20 Maio
2015
Está em
curso um debate que poderia ser chamado de "o último grito de
desespero". Importantes "cientistas" da linha de frente de
defesa do agronegócio jogaram a toalha e desistiram de tentar defender os
agrotóxicos. Mas continuam se agarrando à sua última tábua de salvação: os
transgênicos. Para isso, vem tentando agora desvincular agrotóxicos e
transgênicos, numa tentativa desesperada de justificar o injustificável. Abusam
de argumentos de autoridade, duplicam a área plantada do Brasil, reduzem pela
metade a área de transgênicos e quadruplicam a produtividade da agricultura
brasileira. Quando falta o argumento, sobra a criatividade.
O artigo a
seguir, publicado no Brasil de Fato,
sintetiza o debate:
12/05/2015
Por
Leonardo Melgarejo, Rubens Nodari, Paulo Kkageyama, José Maria Ferraz, Marijane
Lisboa, Suzi Cavalli e Antonio Andrioli*
Walter
Colli, Helena Nader e Jacob Palis Junior – pesquisadores ligados à organizações
científicas, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) –
publicaram na Folha de S. Paulo, em 8 de abril, o artigo “Ciência, Sociedade e
a Invasão da CTNBio” (http://naofo.de/4e0h), elogioso à uma suposta
excelência dos trabalhos da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança
(CTNBio), e aprovação de organismos geneticamente modificados, embora sem a
devida consulta à comunidade científica.
Hugh
Lacey, José Corrêa Leite, Marcos Barbosa de Oliveira e Pablo Rubén Mariconda – membros
do Grupo de Pesquisa em Filosofia, História e Sociologia da Ciência e da
Tecnologia do Instituto de Estudos Avançados da USP – publicaram,
no Jornal da Ciência, o texto “Transgênicos: malefícios, invasões e diálogo”,
crítico àqueles posicionamentos (http://migre.me/pPmWZ).
Posteriormente,
Paulo Paes de Andrade, Francisco G. Nóbrega, Flávio Finardi Filho, Walter Colli
e Zander Navarro – este último um sociólogo e os demais ex-membros da CTNBio –,
buscaram reforçar o artigo original, na nota “Transgênicos: benefícios e diálogo”
(http://migre.me/pPnjv),
utilizado, para tanto, argumentos que merecem reparos.
Desconsiderando
observações cabíveis em termos das associações e interesses dos autores deste
último artigo, cabem os seguintes comentários:
1 – Os
presidentes da SBPC, Helena Nader, e da Academia Brasileira de Ciências (ABC),
Jacob Palis Junior, criticados pelo fato de, no artigo original, associarem
suas percepções individuais às organizações cientificas que dirigem, não mais
figuram entre os envolvidos no debate. Em seu lugar, surgem ex-membros da
CTNBio notabilizados pelo empenho exercido em favor da aprovação dos Organismos
Geneticamente Modificados (OGMs), e um sociólogo que desde algum tempo vem
ocupando espaços na mídia para enaltecer os benefícios das modernas
biotecnologias e do agronegócio.
2 – Os
autores negam relação entre o uso de agrotóxicos e transgênicos quando, bem
sabem, a quase totalidade destas plantas incorporam transgenes que só servem
para protegê-las da aplicação de herbicidas, ou requerem aplicação de
inseticidas, já que não apresentam resistência plena às pragas alvo, nem
tampouco às demais pragas.
Desprezam
também o fato de que nos anos mais recentes a CTNBio só tem aprovado liberações
de plantas "piramidadas", ou seja, que permitem aplicações de
diferentes tipos de venenos num só transgênico.
Fingem
ignorar, ainda, que o surgimento de plantas resistentes a herbicidas está
levando os agricultores a "ampliar a dose" ou "aumentar o número
de aplicações", expandindo o uso daqueles produtos. É no mínimo alarmante
que pesquisadores com acesso facilitado a meios de comunicação de massa
distorçam fatos de seu conhecimento, saber este acessível a qualquer cidadão
que lide minimamente com a realidade agrícola brasileira.
3 – Os
mesmos autores exaltam o fato de que a quase totalidade da soja, do milho e do
algodão cultivados no país adotem esta tecnologia, mas esquecem que justamente
elas são as principais consumidoras de agrotóxicos.
4 – Além
disso, os autores "expandem" a área cultivada no país e alteram a
proporção ocupada com transgênicos (que afirmam ser 30%, quando infelizmente já
alcança 54%) e idealizam os ganhos de produtividade da agricultura (que apontam
em 200% quando na realidade são de 43%). E, para finalizar, comparam o
crescimento da área cultivada com transgênicos (partindo do zero) com o
crescimento do volume de agrotóxicos na agricultura como um todo (como se não
houvesse utilização de venenos em períodos anteriores a 2003).
Alunos que
cursam estatística básica não ousariam tanto; revistas com conselho editorial
não permitiram publicação tão fantasiosa (para detalhes ver crítica de Alan
Tygel em http://migre.me/pWopV).
Sugere-se
aos leitores, que possivelmente não acompanhem estes temas, forte
questionamento com base no conhecimento científico disponível. Interpretações
que se confundem com campanhas de marketing e malabarismos numéricos aportadas
ao Jornal da Ciência (Publicação da SBPC) sempre estiveram e devem estar sob o
crivo dos pares no âmbito da SBPC.
5 – Os
autores dão especial atenção à tecnologia Bt, e às características das
proteínas inseticidas (na verdade toxinas) embutidas em todas as células
vegetais daquelas Plantas Geneticamente Modificadas (PGMs). Comparam estas
lavouras com aplicações de lagartas pulverizadas, tratamento biológico usado
com êxito há mais de 50 anos no país.
Entretanto,
deixam de informar o seguinte: o uso massivo das toxinas presentes nas lavouras
Bt está (i) determinando o aumento da frequência ou o surgimento de insetos
resistentes, (ii) afetando predadores naturais, (iii) provocando a emergência
de pragas secundárias, (iv) obrigando a aplicação de novos inseticidas, e (v)
estimulando o uso intensivo daqueles agrotóxicos usados no passado, e que hoje
pouco ajudam.
Mais do
que isso, a lavoura transgênica está inviabilizando o uso de tecnologia
sustentável, praticada pelos agricultores, que controlavam pragas pulverizando
inseticidas biológicos como Dipel, mas fazendo isso apenas nos focos de
infestação e diante de sérias ameaças de danos econômicos. Nas lavouras Bt isso
não ocorre. Elas correspondem a produção e secreção de 5 mil a 15 mil vezes
mais toxinas que as naturalmente produzidas no solo, durante o tempo todo de
cultivo e por todas as células das plantas Bt, afetando a todos os demais
organismos, notadamente os benéficos, em sua volta, independente de presença de
lagartas e dispensando avaliações de implicações econômicas.
Obviamente
isso afeta comunidades de seres que não são alvo da tecnologia, presentes no
solo e na água, com implicações ambientais ainda desconhecidas. Além disso,
deve ser considerado que, em menos de uma década estas PGMs do tipo Bt já estão
inviabilizando uma tecnologia amigável ao ambiente, que vinha sendo usada com
sucesso, ao longo dos últimos 50 anos.
Contradição
É, no
mínimo, enganosa a afirmativa de que agricultores que cultivam milho, soja e
algodão Bt não precisam usar ou não usem inseticidas. Os fatos, documentados
inclusive por distintos órgãos de comunicação indicam que usam sim, porque
precisam. E cada vez mais. E também usam herbicidas, porque hoje até estes
transgênicos do tipo Bt incorporam transgenes de tolerância a glifosato,
glufosinato, 2,4-D, e haloxifope, entre outros.
Portanto,
não há qualquer fundamentação científica para a afirmativa de que "as
plantas transgênicas no mercado não prejudicam o ambiente ou a saúde humana e
animal".
Também é
distorcida a afirmativa de que "bilhões de animais e pessoas se alimentam
com produtos formulados a partir de milho, soja, canola e outras plantas
transgênicas e nenhum, absolutamente nenhum, problema de saúde foi
comprovado". Não existem estudos de longo prazo nesse sentido, além de que
todos os testes são realizados examinando apenas riscos de intoxicação aguda.
Nestes 20 anos de consumo de PGMs e seus derivados nenhum estudo relevante
desenvolvido para constatar a inocuidade tem base cientifica não
questionável. E isto é reconhecido pelos autores do artigo, quando
Paulo Paes de Andrade,Francisco G. Nóbrega, Flávio Finardi Filho, Walter Colli,
e Zander Navarro afirmam que está em andamento grande teste em campo aberto,
onde todos somos ‘cobaias’.
Concordamos
com isso, e lamentamos o empenho de alguns, em aprovar o PL 4148/2008, que
pretende, literalmente, esconder os transgênicos dos consumidores, impedindo o
estabelecimento de relações de causa e efeito entre o que nós, as ‘cobaias’,
compramos no supermercado e entre o que elas, as empresas detentoras da
tecnologia defendida por aqueles autores, vendem aos agricultores. Com sua
aprovação será negado aos brasileiros, com base naqueles falsos argumentos de
“segurança comprovada ao consumo”, um direito básico constitucionalmente
assegurado aos consumidores: o direito à informação.
Não é
surpresa o que está expresso no referido artigo, pois os autores, quando
membros da CTNBio sustentaram as mesmas afirmativas, e sempre votaram a favor
da liberação comercial destes produtos, em muitos casos contrariando
posicionamento de representantes dos Ministérios da Saúde, do Meio Ambiente, do
Desenvolvimento Agrário e de outras representações, como a dos agricultores
familiares e a da saúde do trabalhador, que pediam mais estudos e alertavam
para os riscos envolvidos.
O exame de
pareceres favoráveis a aprovação das PGMs apresentados por muitos dos membros
da CTNBio, por si só já é suficiente para rejeitar o argumento de que "os
membros da CTNBio empregam uma vasta literatura para apoiar seus pareceres e
não apenas os dados trazidos pela empresa". Não é o que se verifica na
prática, pelos menos até este momento! No entanto, a vasta literatura adicional
está quase que exclusivamente presente naqueles outros pareceres que pedem a
rejeição ou mais estudos, trazendo artigos e publicações científicas que
contradizem assertivas dos proponentes da tecnologia.
Por estes
e outros motivos, entendemos que, contrariamente ao que Navarro, Andrade,
Colli, e Nobrega, apregoam, estão certos Lacey, Correa Leite, Oliveira e
Mariconda, em sua preocupação com a incorporação de elementos de natureza
ética, aos debates que envolvem a CTNBio, seus componentes e suas deliberações,
bem como o estabelecimento de um diálogo no âmbito das sociedades cientificas.
Em outras
palavras; somos de opinião que neste caso o preconceito contra a maioria dos
membros da CTNBio se faz conceito, é sólido e se justifica, aplicando-se a quem
fez e faz por merecer.
*Leonardo
Melgarejo, Rubens Nodari, Paulo Kkageyama, José Maria Ferraz, Marijane Lisboa,
Suzi Cavalli e Antonio Andrioli, todos os autores são ou foram membros da
Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio)
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