Dossiê Abrasco:
o grito contra o silêncio opressivo do agronegócio. Entrevista especial com
Fernando Carneiro
Instituto
Humanitas Unisinos – 6/5/2015
Por Ricardo Machado e Leslie Chave
“A
ciência deveria servir a quem, ao
mercado ou a população
brasileira?”, afirma
o pesquisador.
A Associação de Saúde Coletiva – Abrasco lançou no
dia 28-04-2015, no Rio de Janeiro, a versão atualizada do Dossiê Abrasco, livro com mais de 600 páginas que reúne uma série
de informações sobre os riscos dos agrotóxicos à saúde humana.
A nova
edição conta com o capítulo A crise do paradigma do
agronegócio e as lutas pela agroecologia.
“As
grandes novidades estão ligadas a dois pontos: à forma e ao conteúdo. Então, o
livro passou por um processo de diagramação, de organização das ideias, de
inovações na facilitação gráfica, onde se pode visualizar melhor. Outra
novidade é que fizemos uma grande parceria com a Articulação Nacional de
Agroecologia - ANA e com a Associação Brasileira de
Agroecologia - ABA nessa perspectiva de dialogar com outros
conhecimentos e saberes”, explica Fernando Carneiro,
em entrevista por telefone à IHU On-Line.
Ao
analisar a atual conjuntura brasileira, o professor
é duro nas críticas a retrocessos importantes como, por exemplo, a retirada da indicação dos produtos transgênicos nos rótulos.
“Nega-se um princípio básico, que é o direito à informação. Por que se quer
negar esse direito? Se não há o que temer, por que negar que as pessoas saibam
o que estão comendo? Isso é uma violência que o Congresso Nacional está fazendo
contra a população brasileira”, critica. Além disso, alerta que o paradigma do
agronegócio é suicida. “O paradigma do agronegócio não sustenta um projeto de
agricultura para o futuro do Brasil. Não é sustentável nos tornarmos um grande
exportador de commodities, exportando água, solo, muitas vezes exportando vidas
humanas e a nossa natureza”, avalia.
O
resultado de um contexto político onde existe um parlamento conservador e a
chefe da pasta da Agricultura sendo uma das representantes do agronegócio no
Brasil é o que Fernando chama de silêncio
opressivo do Estado. “Muitos dos pesquisadores que representam a Associação Brasileira de Ciência - ABC e a SBPC na CTNBio têm as
pesquisas financiadas pelas empresas que se beneficiam do agronegócio, e
sabemos que na CTNBio não há espaço para discutir conflitos de interesse, mas
temos que discutir isso. A ciência está para quem, para o mercado ou para a
população brasileira?”, pondera. “Isso é o que ocorre e daí a importância do
debate acontecer, porque ele grita frente ao silencio opressivo dos interesses que os grandes grupos querem impor sobre nós”,
complementa.
Fernando Carneiro é graduado em Ciências Biológicas
pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, especialista
em Vigilância em Saúde Ambiental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, mestre em Ciências da Saúde –— área de
Concentração de Saúde Ambiental pelo Instituto Nacional de Salud Pública de
México e doutor em Epidemiologia pela UFMG. Atualmente é
pós-doutor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra,
tendo como orientador o Prof. Boaventura de Sousa Santos. Foi consultor do
Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Saúde e servidor da Agência Nacional
de Vigilância Sanitária. É pesquisador da Fiocruz Ceará e doNESP UnB. Atualmente
também coordena o GT Saúde e Ambiente da Abrasco e
o Observatório da Política Nacional de Saúde Integral das Populações
do Campo, Floresta e das Águas – Teia de Saberes e Práticas (OBTEIA).
Confira a entrevista...
IHU On-Line - Quais
são as novidades do dossiê da Abrasco em relação aos relatórios anteriores?
Fernando
Carneiro - As grandes novidades estão
ligadas a dois pontos: à forma e ao conteúdo. Lançamos um livro que parte de
toda uma concepção da ciência, principalmente de uma ciência que quer dialogar
com a sociedade, como um alicerce de sua função social. Então, o livro passou
por um processo de diagramação, de organização das ideias, de inovações na
facilitação gráfica, onde se pode visualizar melhor. Tudo isso para ser uma
publicação boa de ler, de interagir; para que as pessoas encontrem o que buscam
com mais facilidade, cada capítulo, cada parte tem uma cor e um símbolo
diferente, tudo com o objetivo de criar novos recursos gráficos para facilitar
processos de compreensão e uso. Essa é a primeira novidade em termos da forma.
A outra
novidade é que fizemos uma grande parceria com a Articulação Nacional de Agroecologia – ANA e com a
Associação Brasileira de Agroecologia - ABA nessa
perspectiva de dialogar com outros conhecimentos e saberes. Na quarta parte,
focada na crise do paradigma do agronegócio e das alternativas, nós colocamos
uma questão que, por exemplo, a Abrasco não tem
total expertise, que é a agroecologia.
Nós somos uma associação científica do campo da saúde coletiva em articulação
com outros campos do saber, como o da própria questão agrícola, questão
ecológica, questão da ecologia política, etc. A quarta parte também atualiza o
que aconteceu de 2012 até 2014.
Bancada
ruralista
Infelizmente,
apesar de ter novidades boas, as principais novidades não são boas. Houve uma
piora do quadro político, houve uma maior hegemonia da bancada ruralista, que conseguiu vitórias importantes,
como a alteração no código florestal, com o objetivo de maximizar lucros em
detrimento da preservação ambiental, uma coisa que vai na contramão de tudo que
acontece hoje no mundo. Quando o Brasil está
vivendo a crise da água, a relação com a preservação das florestas é direta e
nós acabamos de aprovar uma lei que perdoa esses empreendedores do agronegócio,
que, inclusive, não cumpriram a lei florestal brasileira, a qual garante que
eles explorem mais áreas antes preservadas.
Essa foi
uma grande perda, e o setor, que sempre teve o domínio do Ministério da
Agricultura, tem a Kátia Abreu à frente, ela que é um ícone desse setor,
uma pessoa que sempre trabalhou pela flexibilização do registro e maximização
do uso de agrotóxicos no Brasil.
Sabemos
que no Congresso aumentou a bancada ruralista e a onda conservadora. Agora, com
a Kátia junto ao Executivo, temos grande preocupação
por conta dos compromissos dela de garantir que tais setores sejam
beneficiados. Isso se estende a propostas de desregulamentação total, tirando o
papel da Anvisa, do Ministério do Meio Ambiente,
concentrando na pasta da Agricultura, que é uma espécie de “Comissão Técnica Nacional do Agronegócio - CTNAgro”,
aos moldes da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança -
CTNBio. É um tema que ganha cada dia mais espaço no governo.
Por outro
lado, houve o lançamento do Plano Nacional de Agroecologia, o Plano Nacional de Redução de Agrotóxico e essas foram as
luzes no fim do túnel, onde, na quarta parte do relatório, exploramos a
possibilidade de que isso seja hegemônico e que não fique sem recursos e sem
apoio.
IHU
On-Line – Como o senhor avalia a aprovação do projeto de lei que autoriza a retirada
do T, de transgênicos, dos rótulos?
Fernando
Carneiro – Para nós, como cientistas
preocupados com a saúde da população e críticos com relação à tecnologia, não a
percebendo com algo “sagrado” cujos prós e contras devem ser avaliados —
sabemos que há ideologias por trás dos transgênicos —, recebemos esta notícia
como uma grande derrota. Isso porque nega-se um princípio básico, que é o direito à informação. Por que se quer negar esse direito?
Se não há o que temer, por que negar que as pessoas saibam o que estão comendo?
Isso é uma violência que o Congresso Nacional está fazendo contra a população
brasileira.
IHU
On-Line - Como são abordadas as contradições entre os perigos causados pelos
agrotóxicos e a política do agronegócio no Brasil neste capítulo inédito do
dossiê?
Fernando
Carneiro – As três primeiras partes do
dossiê colocam de forma muito detalhada os principais produtos que têm sido
utilizados no Brasil e os danos que eles causam. O que se coloca no quarto
capítulo é uma discussão de paradigma. Ou seja, o paradigma do agronegócio não sustenta um projeto
de agricultura para o futuro do Brasil. Não é sustentável nos tornarmos um
grande exportador de commodities, exportando água, solo, muitas vezes
exportando vidas humanas e a nossa natureza. Esse modelo precisa de insumos
externos o tempo todo (se sobe o dólar já tem gente batendo na porta do governo
pedindo mais subsídios), porque boa parte do que se gasta com agrotóxicos é de
princípios ativos que são importados à base de moeda estrangeira, sem contar na
alta do custo da produção. Estamos falando de um modelo que, apesar de todo o
discurso moderno e dinâmico, vive às custas do Estado brasileiro.
Contraposição
A
contraposição que é colocada no capítulo da agroecologia apresenta um outro paradigma que
respeita os conhecimentos tradicionais, a preservação à vida, um projeto
soberano de país em que nossas sementes estejam sob a nossa guarda, não sob a
tutela de multinacionais que só pensam no lucro. Neste capítulo, caracterizamos
para onde estamos indo e para onde deveríamos ir na perspectiva de uma
sociedade mais justa e sustentável.
IHU
On-Line - Quais são as próximas etapas da pesquisa?
Fernando
Carneiro – Fizemos, no final da última
semana, uma reunião com a equipe de trabalho e a perspectiva é, neste momento,
organizarmos o lançamento do dossiê cujo foco é trabalhar na divulgação,
debater com a sociedade e lançar em todo o país. Esse é nosso compromisso antes
de nos arvorarmos em uma quinta etapa. Não há qualquer tipo de direito autoral,
está tudo disponibilizado na Internet e tentamos cumprir o papel social da
ciência.
Porém o
que devemos fazer nas próximas etapas é trabalhar dois eixos: os agrotóxicos urbanos, desde a nossa casa até as
campanhas de saúde pública, e a guerra química que
foi travada desde os tempos da ditadura até a atualidade contra populações
vulnerabilizadas; ou seja, o uso de agrotóxicos contra populações indígenas,
sem terras ou grupos que estejam incomodando grandes empreendimentos. Há
registros disso e o trabalho da Comissão da Verdade e da Reforma Sanitária está
investigando casos onde isso aconteceu. Em princípio, são dois desdobramentos
em que trabalharemos.
IHU
On-Line - O país ainda se mantém na posição de maior consumidor de agrotóxico
do mundo? Quais são as dificuldades de sair dessa posição?
Fernando
Carneiro – A dificuldade é que não se
tem um plano político de implantar o Plano Nacional de Redução do
Uso de Agrotóxicos. Até mesmo do ponto de vista capitalista seria
mais inteligente não utilizar agrotóxico, pois a redução maximizaria o
lucro. Mas o que acontece é que a grande dificuldade do desenvolvimento do uso
tecnológico dos transgênicos é de estar voltado para “casar” semente com
agrotóxico. Há toda uma cadeia de lucro que depende desse modelo de
monocultura, que faz emergir, inclusive, o uso da palavra “praga”, em que uma
espécie vegetal é cultivada em um ambiente artificial, favorecendo a
proliferação de uma ou outra espécie de insetos que acabam dando o nome de
“praga”. Mas isso é uma característica do agronegócio e a manutenção desses
grandes sistemas artificiais vai exigir sempre o uso de muito agrotóxico e
“tratamentos” com agroquímicos de toda a ordem, pois não há sustentabilidade.
Esse preço está no DNA do agronegócio,
que talvez possa diminuir, racionalizando um pouco com técnicas que deem margem
para isso, mas há um limite. É por isso que defendemos a transição
agroecológica.
Não se
trata de acabar, do dia para a noite, com o uso de agrotóxicos no Brasil, mas conceber um plano que
envolverá investimentos da Embrapa, que, ao
invés de aportar 90% no agronegócio, deveria aplicar a metade; de fortalecer
pesquisas agroecológicas que garantam produtividade e qualidade dos alimentos;
de problematizar a formação de engenheiros agrônomos majoritariamente voltada
para que eles se tornem, na prática, preceptores de veneno, ao invés de se
tornarem profissionais que olhem para a saúde dos ecossistemas,
não ficando focados somente na destruição da praga. É toda uma mudança que
passa pela formação universitária, pelo investimento em pesquisa, pela
valorização de cadeias de produção agroecológica, que até pouco tempo atrás não
podia produzir sem veneno.
Na
ditadura essa aliança atingiu o nível máximo, tanto que os generais ocuparam
cargos de diretoria nestas empresas. Houve, à época, um acordo tal que só se
podia conseguir o crédito caso houvesse a garantia da compra do veneno. Existe
muito compromisso do Estado com toda essa prática, e o Estado brasileiro é muito grande para apoiar o agronegócio,
mas muito pequeno para apoiar a agroecologia. Nosso grande desafio é começar
essa transição em nome de nossa sobrevivência e das futuras gerações.
IHU
On-Line - Nesse contexto, como o senhor avalia o Plano Nacional de Agroecologia
e Produção Orgânica? Como ele tem sido uma alternativa ao uso de agrotóxicos?
Fernando
Carneiro – Ele é uma grande esperança e
uma grande aposta dos movimentos sociais, então deveria ser priorizado
politicamente pelo Estado. O dossiê dá toda a base científica e política para
que isso seja adotado pelo governo como sua prioridade.
IHU
On-Line - O livro está sendo lançado no mês em que a “Campanha Nacional
Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida” completa quatro anos de luta.
Como o senhor avalia a trajetória dessa iniciativa? Quais são os desafios a
enfrentar?
Fernando
Carneiro – É importante dizer que esse
livro, ao longo do processo, envolveu a própria campanha, quando
percebemos que havia outros conhecimentos com relação à luta contra os agrotóxicos que deveriam ser
envolvidos; não se tratava tão somente do conhecimento científico. Em um
determinado momento, que foi ao final da parte três — A Ecologia dos Saberes —, nós envolvemos a
campanha também como autora do dossiê, o que continua nesta quarta etapa. O
dossiê vai ajudar muito a potencializar as ações da campanha, porque foi
construído com esse objetivo, pois pode subsidiar cartilhas para serem
trabalhadas com a população. Já recebemos três convites de lançamento do dossiê
das Assembleias Legislativas dos Estados da Bahia, do Rio Grande do Sul e do
Ceará, e isso potencializará muito a campanha.
IHU
On-Line - Como poderiam ser formuladas campanhas efetivas direcionadas a
consumidores e produtores sobre os riscos dos agrotóxicos?
Fernando
Carneiro – O Instituto de Defesa do Consumidor – Idec, que
participou do lançamento do dossiê, tem um mapa de mais de 400 feiras
agroecológicas, disponibilizado em um aplicativo que ajuda as pessoas a
encontrarem feiras e, inclusive, cadastrar as que não estejam neste mapa. Esse
é só um exemplo de estratégias da sociedade civil que têm colaborado para esta
questão. É muito importante para o consumidor ter opção.
Relação
direta
Se
pensarmos somente nas grandes cadeias de supermercado, eles têm lidado com a
questão da agricultura orgânica ou agroecológica como “Nicho de mercado”. Se
vamos em uma dessas redes e compramos uma alface orgânica por R$ 5 ou R$ 6,
rompemos com aquilo que defendemos na agroecologia, isto é, a alimentação
saudável acessível à população brasileira. Não enxergamos estas redes como
nicho de mercado; queremos acreditar que agroecologia seja algo acessível a todo brasileiro. A Abrasco recomenda que a população busque as feiras
agroecológicas também, porque, se elimina o atravessador, temos uma relação
direta com o produtor e isso fortalece movimento social de luta pela
Reforma Agrária e por um país mais justo.
Após o
lançamento do livro, na última semana de abril, houve um coquetel agroecológico
com uma cooperativa de produtores camponeses, que serviram sucos naturais e
também culinária a partir de elementos produzidos no dia a dia e sem
agrotóxicos. Não passou Coca-Cola, não
passou sucos artificiais, foram só produtos saudáveis. É por isso que devemos
ser coerentes e continuar fiscalizando e, sobretudo, dar o exemplo.
IHU
On-Line - Como o senhor avalia a atuação do Programa Nacional de Redução do Uso
de Agrotóxicos?
Fernando
Carneiro – É muito incipiente. É um
programa que ainda não foi oficializado pelo governo e é importante que se
assuma isso formalmente. É preciso que o Estado destine recursos para este
programa para que ele não seja somente uma carta de intenções, pois não se
trata de um programa com recursos definidos claramente. Então é muito
importante que o governo faça, pois não se trata de um programa com recursos
definidos claramente. Havia uma expectativa de melhorar a vigilância da saúde
com relação às populações no que diz respeito aos agrotóxicos, mas nenhum
resultado disso vem sendo apresentado. O máximo que temos de informação é o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos – PARA,
da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa. Vimos declarações da superintendência da Anvisa
de que “os dados do PARA não são para se
preocupar”, ou seja, a própria entidade tentando amenizar o que ela está mostrando com medo dos desdobramentos em relação ao agronegócio. O
governo está com muito medo de encarar o agronegócio e fiscaliza-lo em termos
de seu impacto na saúde e ambiente. Está na hora do governo criar mais coragem
para defender a vida e a saúde.
IHU
On-Line - Foram realizados novos estudos a respeito dos riscos do uso de
agrotóxicos para a saúde? O que esses dados revelam? Quais são as principais
doenças originadas da contaminação por agrotóxicos?
Fernando
Carneiro – Para além do que já foi
exposto exaustivamente pelo dossiê, há duas grandes novidades, divulgadas muito
recentemente, em abril. Uma delas é o glifosato, que a International Agency for Research on Cancer – Iarc classificou
como uma substância potencialmente cancerígena, inclusive com dados do Brasil,
do Instituto Nacional do Câncer – Inca, e passou a
classificá-lo como um provável carcinógeno humano. Isso é muito sério porque o
glifosato é responsável pela venda de 40% dos agrotóxicos no Brasil e ele é o
herbicida ligado à soja transgênica, uma das principais commodities exportada
pelo Brasil. Isto é gravíssimo.
A outra
questão é que na mesma reunião foi apresentado o Malathion, que é pulverizado
com fumacê, em que se combate a dengue, mas pode gerar câncer segundo a IARC.
Essas aplicações muitas vezes são feitas sem critério, com equipamentos
descalibrados e resultam muito ineficientes. Está a epidemia de dengue que o
Brasil vive novamente que reforça esses argumentos. Podemos imaginar essa
aplicação em uma grande escala, com milhares de pessoas e os impactos que isso
pode gerar caso, no futuro, seja comprovado que esse é um produto
carcinogênico. Estamos falando de milhões de pessoas, o que torna tudo
isso muito grave.
Ministério
da Saúde
O próprio
Ministério da Saúde tem se posicionado de uma forma muito reativa, realizando
poucos diálogos com quem está querendo criticar esses modelos e que busca
outras alternativas que respeitem mais os ecossistemas e a saúde da população. Há outras
experiências exitosas no combate à dengue que não são focadas na solução
química, mas, ao contrário, no investimento em saneamento ambiental, melhorias
das condições de vida. Lembro-me quando o ministro Adib Jatene fez uma proposta de controle do Aedes, um dos maiores componentes era o programa
de saneamento ambiental. O que aconteceu é que justamente foi cortado o recurso
para o saneamento ambiental. No entanto, para a compra de veneno nunca faltou
recurso. Não adianta enxugar gelo com relação à saúde da população brasileira.
IHU
On-Line - Deseja acrescentar algo?
Fernando
Carneiro – Todo esse debate que estamos
fazendo é totalmente contra-hegemônico na ciência brasileira. Mais de 90% dos
pesquisadores ligados aos agrotóxicos e coisas do gênero estão voltados à
maximização do seu uso, e pouca gente está estudando os impactos na saúde e no
ambiente. Fizemos esse levantamento por meio da Plataforma Lattes do CNPq e
disponibilizamos no Dossiê. Tanto que a Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência – SBPC e a Academia
Brasileira de Ciência – ABC, em uma carta recente, fizeram uma
defesa às tecnologias transgênicas que nós repudiamos da
forma que tem sido usada na agricultura, por exemplo. A postura da ABC e SBPC,
a meu ver, é anticientífica, porque coloca a tecnologia como algo sagrado
e não abre margens ao contraditório. Eu pergunto: qual é o impacto na saúde do aumento
do uso dessas tecnologias na agricultura brasileira? A SBPC e ABC tem tomado
posicionamentos frente a imprensa e não há uma consulta ampla as Associações
Científicas como a Abrasco e nem
mesmo há abertura a questionamentos, nem mesmo para debater o princípio da
precaução, o que é reforça o que tenho chamado de postura anticientífica.
O que está
por trás disso? O que se pode adiantar, a partir das pesquisas que estão
registradas no dossiê, é que há conflitos de interesses. Muitos dos
pesquisadores que representam a ABC e a SBPC na CTNBio têm as pesquisas
financiadas pelas empresas que se beneficiam do agronegócio, e sabemos todos
que na CTNBio não há espaço para discutir conflitos de interesse, mas temos que
discutir isso. A ciência deve servir a quem, ao mercado ou a população
brasileira? Ou seja, o que o dossiê exibe é que “o Rei está nu” e descreve as relações entre entidades
como a Embrapa, que fazem testes de agrotóxicos, com os serviços
privados que lucram com o agronegócio, ao mesmo tempo que se disponibiliza uma
estrutura pública para isso. O resultado disso tudo é um totalitarismo em
que o Mercado dita as normas, o Estado se ausenta e o Congresso dá carta
branca. Isso é o que ocorre e daí a importância de o debate acontecer, porque
ele grita frente ao silêncio opressivo dos interesses que os grandes grupos
querem impor sobre nós.
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