quinta-feira, 28 de junho de 2012

RECICLAGEM: MENTES PEDEM PASSAGEM

Tradução: Obrigado por não sujar a sua mente.

“Deus não existe fora da cabeça das pessoas que nele creem. (...) O cérebro humano é um grande criador de absurdos. E Deus é o maior deles...”.

José Saramago (1922 - 2010)
Escritor português, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, no dia 17 de outubro de 2009.


Sem provocação – não vem ao caso –, muito menos sem a intenção de causar polêmica, sobretudo hoje, quando se comemora o Dia Mundial da Renovação Espiritual, acredito que nada impeça de que até mesmo o mais empedernido dos crentes faça uma reflexão, digamos, sobre a possibilidade, como disse saramago, da existência de Deus limitar-se à mente daqueles que nele creem. Porém, o mais agressivo e o mais grave de tudo isso é a constatação de que, ultrapassando os limites do preconceito – um direito que todos nós temos –, as pessoas que mais discriminam e execram os ateus são aquelas que, muitas por fanatismo, possuem uma dada religião e acreditam em Deus como um ser supremo e criador de todo o universo, distorcendo a realidade. 

Daí que, mesmo não sendo do meu feitio fazer apologia a nada nem a ninguém, embora, não importa qual a situação, defenda com convicção as minhas ideias, visto que não paira sobre elas sequer um grão de dúvida nem de hesitação, nem, muito menos, julgo as opções das pessoas, quaisquer que sejam elas – não é à toa que somos indivíduos e, portanto, cada um de nós tem a sua individualidade, que deve ser respeitada, bem como o direito a fazer escolhas –, nada justifica, por exemplo, guerras que são fomentadas e desencadeadas por motivações religiosas – já não bastam as que são engendradas por ensandecidos capitalistas, focados, única e exclusivamente, no acúmulo das suas economias mediante a apropriação indevida, por meios bélicos, das de outrem? Resumindo: a única diferença entre o primeiro e o segundo caso é o motivo que leva as suas eclosões, já que para detoná-las basta uma mente doentia, criminosa – nisso eles são iguais. No caso, contudo, das guerras motivadas por não importa qual religião, vale salientar que todas, sem exceção, tentam justificar as suas barbáries em nome de Deus ou, dependendo da crença, de outra identidade qualquer que tenha esse ser sobrenatural.

E fico a me perguntar que Deus é esse, ou não importa a identidade que conste no passaporte que lhe dão as mais diversas religiões, que, embora seja visto por muitos como um ser bondoso, caridoso e por aí vai, ao mesmo tempo não evita massacres, genocídios e por aí também vai. Por acaso seria Deus um caso típico de bipolaridade? Ou teria ele dupla personalidade? Ou não seria nada disso e, na verdade, no caso das religiões, ele não passaria de um laranja para justificar as guerras ditas santas? Afinal, não é sempre em seu nome que muitas atrocidades são cometidas? Então! Se assim o é, Deus no mínimo é conivente com os extermínios em massa, por exemplo, cometidos por seres de carne e osso e que, por isso, sangram – se são humanos, eu não sei, tenho as minhas dúvidas, mas que são mortais tenho plena certeza. Na verdade, os que usam o nome de Deus para os mais diversos tipos de crimes pouco se importam com ele nem, muito menos, se, de fato, o dito cujo realmente exista, já que, amparados por suas supostas motivações, o que verdadeiramente desperta os seus instintos criminosos, impelindo-os para as guerras, resume-se a uma única palavra: poder.

E isso também inclui os que adoram um conflito bélico! Se não provocarem um, não encontram satisfação. O pior, entretanto, é que eles nunca se satisfazem, visto que sempre estão a inventar não importa qual pretexto que possa justificar as mortandades que promovem. E tudo isso por qual motivo? Por poder, porque cobiçam riquezas que não lhes pertencem. Reservas de petróleo é um exemplo... Sem falar que, em tempos de aquecimento global, de degelo, de desertificação, de escassez de água, as próximas vítimas de predadores tão gananciosos serão os países que ainda detêm os seus recursos naturais em dia, como, por exemplo, os seus mananciais.

E penso na esdrúxula historieta de Adão e Eva – inclusa a serpente, óbvio! Aquela coisa toda da maçã, do dito pecado original e por aí vai. De imediato, num estalo, lembrei-me de um texto que escrevi à época em que Saramago andava às voltas com a divulgação e a polêmica repercussão provocada por Caim, livro publicado por ele em 2009, intitulado Que seja feita a vontade de Deus?Parte IIIAdão, Eva e a serpente, publicado originalmente neste blog no dia 1° de junho de 2010 e republicado no dia 14 de maio de 2011: http://abagagemdonavegante.blogspot.com.br/2010/05/que-seja-feita-vontade-de-deus-parte.html


A Serpente não tem nada a ver com nada

“Quem julga as pessoas não tem tempo para amá-las...”.

Madre Teresa de Calcutá (1910 - 1997)
Religiosa indiana de origem albanesa, agraciada com o Prêmio Nobel da Paz em 1979.


Sem querer prolongar-me demais, mencionarei en passant um livro para lá de instigante, que é Deus, um delírio, lançado em 2007, do biólogo Richard Dawkins, nascido em Nairóbi, no Quênia, mas radicado na Inglaterra, que, inclusive, em 2005, foi considerado um dos três intelectuais mais importantes da atualidade pela revista inglesa Prospect Magazine – em segundo lugar ficou o semiólogo e escritor italiano Umberto Eco e em primeiro o linguista e ativista político norte-americano Noam Chomsky, crítico contundente da política externa dos Estados Unidos. Bom! No livro de Richard Dawkins, segundo o jornal The Times, “a debilidade intelectual da crença religiosa é desnudada sem piedade, assim como os crimes cometidos em nome dela”. Tanto que, já no prefácio do livro, o autor faz referência a um anúncio publicitário de uma televisão britânica para divulgar um programa que ele próprio apresentava, ou seja, “uma fotografia da silhueta dos prédios de Manhattan com a legenda: Imagine um mundo sem religião. Qual era a ligação? A presença gritante das torres gêmeas do World Trade Center.

Imagine, junto com John Lennon, um mundo sem religião. Imagine o mundo sem ataques suicidas, sem o 11/9, sem o 7/7 londrino, sem as Cruzadas, sem caça às bruxas, sem a Conspiração da Pólvora, sem a partição da Índia, sem as guerras entre israelenses e palestinos, sem massacres sérvios/croatas/muçulmanos, sem a perseguição de judeus como ‘assassinos de Cristo’, sem os ‘problemas’ da Irlanda do Norte, sem ‘assassinatos em nome da honra’, sem evangélicos televisivos de terno brilhante e cabelo bufante tirando dinheiro dos ingênuos (‘Deus quer que você doe até doer’). Imagine o mundo sem o Talibã para explodir estátuas antigas, sem decapitações públicas de blasfemos, sem o açoite da pele feminina pelo crime de ter se mostrado em um centímetro”.

No prefácio, ainda, o próprio Richard Dawkins, convida o leitor “a pensar sobre as formas pelas quais a religião não é algo tão bom assim para o mundo”. No entanto, uma das suas maiores preocupações diz respeito à educação das crianças. Mais especificamente, diz uma apreciação de Deus, um delírio, ele “compara a educação religiosa de crianças ao abuso infantil”, dedicando o nono capítulo do livro a esse tema:

— Se você se sente aprisionado na religião em que foi criado, valeria a pena se perguntar como isso aconteceu. A resposta normalmente é alguma forma de doutrinação infantil. Se você é religioso, a imensa probabilidade é de que tenha a mesma religião de seus pais. Caso tenha nascido no Arkansas e ache que o cristianismo é a verdade e o islã é a mentira, sabendo muito bem que acharia o contrário se tivesse nascido no Afeganistão, então você é vítima da doutrinação infantil. Mutatis mutandis se você nasceu no Afeganistão.

E o autor prossegue, enfaticamente:

— (...) Quero que todo mundo estremeça quando ouvir uma expressão como “criança católica” ou “criança muçulmana”. Fale de uma “criança de pais católicos”, se quiser; mas, se ouvir alguém falando de uma “criança católica”, interrompa-o e, educadamente, lembre que as crianças são novas demais para ter uma posição nesse tipo de assunto, assim como são novas demais para ter uma posição sobre economia ou política. (...) Não existe criança muçulmana. Não existe criança cristã.

Enfim! Outra conscientização de Richard Dawkins é a de que “o ateísmo quase sempre indica uma independência de pensamento saudável e, mesmo, uma mente saudável. Existem muitos que sabem, no fundo do coração, que são ateus, mas não se atrevem a admitir isso para as suas famílias e, em alguns casos, nem para si mesmos. Isso acontece, em parte, porque a própria palavra ‘ateu’ frequentemente é usada como um rótulo terrível e assustador”. Para ele, “é evidente que há um longo caminho a percorrer. Mas os ateus são muito mais numerosos, especialmente entre a elite culta, do que muita gente imagina”. E acrescenta:

— Na verdade, organizar ateus já foi comparado a arrebanhar gatos, porque eles tendem a pensar de forma independente e a não se adaptar à autoridade.

Por fim, o autor acredita piamente que “há muita gente de mente aberta por aí: pessoas cuja doutrinação infantil não foi tão insidiosa, ou que por outros motivos não ‘pegou’, ou cuja inteligência natural seja forte o bastante para superá-la. Espíritos livres como esses devem precisar só de um pequeno incentivo para se libertar de vez do vício da religião” – vício esse, a meu ver, extremamente pernicioso. 


Ser ou não ser?

“A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa...”.

Paulo Freire (1921 - 1997)
Educador Brasileiro


Uma das preocupações do biólogo Richard Dawkins, autor de Deus, um delírio, que diz respeito à educação das crianças, é, de fato, pertinente. E digo isso por mim. Afinal, venho de uma família na qual, de ambos os lados, o catolicismo sempre predominou. Fui batizada, mas apenas porque, recém-nascida, não me consultaram, além de ter feito a primeira comunhão, embora nem flashes eu tenha da mesma. Só escapei da crisma, pois já discernindo, não tinha nada para confirmar, apesar de deixar tristes as avós, pensando, com todo direito, apenas em mim. Quanto ao diálogo – digamos – da ilustração acima, melhor nem comentar. Dá uma tese.


Nathalie Bernardo da Câmara



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