surpreendente fluência. Um alívio, pois se vê
que não há nada de preocupante com ela. Apenas, não sendo política de raiz,
tampouco é uma atriz. Nem improvisa nem segue com naturalidade o script.
Dilma
disse as palavras adequadas no momento certo. A cobrança dos últimos dias eram
todas no sentido em que foi construído o discurso. Era o que se esperava dela.
Correspondeu bem a essa expectativa, principalmente quando exaltou o valor dos
resultados apertados como agentes de mudanças mais eficazes do que vitórias
muito amplas.
Foi
ao ponto ao estabelecer que falar em união não significa defender unidade de
ação e pensamento, pois o espaço para a divergência é sagrado. E foi em frente
no comprometimento com reformas, com o reconhecimento de que pode ser uma
pessoa de trato bastante melhorado, que a economia necessita de mudança de
rumos, que o diálogo com todos os setores precisa ser qualificado, que a
corrupção requer duro combate e o Congresso um relacionamento renovado.
As
palavras da presidente são completamente diferentes das atitudes da candidata.
Em quem o país deve acreditar? Aí depende da disposição de se aceitar, ou não,
a teoria do “diabo”, segundo a qual pela vitória vale tudo. Ou os fins
justificam os meios.
O
problema da tese é que quem se orienta por ela pode adotá-la em qualquer
situação: na campanha ou no governo. De onde a correção do discurso
presidencial logo após a vitória deve ser visto com ressalvas. Primeira delas:
tão amoldado à expectativa e contraditório em relação ao que gritava a
militância que a ouvia ensandecida contra a “mídia golpista”, que autoriza a
desconfiança de que seja mais uma peça de marketing.
A
suspeita tem base em práticas anteriores. Já vivemos a publicidade da “faxina”,
da “gerente”, da “durona”, que hoje promete ser “uma pessoa melhor”. Mas,
sigamos com fé. Para que essa fé não nos falhe é necessário que a formalidade
das palavras seja correspondida pela efetividade dos atos.
A
presidente acena com diálogo. Se a memória não comete grave traição, ela fez
gesto semelhante ao assumir a Presidência em 2010. A realidade resultou em
isolamento. Sim, pode ter havido aprendizado, mas desta vez é preciso
explicitar quais as bases, com quem e como o governo pretende estabelecer a
interlocução para ganhar crédito. Terá de levar o PT a adotar a mesma
orientação de que a crítica não significa “golpismo” e representa apenas uma
parcela substantiva da população.
O compromisso com as reformas também não pode se
resumir à repetição da proposta já repudiada do plebiscito para a reforma
política. Há outras na pauta que implicam disposição do Poder Executivo de
enfrentar e arbitrar contenciosos.
Para
concluir, o enrosco urgente da Petrobras. A presidente aborda o tema da
corrupção falando em mudanças nas leis. Não poderá, no entanto, passar os
próximos quatro anos de olhos fechados para o fato de o PT ter optado por
financiar seu projeto de poder por meio de traficâncias no aparelho do Estado.
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