segunda-feira, 4 de junho de 2012

UM FUTURO A CONTA-GOTAS?



“Limitar o aquecimento global a 2°C já parece inalcançável. Reduções nas geleiras que deveriam levar milhões de anos agora levam décadas...”.

Isabel Gnaccarini
Jornalista Brasileira, especializada em meio ambiente, além de ser, segundo ela no seu blog, “bióloga por destino e socióloga por herança” – outra que também questiona os rumos do nosso futuro. Vejamos abaixo o artigo que publicou no jornal Folha de S. Paulo no dia 31 de maio de 2012.



Rio+20 e a urgência do homem


Às portas da Conferência da ONU para o Desenvolvimento Sustentável, viramos a ampulheta para o encontro que definirá o "futuro que queremos". Com esse mote, a Rio+20 fará o balanço do ciclo de conferências de 20 anos, desde a Rio-92.

A revisão não é de pouca monta. Estamos tratando de compromissos da agenda global do século 21 (Convenção do Clima, Comissão da Biodiversidade e Agenda 21).

Sem precedentes, foi ratificado há duas décadas o princípio da precaução, um pilar na defesa do bem-estar no planeta contido nos acordos seguintes. Em 1992, foi plantada a semente do Protocolo de Kyoto (1997), que chega ao fim. Naquele momento não tão remoto, a sociedade ganhou participação ativa, levando à ONU demandas de justiça e paz.

Mas algo importante: o que de fato irá ocorrer em junho está em descompasso com a urgência dos efeitos perversos sobre o ambiente.

Ao dar ênfase à economia verde como um novo caminho para o desenvolvimento sustentável, deixamos de evidenciar que nenhuma pauta valeria sem a confirmação da aceleração nas mudanças climáticas pela atividade humana, verdadeiro vetor que modifica a capacidade humana de sobreviver no planeta.

Brice Lalonde, coordenador-executivo da Rio+20, mostra o descrédito sobre as decisões que hoje poderiam mudar radicalmente a realidade, limitando o aquecimento a 2ºC: "Já parece inalcançável essa meta. Especialistas de todo o mundo temem que a humanidade seja incapaz de colocar fim à destruição da Terra". A experiência remonta às negociações do clima de 2007 a 2011.

Eneas Salati, engenheiro agrônomo e livre docente em física e meteorologia pela USP, segue a ideia do descompasso entre as urgências na escala planetária e as negociações. Aos 79 anos, foi um dos raros brasileiros a participar do primeiro relatório do IPCC, em 1990, a base para a carta oficial da Rio-92.

Para ele, a aceleração das mudanças climáticas pela ação humana se evidencia na diminuição do gelo nas geleiras eternas. E, ainda que o cientista britânico James Lovelock tenha mudado, aos 92 anos, seus sombrios prognósticos, o equilíbrio planetário pode estar fora de controle-desastre às pessoas mais fragilizadas e ameaça aos negócios no mundo.

Uma observação: nenhum cientista bem intencionado nega que as glaciações sejam naturais, em escala de 20 a 30 milhões de anos. O que se constata é que mudanças climáticas estão sendo aceleradas pelo homem para uma escala de décadas.

As propostas para evitar ou retardar os efeitos estão nos relatórios da ONU. A economia verde, então, deveria ser vista mais como um conjunto de soluções pragmáticas contra as mudanças do clima e menos como apanágio para as questões de fundo do sistema injusto.

A depender do compasso das negociações, será difícil esperar da Rio+20 uma decisão para os enormes desafios a que estamos circunscritos. As decisões foram tomadas, cabe chancelá-las. Soma-se o fato de os países mandatários, com conjuntura econômica desfavorável e eleições internas, não terem como prioridade as decisões da Rio+20.

O caso é esperar pelo não retrocesso, pelo alinhamento com os princípios históricos já acordados. Quem sabe as lutas ecológicas, que correm pelas moléculas sociais desde os anos 1960, possam impulsionar a ampulheta burocrática, empurrando os interesses individuais para a urgência que pedem os interesses coletivos. É o futuro que queremos.






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