sábado, 25 de outubro de 2014

O PLURALISMO NO CAMPO DA ESQUERDA

Por Claudio de Oliveira
Jornalista e cartunista brasileiro

Como se sabe, nunca existiu um pensamento único de esquerda. Ainda em 1864, quando foi criada a Associação Internacional dos Trabalhadores, logo a organização foi dividida em duas correntes principais. De um lado, os anarquistas liderados pelo russo Mikhail Bakunin, de outro, os socialistas seguidores do alemão Karl Marx.

Aqueles últimos não se constituíam numa corrente monolítica, com variações de pensamento entre eles. Havia também outras correntes. Tampouco a chamada Primeira Internacional abarcava todas as correntes do socialismo europeu.

A repressão pôs fim à Primeira Internacional. Depois da morte de Marx, mas com a presença de seus parceiros intelectuais como Frederic Engels e Karl Kaustky, surgiu a Segunda Internacional, em 1889. Sem os anarquistas, a também chamada Internacional Socialista dividiu-se em várias correntes. Os francamente revisionistas do marxismo, como o alemão Edvard Bernstein, os ortodoxos, porém caminhando para o reformismo, como Kautsky, e os adeptos do revolucionarismo, liderados pelo russo Vladimir Lênin.

Este último, sabemos, fundou em 1919 a Terceira Internacional, ou a Internacional Comunista, que originou o movimento e os partidos comunistas em oposição à socialdemocracia.

Os comunistas russos, chamados de bolcheviques, logo após a morte de Lênin se dividiram. Uma ala, o centro bolchevique, liderado por Josef Stálin, eliminou num, primeiro momento, a esquerda bolchevique de Leon Trotsky, que irá fundar em 1938, a Quarta Internacional. Depois, a direita bolchevique de Nikolai Bukharin será também eliminada por Stálin, com o fuzilamento de seus líderes.

Nem todos os comunistas se alinharam automaticamente a tudo o que os bolcheviques fizeram. Apesar de apoiarem Lênin e a Revolução Russa de 1917, o italiano Antônio Gramsci e a polonesa Rosa Luxemburgo criticaram aspectos da política bolchevique.

É bom registrar também a fundação da Internacional 2 e meia, em 1921, liderada pelos austromarxistas, entre eles Otto Bauer, adeptos do socialismo democrático e de um "terceira via" entre a socialdemocracia e o movimento comunista. Aliás, expressão que será retomada nos anos 1970 pelos eurocomunistas liderados por Enrico Berlinguer, o secretário-geral do PCI. O austromarxismo também inspirará nos anos 1960 um movimento chamado de Nova Esquerda.

Entre as correntes comunistas ainda devemos nos lembrar do maoísmo, muito influente entre intelectuais e líderes estudantis de 1968, como também do “socialismo autogestionário” da Iugoslávia, cujas empresas não eram estatais, mas cooperativas.

A socialdemocracia também se diferenciará em diversas correntes, desde a chamada socialdemocracia clássica, predominante na Europa ocidental, como os suecos, defensores mais de uma regulação estatal da economia e menos de uma intervenção, até os adeptos da “Terceira Via” de Tony Blair ou do “Novo Centro” do socialdemocrata alemão Gerard Schröeder, uma via entre a socialdemocracia clássica e o liberalismo clássico. Isto sem falar de um social-liberalismo ou de um socialismo-liberal defendido pelo italiano Norberto Bobbio.

Em “História do Marxismo”, organizada por Eric Hobsbawn e publicada no Brasil em doze volumes, o historiador egípcio-britânico, ao fazer um balanço do pensamento marxista ao final do século XX, considerava que não é mais possível falar de um único marxismo, mas de vários marxismos, tanto no âmbito da orientação partidário quanto na esfera do “marxismo acadêmico”, com todas as suas variações, desde a Escola de Frankfurt, hoje representado por Jünger Habermas, passando por George Lukács e Louis Althusser.

Ainda à esquerda, talvez devamos nos lembrar de novos movimentos e partidos, como os Verdes da Alemanha e outros surgidos em diversas partes do mundo.

Por isso, vejo com muita naturalidade, que, no Brasil, diferentes correntes e pensadores situados à esquerda do espectro político tenham se posicionado diferentemente na presente eleição presidencial. As opções de pessoas de esquerda seja por Luciana Genro (Psol), por Eduardo Jorge (PV), por Eduardo Campos (PSB), por Marina Silva (Rede), por Aécio Neves (PSDB), por Dilma Roussef (PT), ao meu ver, têm todas o mesmo grau de legitimidade, e o mesmo podemos dizer daqueles que escolheram candidatos de extrema-esquerda, como Zé Maria(PSTU), Mauro Iasi (PCB) ou Rui Pimenta (PCO).


Ou reconhecemos o pluralismo no campo da esquerda e busquemos uma convivência democrática e respeitosa ou teremos de inventar um “esquerdômetro”, um aparelho capaz de identifica a “verdadeira esquerda” e a “linha justa”, cuja experiência de partido único na Europa do leste não foi das mais exultantes, digamos.


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