terça-feira, 19 de junho de 2012

O ADVOGADO DAS CAUSAS DITAS PERDIDAS...

Francisco Julião em 1939, quando da sua na formatura em Direito (Foto: Divulgação).

“Eu sonho com um mundo socialista, fraternal e igualitário, em que o homem não sinta a angústia de viver, mas sim a necessidade de realizar-se como ser humano...”.

F. J. (1915 - 1999)
Advogado, político e escritor brasileiro. Em 1983, quando concedeu uma entrevista ao jornalista e escritor brasileiro Geneton Moraes Neto, intitulada Um depoimento para a História: o homem que agitou os canaviais, Francisco Julião citou a frase acima.


Ele ficou conhecido como o fundador das Ligas Camponesas, embora tenha dito que tal mérito sempre não passou de um equívoco. Em entrevista concedida ao jornal O Pasquim, publicada na edição de 12 de janeiro de 1979, Francisco Julião explica o mal entendido:

— De 1940 a 1955, trabalhei como advogado de camponeses. Não fundei a Liga. Ela foi fundada por um grupo de camponeses que a levou a mim para que desse ajuda. A primeira Liga foi a da Galiléia, fundada a 1º de janeiro de 1955 e que se chamava Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco [(SAPPP)]. Foi um grupo de camponeses com uma certa experiência política, que já tinha militado em partidos, de uma certa cabeça, que fundou o negócio, mas faltava um advogado e eu era conhecido na região. Foi uma comissão a minha casa, me apresentou os estatutos e disse: ‘Existe uma associação e queríamos que você aceitasse ser o nosso advogado’. Aceitei imediatamente. Por isso o negócio veio bater na minha mão. Coincidiu que eu acabara de ser eleito [1954] deputado estadual pelo Partido Socialista [Brasileiro (PSB)] e, na tribuna política, me tornei importante como defensor dos camponeses. [1] Um dos membros da comissão que buscou a ajuda de Julião em nome da associação era Zezé da Galiléia, forte liderança do movimento...

Questionado, ainda, pela reportagem de O Pasquim sobre o surgimento do nome Liga, Francisco Julião disse que quem batizou a SAPPP com esse nome foram os jornais de Recife, em 1955, para torná-la ilegal:

— A Liga Camponesa começou como sendo crônica polical. Qualquer coisa relacionada com a Liga estava na página policial, porque consideravam ue tudo que acontecia no campo não era senão uma série de delitos cometidos pelos camponeses sob a orientação desse fulano de tal, esse senhor advogado e agora deputado que criava conflitos, tirando a paz do campo. Mas, como o nascimento da Liga coincidiu com a chegada de Juscelino [Kubitschek (1902 - 1976)] ao poder, com o problema do desenvolvimentismo, havendo uma certa euforia na burguesia nacional para quebrar os latifúndios e criar indústrias de transformação, entõ essa coincidência nos favoreceu. [2]

Para o geógrafo brasileiro Ariovaldo Umbelino de Oliveira, no seu Modo de produção capitalista, agricultura e reforma agrária, “as Ligas Camponesas tornaram-se, pois, o primeiro social de luta pela reforma agrária que ensaiou uma organização de caráter nacional”. Segundo a socióloga e ambientalista brasileira Aspásia Camargo, citada no livro acima mencionado, “a partir do seu surgimento, as Ligas deixaram de serem organizações e passaram a ser um movimento agrário, que contagiou um grande continente de trabalhadores rurais e também urbanos”. [3] Não obstante, de acordo, ainda, com a socióloga, “as primeiras Ligas Camponesas surgiram no Brasil em 1945, logo após a redemocratização do país depois da ditadura do presidente Getúlio Vargas (1882 - 1954). Camponeses e trabalhadores rurais se organizaram em associações civis”. Para ela, contudo, a iniciativa e a direção de tais associações eram do recém-legalizado Partido Comunista Brasileiro (PCB), sendo, assim, “criadas ligas e associações rurais em quase todos os estados do país”. [4]

Na condição, portanto, de advogado do movimento e o seu maior defensor nas tribunas parlamentares, recebendo a adesão e o apoio de idealistas, estudantes e intelectuais e demais segmentos da sociedade para a causa dos camponeses, que havia igualmente se tornado uma causa sua, Francisco Julião transformou-se na principal liderança nacional das Ligas Camponesas. Então! Da trajetória política de Julião sabe-se que ele foi eleito deputado estadual por duas vezes consecutivas pelo PSB, em 1954 e em 1958, bem como deputado federal por Pernambuco, igualmente pelo mesmo partido, em 1962, embora cassado e preso em 1964. Sabe-se, também, que o PSB foi transformado em partido político em 1947, mantendo, por sua vez, o mesmo programa e propostas do seu embrião, a Esquerda Democrática (ED), criada em 1945, com a queda do Estado Novo. Sabe-se, ainda – basta conferir no site oficial do PSB na internet –, que, entre outros, os fundadores da ED foram o jurista e escritor João Mangabeira (1880 - 1964); o militar, jornalista e advogado Domingos Netto de Vellasco Netto (1899 - 1973); o jornalista e escritor Rubem Braga (1913 - 1990); o jornalista e escritor Joel Siveira (1918 - 2007); o escritor e jornalista José Lins do Rego (1901 - 1957); o historiador, crítico literário e jornalista Sergio Buarque de Hollanda (1902 - 1982) e o sociólogo, escritor e crítico literário Antonio Candido. O nome de Francisco Julião não é mencionado...


Uma chama acesa em meio ao fogo morto

Francisco Julião (de terno escuro) com Zezé da Galiléia (de chapéu), um dos líderes do movimento camponês pernambucano, no dia 8 de outubro de 1959 (Foto: Divulgação).

“O que nós queríamos é que o latifúndio, com as suas sobrevivências feudais, desaparecesse diante do avanço da sociedade brasileira para um mundo já industrializado...”.

F. J.
No depoimento que prestou ao jornalista e escritor Geneton Moraes Neto em 1983.


Incendiário, comunista, agitador, santo dos sem-terra, peregrinando pelos canaviais, já que fizera a opção de não defender os poderosos, enquanto, aos olhos de quem o combatia, era o diabo em pessoa... Foram muitos os adjetivos atribuídos a Francisco Julião, o advogado que, por cerca de quinze anos, de 1940 a 1955, abraçou a causa dos camponeses, embora mais casos isolados, defendendo os seus direitos. Em 1945, por exemplo, notabilizou-se por uma original declaração de princípios em defesa dos trabalhadores rurais, mais conhecida como Carta aos foreiros de Pernambuco. Em 1955, decide ajudar a comissão que o procurou para assessorar, na condição de advogado, a Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco (SAPPP) no Engenho Galiléia, localizado em Vitória de Santo Antão, em Pernambuco, distando pouco mais de 50 km de Recife. O Engenho Galiléia, que se tornou um engenho de fogo morto, quando se extingue a produção do açúcar, mas não a plantação da cana, destinada as usinas, e que depois, arrendou as suas terras para os camponeses, foi o berço, por assim dizer, do movimento que ficou conhecido como Ligas Camponesas. Quando então procurado pela comissão da associação dos que haviam arrendado as terras, Julião levou a luta dos galileus, que reagiam ao aumento do foro, ou seja, a alta dos preços dos arrendamentos das terras do engenho, não somente aos tribunais judiciários, mas também à tribuna da Asembléia Legislativa, onde ele cumpria mandato de deputado pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). Foi aí, portanto, que de causa já quase perdida, a luta dos galileus repercutiu nacionalmente e culminou na desapropriação das terras do Engenho Galiléia. Julião, por sua vez, igualmente reconhecido a nível nacional por sua obstinação em liderar a causa dos camponeses.

No livro Francisco JuliãoLuta, paixão e morte de um agitador (2001), do jornalista Vandeck Santiago, revela que, após a formatura, o recém-formado advogado Juliano reuniu os colegas e propôs que abrissem um escritório de advocacia para defender os camponeses. A reação, contudo, a proposta do jovem idealista foi vista como um disparate. Afinal, como ele, Juliano, filho e neto de senhor de engenho, surgia com uma ideia maluca daquela? Só que surgiu e, sozinho, aos poucos foi descobrindo as auguras do camponês. Dentre elas, aliás, a que mais lhe chamou a atenção foi a do cambão – “dias em que o camponês trabalhava de graça para o proprietário, como forma de pagamento pela utilização que fazia da terra”. Aquele artifício, digamos assim, utilizado pelos donos das terras para explorar ainda mais os que, e a muito custo, delas tiravam o seu sustento, tornou-se para Juliano o leitmotiv da sua carreira como advogado, visto que, o camponês, só de ouvir o nome cambão já ficava surdo de tanta revolta – revolta essa que, inclusive, não somente pôs em pauta a questão do trabalho escravo como também foi inspiração para título de um dos livros publicados por Julião. O difícil, contudo, segundo Santiago, “era ganhar uma causa”. Daí que, para manter o escritório, o já Julião igualmente aceitava casos de “desquites e investigação de paternidade – neste último caso, os pais costumavam ser ricos proprietários que engravidavam as filhas dos seus trabalhadores ou moradores, numa tradição que vinha desde o tempo da escravatura. Se hoje o reconhecimento da paternidade é assunto dos mais conflituosos, imagine-se como era a situação nas décadas de 40 e 50, na zona rural de Pernambuco, e tendo como protagonistas pessoas de classes sociais tão distantes uma da outra”.

De acordo, ainda, com Santiago, “no que tange aos desquites, [Julião] atendia mais mulheres de gente rica, que tradicionalmente eram ludibriadas nesses casos. A tática utilizada por ele para garantir o direito delas é extraordinariamente atual. Em determinado momento do processo se procedia a uma devassa nos bens e nas finanças do marido, para que, a partir dali, houvesse a distribuição do que a mulher teria direito: ‘Quando se tratava da mulher de um industrial ou de um comerciante, eu sabia onde era o ponto fraco deles. Era o momento em que deveria começar a devassa. Eles tinham duas escritas (para suas empresas), uma para o sócio, uma para o fisco, enganando o governo. O momento de fazer uma devassa geralmente era perto de encerrar o ano, quando se fazia o balanço, e quanto era fácil de fazer com que o camarada se dobrasse. Não era o medo da mulher, mas do fisco, porque ia-se descobrir que ele tinha lesado o fisco em milhões e milhões. Aí eles chamavam para um acordo. Eu ganhava bons honorários assim’”. No entanto, prossegue Santiago em sua biografia, “a figura do Julião político e líder de camponeses ofuscou tudo o mais que lhe dizia respeito, como o fato de que ele foi um grande advogado, aceitando causas que ninguém ousava defender e alcançando vitórias que se tornaram célebres nos tribunais. Foi assim, por exemplo, com as prostitutas. Um delegado de Costumes resolvera acabar com o ponto delas nas ruas do Bairro do Recife. Aquelas que desobedecessem a ordem seriam presas. Nenhum dos advogados procurados aceitara o caso. Até que Julião, recém-chegado de uma visita à Europa, em que fora integrando uma comitiva de parlamentares e empresários, foi abordado ao desembarcar no aeroporto. Ali mesmo ele aceitou entrar na briga”. E entrou, provocando diversas polêmicas.

Como Julião chega a explicar, “o Recife era uma cidade com uma quantidade formidável de prostitutas, em geral analfabetas, filhas de camponeses e 90% delas vindas do campo”. Assim, relata Santiago, “para defendê-las, ele elaborou um habeas corpus que ficou famoso na Cidade. O argumento principal baseava-se no direito de ir vir”. E ele, Julião, o advogado, questionava: “Se todo mundo tem este direito, por que não o tem uma prostituta?”. E o biógrafo do defensor dos oprimidos esclarece: “O argumento é utilizado mesmo hoje, quando se tenta retirar prostitutas de uma determinada área. Com ele, Julião ganhou a causa. As prostitutas ficaram; o delegado de Costumes foi quem saiu – derrotado, pediu transferência para outra delegacia. Julião não perdeu a oportunidade de fustigar o capitalismo: ‘Mostrei que a prostituição era um fenômeno próprio do sistema e que muitas delas [as prostitutas] eram camponesas infelicitadas no campo, que haviam sido expulsas da família por preconceito. E que iam rolando, rolando, até chegar a capital. É o latifúndio, é o sistema capitalista que gera isso. Acabava de visitar a Europa, passando por países católicos e protestantes, e vi que era um problema mundial. Em Paris, vi uma passeata de prostitutas que iam ao Congresso pedir uma lei para protegê-las. Levantei todo esse quadro e fiz um habeas corpus que era uma condenação ao próprio sistema, não somente brasileiro, mas do sistema capitalista em geral, como responsável pela prostituição’. Entusiasmadas com a vitória, as garotas quiseram fazer uma passeata de agradecimento a Julião, mas foram dissuadidas. Tudo bem que ele era a favor da agitação, mas aquela não era bem a agitação que ele queria...”. Em 1968, mais de duas décadas depois, exilado no México, ele publica Cambão: La Cara oculta de Brasil.

Deste livro, uma memorável passagem pode, digamos assim, resumir o tipo de agitação que Julião gostava e qual dos adjetivos a ele atribuídos que mais apreciava. Vejamos...

“Agitador, sim! Como é possível conceber a vida sem agitação? Porque o vento agita a planta, o pólen se une ao pólen de onde nasce o fruto e se abotoa a espiga que amadurece nas searas. O gameto masculino busca o óvulo porque há uma causa que o agita. Se o coração não se agita, o sangue não circula e a vida se apaga. Que dizer da bandeira que se hasteia ao mastro e não se agita? É uma bandeira morta. Qual é, por excelência, o mérito tão grande de Bartolomeu de Las Casas? Haver agitado de maneira extraordinária o problema do índio durante sua larga e fecunda existência. É agitando que se transforma a vida, o homem, a sociedade, o mundo. Quem nega a agitação nega as leis da natureza, a dialética, a ciência, a justiça, a verdade, a si próprio. Sabe o físico que para manter a água cristalina tem de agitá-la antes de lhe derramar o sulfato de alumínio que toma as partículas de impureza e desce com elas para o fundo. Manda o médico que se agite certos remédios no momento de tomá-los e o farmacêutico chega a escrever nas bulas este aviso: ‘Agite antes de usar’. O crime não está em agitar, mas em permanecer imóvel. Uma sociedade que não se agita é como um charco, suas instituições se estagnam e apodrecem. Inútil, portanto, é tentar reprimir a agitação, envolvendo-a nas malhas do libelo acusatório. Tudo passa sobre a face da terra e debaixo das estrelas, os impérios, as tiranias, os carrascos. Mas a agitação nunca passará. Nem que haja a consumação dos séculos de que falam os profetas bíblicos. É que ela, a agitação, se nutre de uma paixão. A paixão da verdade”.

Enfim! O homem das oratórias poéticas em prol dos camponeses e demais desvalidos, não importava a tribuna ou o tribunal, diz que teve um dia na sua vida que proferiu “o mais curto discurso que já se fez na vida de um político”. Quando foi isso?


Celia, la madre del Che

Celia de la Serna y Llosa (1906 - 1965) com Che Guevara (1928 - 1967), o filho médico e político nascido na Argentina, mas, reconhecidamente, cidadão cubano (Foto: Divulgação).

“Hay que endurecerse pero sin perder la ternura jamás...”.



Durante a minha breve busca por dados que, de fato, eu até então desconhecia – felizmente que há sempre um algo mais por descobrir, caso contrário, a tudo seria tão monótono, entediante –, li, na entrevista concedida ao jornalista Geneton Moraes Neto – já mencionada nesta postagem – que Francisco Julião faz referência à passagem por Recife, embora breve, no ano de 1961, de Celia de la Serna y Llosa, mais conhecida como a mãe de Che Guevara ou, simplesmente, a mãe de Che, que, à época, braço direito de Fidel Castro, ocupava, inclusive, alguns dos cargos mais estratégicos do governo revolucionário recém-instaurado em Cuba. Julião, por sua vez, que já conhecia Che, havia sido encubido de receber a mãe daquele que, por muitos, era considerado como o ideólogo da revolução cubana. Bom! O fato é que dona Celia faria uma palestra. Ou mais de uma. Não sei. O tema? Este ficou igualmente em aberto para mim, embora, creio, o mesmo seja um tanto quanto óbvio. Ocorre que, em relação à presença da mãe de Che em Pernambuco, deparei-me com duas versões. Assim, caso alguém tenha conhecimento de algum elo entre as duas e se for do seu interesse, favor repassar as informações que dispuser no espaço deste blog reservado a comentários.

Enfim! Segundo a escritora brasileira Ana Maria César, autora do livro A Faculdade sitiada (2009), que conta os bastidores da greve dos estudantes da Faculdade de Direito do Recife em 1961 – movimento do qual participou ativamente como aluna do segundo ano do curso de direito...

O dia era 31 de maio de 1961. A mãe de Che havia sido convidada pelos estudantes da Faculdade de Direito para uma palestra. Contrário ao evento, o diretor da instituição, José Soriano de Souza Neto (1895 - 1980), o proibiu, gerando uma tremenda frustração nos jovens, com os quais, naquele período, ele já andava as turras: os estudantes exigiam uma série de mudanças na faculdade. No entanto, mesmo diante da probição, a palestra teve início. Só que, enquanto Celia de la Serna y Llosa falava, conversava de maneira natural e espontânea com os estudantes, pouco importando o teor do papo, toda a luz do prédio onde estava foi cortada... De nada adiantou, já que, mesmo assim, a conversa prosseguiu. À luz de velas. Na verdade, se não fosse o alarde histérico do diretor da instituição, um evento que até poderia ter passado despercebido, já se tornara um fato histórico, sendo, ainda, de acordo com César, o estopim para que as divergências entre os docentes e o corpo diretor da Faculdade de Direito tomassem dimensões ainda maiores. Retomando, portanto, à versão de Fracisco Julião, no depoimento que deu ao jornalista Geneton Moraes Neto... Então deputado estadual, Julião recebeu a mãe de Che “no Centro Cívico-Literário Monteiro Lobato, no bairro da Iputinga”.

À ocasião, coube a ele apresentar Celia de la Serna y Llosa a todos os que estavam presentes ao evento. No momento, contudo, do ato solene, segundo Julião:

— (...) Houve um negócio desagradável: quando me levantei para saudá-la, diante de uma massa imensa, alguém jogou uma bomba. Resultado: a bomba tocou na quina da janela e explodiu. Um negócio tremendo, gente ferida. O camarada que jogou foi embora. Era um terrorista. E esta mulher ficou impassível, sentada, enquanto todo mundo saltava as janelas, naquele pavor do estampido da bomba. Então, eu – que ia fazer um discurso detalhando a vida de dona Célia e a influência que ela teve – levantei-me, tomei o microfone e limitei-me simplesmente a dizer, depois que se restabeleceu a ordem e desapareceu o pânico: “Senhores e senhoras, aqui está a mãe de Che Guevara!”. Fiz ali o discurso mais curto que já se fez na vida de um político.

Celia de la Serna y Llosa, por sua vez, de acordo, ainda, com Julião, que, para sua admiração, mostrou serenidade diante do fato, narrou o acontecimento ao filho, que não hesitou em convidar o companheiro para visitá-lo em Cuba: “Um encontro afetuoso”, recordou o brasileiro – oportunidade na qual, aliás, além de fazer referências ao episódio na qual a mãe foi envolvida “com um sorriso”, Che pediu ao porta-voz oficial dos camponeses nas tribunas que falasse mais detalhamente sobre as lutas sociais no Brasil, na América Latina... Só que essa conversa é outra história! Vamos, portanto, pular alguns anos, mais precisamente para horas antes de eclodir o golpe militar de 1964, quando Julião era deputado federal. Ou seja, no dia 31 de março, ele fez aquele que, segundo Vandeck Santiago, se tornaria o seu mais famoso discurso. Para o jornalista, a referida fala, foi, na verdade, “mais do que o discurso de um deputado”. Foi “o testemunho de um rebelde” – testemunho esse, inclusive, registrado nos anais do Congresso Federal. Enfim! O testemunho do rebelde Julião, eu diria, findou por se tornar um discurso premonitório. O li na íntegra e, já no final, referindo-se ao iminente golpe militar, ele diz algo que faço questão de transcrever porque, afinal de contas – um trocadilho? –, é o que, atualmente, estamos vivenciando no Brasil:

— (...) Continuaremos com a nossa pregação lá fora e esperaremos que, mais cedo ou mais tarde, o ajuste de contas seja feito.

Certamente, não tenho dúvidas de que a brisa que agitava os canaviais de Pernambuco em meados do século passado era a mesma brisa que agitava não somente o irrequieto advogado das causas ditas perdidas, mas, também, o próprio Julião...


Notas:

1. OLIVEIRA, ARIOVALDO UMBELINO DE. (2007). Modo de produção capitalista, agricultura e reforma agrária, 1ª Edição, FFLCH – São Paulo, p. 107. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/55969317/livro-aviovaldo
Acessado em 17/06/2012.
2. Idem, p. 107 e 108.
3. Ibidem, p. 108.
4. Ibidem, p. 104.


Nathalie Bernardo da Câmara



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