1º DE JANEIRO:
DIA MUNDIAL DA PAZ
“Só lamento não ser criança para poder crer em meus sonhos...”.
Fernando Pessoa (1888 -1935)
Poeta português
No dia em que se comemora a paz mundial, eu gostaria de saber onde é, mesmo, que, atualmente, se vê paz no mundo, onde se tem paz. Conceito, estado de espírito... Sei não, mas acho que, de há muito, a paz tornou-se para lá de relativa, tal qual a felicidade, por exemplo, ou a segurança – não importa a sua natureza. Tanto que, às vezes, nem mesmo dormindo podemos ficar em paz, pois não controlamos eventuais pesadelos que possamos ter, os quais, inclusive, são, invariavelmente, capazes de nos atemorizar mais do que os reais, os do dia a dia, da vida dita real, que, inclusive, não são poucos – que o diga a posse, neste 1º de janeiro de 2011, da nova presidente do Brasil, Dilma Rousseff, sobre a qual, aliás, comentarei noutro post...
Enfim! Em 1998, mais precisamente no dia 10 de dezembro, quando se comemora a assinatura, em 1948, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Organização das Nações Unidas - ONU, o escritor português José Saramago (1922 - 2010) foi laureado com o Prêmio Nobel de Literatura e, em um dos discursos que proferiu durante o evento, em Oslo, Estocolmo, ele disse que, apesar de meio século já ter se passado desde a adoção da referida declaração, não parecia terem os governos “feito pelos direitos humanos tudo aquilo a que moralmente estavam obrigados” a fazer. O curioso é que, pouco mais de doze anos do discurso em questão, o seu teor permanece atual, sobretudo quando Saramago diz:
“As injustiças multiplicam-se, as desigualdades agravam-se, a ignorância cresce, a miséria alastra. A mesma esquizofrénica humanidade capaz de enviar instrumentos a um planeta para estudar a composição das suas rochas, assiste indiferente à morte de milhões de pessoas pela fome. Chega-se mais facilmente a Marte do que ao nosso próprio semelhante...”.
É, de fato, o escritor estava com toda a razão, sobretudo quando, ainda em seu discurso, ele concluiu que nós, cidadãos, temos de reivindicar com veemência não somente os nossos direitos, mas, também, o dever do cumprimento dos nossos deveres. Somente assim, em sua opinião, “talvez o mundo possa tornar-se um pouco melhor...” E, aí, lembro de um sábio homem que, certa vez, disse: “A utopia partilhada é a mola da História”. Esse homem foi o humanista brasileiro dom Hélder Câmara (1909 - 1999), que, aliás, teve o seu nome, por quatro vezes, indicado ao Nobel da Paz, mas que, pelas injustiças cometidas pela ditadura militar (1964 - 1985) no Brasil, amargou o desprazer do boicote sistemático a sua candidatura.
O legado da impunidade...
“A impunidade tolerada pressupõe cumplicidade...”.
Marquês de Maricá (1773 - 1848)
Matemático e filósofo brasileiro,
ministro da Fazenda de dom Pedro I
Falando na dita dura, findou o ano de 2010, conseqüentemente, o segundo mandato de Lula, e os arquivos secretos do regime militar não foram abertos, tornados públicos, como ele assim prometeu antes mesmo de assumir o seu primeiro mandato como chefe do executivo. Resta ao Brasil, agora, esperar – não digo nem acreditar – que a nova presidente eleita cuide de mais essa pendência do seu antecessor. Isso sem falar que, em uma decisão inédita, a Corte Interamericana de Direitos Humanos - CIDH, da Organização dos Estados Americanos - OEA, condenou o Brasil por não ter investigado crimes, considerados imprescritíveis, cometidos pela ditadura no Combate à Guerrilha do Araguaia, no sul do Pará, entre os anos de 1972 e 1974.
Datada de 24 de novembro de 2010, embora divulgada apenas no dia 14 de dezembro, a sentença afirmou que a Lei da Anistia (Lei nº 6.683/79), não pode ser “um obstáculo” para a investigação do caso nem para evitar a identificação e a punição dos responsáveis por violações dos direitos humanos em questão. Alem disso, o Brasil também foi condenado devido à aplicação da anistia como um “empecilho”, à ineficácia de ações e à falta de acesso à justiça, à verdade e à informação de certos fatos. A ação, por sua vez, foi encaminhada ao sistema interamericano por iniciativa do Centro pela Justiça e o Direito Internacional - Cejil, do grupo Tortura Nunca Mais e da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos políticos de São Paulo.
E isso porque, em abril de 2010, o Supremo Tribunal Federal - STF negou uma ação da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, pedindo a revisão da Lei da Anistia. Daí que, na sentença da CIDH, foi dito, igualmente, que a decisão do STF esbarrou na jurisprudência da entidade internacional, não levando em consideração, ainda, obrigações que devem ser cumpridas pelos Estados signatários da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, assinada em 1969, da qual o Brasil faz parte. Por isso o país ter sido responsabilizado pela “violação do direito à liberdade de pensamento e de expressão consagrado (...), pela afetação do direito a buscar e a receber informação, bem como do direito de conhecer a verdade sobre o ocorrido”.
De qualquer modo, o Estado brasileiro está sendo obrigado a investigar todo e qualquer fato relacionado a sua condenação, devendo, contudo, ser supervisionado pela CIDH no cumprimento integral de todas as determinações previstas na sentença, que, aliás, dá o prazo de um ano, a contar da decisão, para que o Brasil apresente um relatório sobre as medidas adotadas. Sei não, mas se os magistrados do STF fizeram o que fizeram, sem falar de outros desmandos por eles cometidos nos últimos anos, inclusive com a conivência do ex-presidente Lula, eu duvido muito que o Brasil adote não importa qual medida referente a tal condenação, independentemente da mesma ter repercutido negativamente a nível internacional. Só para se ter uma idéia...
Os magistrados do STF são tão arrogantes que, ao tomar conhecimento da sentença, o presidente da instituição, ministro Cezar Peluso, teve o desplante de dizer que a mesma “não revoga, não anula nem cassa a decisão do Supremo”, acrescentando, ainda, que a eficácia da referida sentença resume-se apenas ao “campo da convencionalidade” – dito corroborado pelo ministro Ayres Britto, voto vencido no julgamento de abril, juntamente com o ministro Ricardo Lewandowski, que afirmou que a condenação do Estado brasileiro pela CIDH “não obriga o Supremo recuar”, porque, “do ponto de vista jurídico, prevalece a decisão do STF como órgão supremo do Judiciário e parte da soberania do país”. Era uma vez diplomacia...
Afinal, quanta insensatez a do STF em não rever a decisão equivocada que tomou quando incluiu na Lei da Anistia os que cometeram crimes de tortura! Ocorre que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos “não tolera o esquecimento penal de violações aos direitos humanos”, como disse o ministro Celso de Mello, inclusive um dos que votaram a favor da anistia aos responsáveis por atos de tortura no Brasil à época da ditadura militar. Só que, por isso mesmo, tudo indica que o Brasil venha a sofrer sanções econômicas, como alertou o presidente da OAB, Ophir Cavalcante: “Recebemos a sentença com preocupação, principalmente porque o Brasil pode sofrer conseqüências penais e econômicas decorrentes da decisão do Supremo”.
A verdade é que os membros do STF não estão nem aí para as retaliações internacionais que podem decorrer da sua decisão irresponsável em deixar impunes assassinos declarados, que, arbitrariamente, desrespeitaram os direitos humanos. O pior é que o jurista conservador Nelson Jobim, à época ministro da Defesa do governo Lula, e, hoje, infelizmente, reconduzido ao cargo pela presidente Dilma Rousseff – que vergonha! –, também já se manifestou contrário ao cumprimento da sentença, apesar do Itamaraty reconhecer que o Brasil é obrigado a cumpri-la. O ex-presidente Lula? Outro conivente com a decisão do STF, a exemplo do seu descaso para com a categoria dos jornalistas e a liberdade de expressão...
Quando a máscara cai...
“Podem me prender, podem me bater, que eu não mudo de opinião...”.
Nara Leão (1942 - 1989)
Compositora e cantora brasileira
Para a sorte do povo brasileiro, o ex-presidente Lula não foi suficientemente capaz de enganar a todos com a política assistencialista adotada pelo seu governo, típica, inclusive, dos demagogos, dos chegados a um proselitismo qualquer, a um populismo barato. Muitos ficaram desgostosos com os seus dois mandatos presidenciais, ainda mais – diga-se de passagem – com a eleição da sua sucessora. Enfim! Fiquei de comentar sobre a posse da nova presidente do Brasil em um próximo post, mas, a título de ilustração, a fim de concluir a terceira parte deste, gostaria de dizer que nada mais me espanta diante de um terceiro mandato presidencial do PT e dos seus aliados, sobretudo porque não adiantou mudar a chefia do Executivo, já que a presença do espectro lulista pode ser percebida em todas as esferas do novo governo.
Ou seja, apesar de, no atual cenário político do país, ainda ter quem entoe o bordão Sem medo de ser feliz, é impossível não vislumbrar um Brasil tristonho. E não precisa ir muito longe não para sentir isso... Bastou ver a vaidade de Lula durante o discurso do senador José Sarney (PMDB-AP) e a aparente satisfação de Dilma Rousseff quando posou ao lado do coronel do Maranhão logo após a sua posse. Sinceramente, o Brasil não merece que Sarney continue abusando dos privilégios que o poder confere. Sem falar que, com o apoio de Lula, Sarney foi um dos maiores responsáveis para que, no dia 17 de junho de 2009, o Supremo Tribunal Federal - STF decidisse pelo fim da exigência do diploma de jornalista e do devido registro no Ministério do Trabalho e Emprego - MTE para o exercício regular da profissão.
Tal decisão, contudo, não apenas desrespeitou a liberdade de expressão e as conquistas da categoria dos jornalistas, mas, também, o direito do povo brasileiro a uma informação de qualidade, pautada, sobretudo, no compromisso com a verdade – um retrocesso, aliás, da nossa sociedade, pois mostrou o menosprezo que certos políticos e juristas têm por princípios considerados democráticos. E o pior de tudo é que a votação, no Senado, da Proposta de Emenda Constitucional - PEC de nº 33/2009, que restabelece a exigência do diploma de nível superior para o exercício da profissão de jornalista, devendo ocorrer ainda em 2010, foi mais de uma vez adiada. Neste caso, para 2011. Ah! Outra matéria sobre o mesmo tema, também prevista para acontecer em 2010, no caso, na Câmara dos Deputados...
Trata-se da PEC de nº 386/2009, mas, infelizmente, a votação desta também foi adiada para este ano. O detalhe, contudo, é que ambas as votações foram adiadas por falta de quorum – leia-se (não tenho a menor dúvida) pressão do governo federal, que não tinha o menor interesse de que as duas PECs fossem aprovadas, sobre os parlamentares. Ocorre que a categoria pretende cobrar do atual governo, que nada mais é, aliás, o continuísmo do seu antecessor, uma postura decente em relação ao problema, inconcebível, sobretudo, quando esse mesmo governo se diz democrático. Seria mesmo? Então, é bom lembrar outro episódio relacionado à censura da liberdade de expressão no país. E envolve, diretamente, o senador José Sarney (PMDB-AP), que usou da sua influência para calar a boca do jornal O Estado de São Paulo.
Provavelmente alimentado a ilusão de que é um intocável, exalando uma empáfia que dá asco, quando não passa de um político que não faz jus aos votos daqueles que o elegeu, sobretudo gente humilde e simples, que se deixa levar por demagogia, o senador José Sarney (PMDB-AP) foi o responsável pela decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal de, no dia 31 de julho de 2009, censurar o Estadão por publicar reportagens referentes a investigações da Polícia Federal de supostas falcatruas atribuídas ao seu filho, o empresário Fernando Sarney, que administra os negócios da família. Daí a pergunta: Por onde anda, afinal, esse tal de regime democrático de direito que, há 519 dias, mantém um jornal censurado? O pior é que Lula, que já foi tarde, esqueceu de apagar a luz, embora ainda dê tempo de apagá-la...
Nathalie Bernardo da Câmara
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