sábado, 9 de junho de 2012

UM PEDÓFILO LÚDICO... ERA SÓ O QUE FALTAVA!


“Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara...”.

Epígrafe do livro Ensaio sobre a cegueira (1995), do escritor português José Saramago (1922 - 2010), retirada do Livro dos Conselhos, do El-Rei d. Duarte (1391 - 1438) de Portugal, embora não cite a data da edição da qual a referida frase foi retirada.


O dia era quinta-feira (7), feriado religioso, já que, todos os anos, resolvem parar o Brasil para comemorar o corpo de Cristo, quiçá para reviverem o martírio que o pobre coitado sofreu ao ser, ainda com vida, literalmente pregado numa cruz. Enfim! Às voltas com uma faxina nos arquivos do meu computador, liguei a televisão e coloquei no único canal que, vez por outra, costumo assistir para saber, mesmo que en passant, o que anda a acontecer no Brasil e no mundo. De súbito, contudo, a fala de uma entrevistada de uma dada reportagem despertou a minha atenção. O canal era o da Band News e a reportagem era sobre o trabalho realizado pelo Núcleo Especial de Atendimento à Criança e ao Adolescente Vítimas de Violência Doméstica e Sexual (NEACA) do município de São Gonçalo, no Rio de Janeiro. Entrevistada, contudo, pela reportagem, certa mãe revelou que só tomou conhecimento de que a filha – a identidade de ambas foi preservada –, frequentadora da entidade, era vítima de abusos sexuais cometidos pelo próprio pai quando ela, com apenas três anos de idade, contou o que se passava dentro de casa – até aí, portanto, o tema, que, apesar repulsivo, já virou lugar-comum, nada tinha de novidade. Porém, o que me chocou foi a declaração da mãe no que dizia respeito ao comportamento do marido em relação à filha do casal:

— Ele fazia isso de uma forma lúdica...

Não deu outra! Parei imediatamente o eu estava fazendo e me detive mais atentamente à reportagem, que prosseguia, bem como a referida mãe, dizendo que, segundo relato da filha, era através de brincadeiras – imagino quais – que o pai pedófilo, tido, segundo a repórter, como “um homem acima de qualquer suspeita”, aproximava-se da criança, que ele havia posto no mundo, e praticava os seus abusos desmesurados. A mãe, por sua vez – eu percebi logo a seguir –, não estava, com a sua, digamos, mal colocada declaração, justificando a atitude criminosa do marido, mas apenas se referindo o tipo de abordagem utilizada por ele para alcançar os seus objetivos. Só que, aí, ela passou a se culpar pelo ocorrido:

— Como é que eu escolhi esse pai para minha filha? Caramba! Como é que eu não vi?

Ora! Se os atos eram ilícitos e amorais, nunca que ela iria ficar sabendo. A não ser, claro, se alguém, testemunha ou participe dos mesmos, os contasse. No caso, a própria filha e, muito provavelmente, de uma forma inocente, como se os abusos que sofria fossem normais e naturais numa família. Quanto ao fato de saber qual homem escolher para ser pai de um filho seu, uma mulher deve, antes de tudo – falo isso sem nenhuma intenção de ditar normas de conduta –, saber se esse mesmo homem satisfaz as suas necessidades pessoais para ser seu marido. Agora, no que diz respeito ao fato do seu alheamento, ou seja, de não ter percebido que, sob o teto que dividia com a família, desenrolava-se uma trama macabra... Para começo de história, ocorre que, a priori, acredito que sequer passa pela cabeça de alguém considerado dentro dos ditos padrões de normalidade a ocorrência de uma maldade tão vil como a pedofilia, sobretudo envolvendo um dos genitores da vítima, naquele muitas vezes chamado por ele de lar-doce-lar.

Afinal, se esse tipo de hipótese ou de especulação começar a passar na mente de quem quer que seja, vai terminar que ninguém mais vai se casar nem, muito menos, desejar ter filhos. Ao mesmo tempo, diante do recente aumento – alarmante, por sinal – das denúncias de casos de pedofilia, com essa deplorável realidade ganhando maior visibilidade na mídia e, consequentemente, encorajando vítimas que, até então, por diversos motivos, silenciavam sobre a sua condição, não irá me admirar o dia em que, antes do início de uma relação amorosa, os respectivos interessados na união coloquem em questão, mesmo que intimamente, a possibilidade de o outro ser pedófilo. E isso se o questionamento for além, passando a ser verbalizado. Ou seja, uma patologia mental, que é a pedofilia, vai findar por gerar outra, que é a neurose. E, no caso, coletiva.

Aqui, um parêntese: lembrei-me que quando o escritor e jornalista inglês George Orwell (1903 - 1950) lançou 1984 (Nineteen Eighty-Four), digamos que 35 anos antes do ano que dá título ao livro, ou seja, em 1949, causou o maior alvoroço – óbvio que eu nem existia nessa época, mas soube da polêmica e, além disso, li o livro. O que quero dizer com isso? É que, se o romance tornou-se famoso por sua denúncia de que, se não for combatido, como o próprio autor – um visionário – comentou, numa carta a um amigo, meses antes da sua morte, “o totalitarismo pode triunfar em qualquer lugar”. E isso porque, no livro, Orwell simplesmente alerta para o ilimitado controle que um regime totalitário pode exercer na vida dos cidadãos e, por conseguinte, na invasão dos seus direitos individuais. Ou seja, tudo o que, não é de hoje, já temos visto e constatado – tem até quem possui um chip inserido no seu corpo, voluntariamente ou não, sendo todos os seus passos, portanto, monitorados...

Bom! Do jeito que as coisas andam, no caso da pedofilia, as próprias crianças, que hoje têm acesso fácil a todo e qualquer tipo de informação, conseguem desafiar as ameaças e, de uma forma ou de outra, tocam no assunto, embora, muitas vezes, de uma maneira inconsciente. Como foi o caso da menina mencionada no início desta postagem, cujo abuso sexual sofrido veio à tona, pelo que deixou transparecer a reportagem, espontaneamente. No entanto, como orientou uma das responsáveis pelo NEACA, o fundamental para a descoberta de práticas de pedofilia é a observação, já que, segundo ela, os sintomas manifestados por uma criança vítima de violência sexual podem, invariavelmente, ser confundidos com outros tipos de violência. E quais seriam esses sintomas? O mais evidente é o da mudança brusca de comportamento. Ou seja, se a criança costuma ser extrovertida, quando passa a sofrer abusos sexuais, não demora muito e ela logo se torna introvertida. E vice-versa.

Não obstante, a representante do NEACA acrescentou, ainda, que, independentemente do grau de parentesco, quando alguém desconfia que uma criança esteja sendo abusada sexualmente, mas que silencia em relação ao fato ou, se questionada, nega-o, o aconselhável é tomar as devidas providências para conseguir encaminhar essa criança a um órgão ou entidade competente a fim de, através de uma ajuda especializada, ela revele a sua condição de vítima, que – diga-se de passagem – não são poucas. Em São Gonçalo, por exemplo, segundo dados fornecidos pela reportagem, cerca de 250 casos são denunciados por mês. O que dirá nos demais municípios do Rio de Janeiro e no restante do país! Falando nisso, em casos de denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes, o Estado do Rio de Janeiro só perde para São Paulo e Bahia, sendo que, segundo dados do Ministério da Saúde, divulgados em maio deste ano, de todos os tipos de violência, a sexual só perde para o abandono e a negligência. Enfim! Para a minha frustração, a reportagem chegou ao final e fiquei sem saber qual teria sido o destino dado ao estuprador que, sabe-se lá desde quando, resolveu dá vazão a sua terapia “lúdica” – na verdade, um transtorno perverso.



Falando em perversão:


“A humanidade não consegue suportar muita realidade...”.

T. S. Eliot (1888 - 1965)
Poeta britânico de origem norte-americana


Literalmente com honras de Estado – ou seriam desonras? –, a Bahia lidera o ranking de denúncias de abusos sexuais cometidos contra crianças e adolescentes no país – São Paulo vem em segundo lugar e, em terceiro, como já foi dito, o Rio de Janeiro. No caso do primeiro colocado, a informação não saiu do nada não, tipo despencando do Elevador Lacerda, que liga a Cidade Alta à Cidade Baixa, nem rolando de uma ladeira qualquer do Pelourinho, muito menos de uma das inúmeras lavagens das escadarias de sabe-se lá quantas igrejas existentes na Bahia, que, vale salientar, nem adianta dá guarida a todos os santos, já que ninguém – é o que parece – toma uma atitude decente para reverter esse deprimente diagnóstico. E a fonte da informação é quente. Não é enganosa como quando um inocente desaviado pede um acarajé quente na temperatura e o recebe quente no tempero de uma pimenta infeliz. A informação, portanto, resultou de um recente levantamento, realizado a nível nacional, pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH). O problema, contudo, da situação da Bahia, chega até mesmo a ser um paradoxo: os inquéritos instaurados e as investigações concluídas são desproporcionais ao alto índice de casos denunciados.

Enfim! Um tema que revira as minhas vísceras, despertando no meu ser instintos primitivos de justiça. Tanto que eu não hesitaria em trancafiar numa solitária o fdp que, na tarde da terça-feira (5), no município de Vera Cruz, na Ilha de Itaparica, na Bahia, abusou do álcool e estuprou duas gêmeas de apenas dois anos de idade – ocorre que ambas eram filhas biológicas do agressor. Porém, sabe-se lá por quais motivos, o desnaturado pai levou as crianças a um posto de saúde local alegando que elas haviam caído de uma escada. Não obstante, ao serem examinadas por uma médica, uma delas, não resistindo à tamanha barbárie, já estava morta. A sobrevivente, imediatamente internada, embora o seu estado de saúde não tenha sido divulgado. Só que o fato logo o foi e, indignada, a população quis linchar o acusado, que, autuado em flagrante por homicídio, estupro de vulnerável, lesão corporal e tortura, encontrava-se detido na 24ª DP de Vera Cruz, sendo, devido as ameaças de linchamento, fora e dentro da cadeia, transferido para Salvador. A mãe, por sua vez, no momento em que a tragédia aconteceu? Atrás das grades, presa por associação ao tráfico de drogas. Daí ter deixando as gêmeas com o seu próprio algoz, enquanto uma filha do casal, de dez anos de idade, mora com a avó materna em Salvador.

A idosa, por sua vez, depois da prisão da filha, quis a guarda das gêmeas, mas o pai, que já era fichado na polícia por receptação de carga roubada, entre outros delitos, fugiu com elas para Vera Cruz, onde, segundo os vizinhos, vez por outra, alcoolizado ou não, batia nas crianças – recuso-me, portanto, a digitar o nome desse psicopata para não macular ainda mais a minha postagem nem os meus preciosos dedos a digitá-lo no teclado do meu computador. Isso sem falar que o mesmo já foi amplamente divulgado pela mídia e o seu portador devidamente encarcerado. Porém, como eu ia dizendo, além de pôr o criminoso numa solitária, mas não tão solitária assim, pois estaria repleta de asquerosas baratas e ratazanas, eu o deixaria, sem dó nem piedade – isso é coisa de cristão –, na mais completa míngua, sem pão nem água, jogando a chave do cubículo fétido nas águas da Baía de Todos os Santos, que, além de já poluídas, estão, agora, manchadas de sangue inocente, impossibilitando, portanto, até o mais hábil dos mergulhadores a se atrever no resgate da tal chave. Outra opção? Caso existisse ainda algum autêntico exemplar dos tupinambás, eu deixaria de lado as baratas e as ratazanas e, no seu lugar, colocaria o índio dentro da dita solitária. Só que, detalhe: os tupinambás eram canibais...

Vera Cruz? Deixando de ser um dos pontos turísticos mais visitados do país e não mais o primeiro destino turístico da Bahia. Enfim! Certa feita, o naturalista britânico Charles Darwin (1809 - 1882) chegou a uma brilhante conclusão:

— Devemos reconhecer que o homem, com todas as suas nobres qualidades, ainda sofre, na sua prisão corpórea, a indelével marca da sua humilde origem...

Ou seja, a de um troglodita.


Nathalie Bernardo da Câmara




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