domingo, 17 de junho de 2012

O HECTARE QUE TE CABE...



17 de junho é o Dia Mundial de Combate à Desertificação e à Seca. Eu só acho estranho e sem propósito algum é o hábito da maioria de, em datas tipo essa, falar em comemoração ou celebração, como se, vale salientar, pelo menos no caso, o dia de hoje tivesse algo de palatável. Pelo contrário! Daí, como o próprio nome já o diz, o dia é de combate. E tem tudo a ver com a reforma agrária. Enfim! Críticas à parte, eu deixo a presente ilustração sem epígrafe – seria redundante –, considerando que o poema nela contido cumpre, por si só, esse papel. E o cumpre muito bem, não somente por sua qualidade, mas, também, por seu autor ser o missionário dom Pedro Casaldáliga, catalão de Barcelona, radicado no Brasil desde 1968. Segundo o escritor, ambientalista e indigenista brasileiro João Carlos Figueiredo, Casaldáliga, hoje com 84 anos de idade, completou 60 anos de ordenação sacerdotal no dia 31 de maio passado. Nomeado bispo em 1971, foi enviado para a prelazia de São Félix do Araguaia, no Mato Grosso, onde, desde então, defende não somente a causa indígena, mas, também, a dos sem-terra e a de demais oprimidos. À época, de acordo ainda com João Carlos, de imediato, ao chegar a São Félix, Casaldáliga “assumiu a defesa dos índios que estavam sendo expulsos de suas terras por grandes projetos agropecuários financiados pelo governo por meio da antiga [Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia] Sudam. Uma carta aberta que ele [Casaldáliga] lançou em 1971, denunciando os problemas enfrentados pelos trabalhadores rurais, é considerada uma espécie de precursora das denúncias do trabalho escravo”. Daí resultando, décadas depois, na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438/2001, ou a PEC do Trabalho Escravo, aprovada no dia 22 de maio pela Câmara dos Deputados. A respeito desse período na vida de Casaldáliga, escreveu Frei Betto:

— Na década de 1970, a ditadura militar (1964 - 1985) ampliou a ferro e fogo as fronteiras agropecuárias do Brasil, devastando parte da Amazônia e atraindo para ali empresas latifundiárias empenhadas em derrubar árvores para abrir pastos ao rebanho bovino. Casaldáliga, pastor de um povo sem rumo e ameaçado pelo trabalho escravo, tomou-lhe a defesa, entrando em choque com os grandes fazendeiros; as empresas agropecuárias, mineradoras e madeireiras; os políticos que, em troca de apoio financeiro e votos, acobertavam a degradação do meio ambiente e legalizavam a dilatação fundiária sem exigir respeito às leis trabalhistas.

Defensor da Teologia da Libertação e fundador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), não foi nada fácil, durante os anos de chumbo, para Casaldáliga lutar pelas causas que até hoje defende. Para João Carlos, o “pastor de um povo sem rumo” tornou-se, para os militares um “inimigo nacional” e cinco vezes réu em processos de expulsão do Brasil – o que não chegou a acontecer, porque, sempre que sofria ameaças, o papa Paulo VI (1897 - 1978) intervia junto ao governo brasileiro. De qualquer modo, apesar da proteção papal, Casaldáliga “continuou sofrendo ameaças e viu um de seus principais assessores ser assassinado” covardemente por policiais militares, o também indigenista e jesuíta brasileiro João Bosco Penido Burnier (1917 -1976). Resumindo: Pelo ardor com o qual sempre defendeu as causas que abraçou, Casaldáliga transformou-se num “dos símbolos da resistência ao arbítrio e da defesa dos mais fracos”. Em 2005, aos 77 anos, aposentou-se, mas permaneceu vivendo em São Félix. À ocasião, Frei Betto escreveu:

— Casaldáliga mora em São Félix num casebre simples, sem outro esquema de segurança senão o que lhe asseguram três pessoas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Calçando apenas sandálias de dedo e uma roupa tão vulgar como a dos peões que circulam pela cidade, Casaldáliga amplia sua irradiação apostólica através de intensa atividade literária.

Tanto que foi também através da sua pena e da sua voz que ele protestou contra todo tipo de opressão, denunciando os opressores – opressão e opressores esses que, até hoje, ainda lhe tiram o sono, tira a paz daquele que, para Frei Betto, “pelos riscos de vida enfrentados e as adversidades sofridas”, é muito mais do que um herói.



Falando em versos:



Esta cova em que estás com palmos medida
é a conta menor que tiraste em vida.
É de bom tamanho, nem largo nem fundo,
é a parte que te cabe deste latifúndio.
Não é cova grande, é cova medida.
é a terra que querias ver dividida...

Trechos da composição Funeral de um lavrador
Letra e música: Chico Buarque



RAIOS-X DE UMA CENA RURAL



Só que eu perguntaria: até quando?

Nathalie Bernardo da Câmara


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Aceita-se comentários...