quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

CINEMA MUDO


“As contribuições do Irã ao cinema internacional foram justamente reconhecidas e encorajaram a pessoas de fora do país a respeitar e apreciar a sua gente e as suas histórias. Como os artistas em qualquer lugar, os cineastas iranianos deveriam ser celebrados, não censurados, reprimidos e presos...”.

Passagem de uma carta assinada por produtores e cineastas no dia 30 de março de 2010, exigindo ao governo do Irã que libertasse o roteirista e diretor de cinema iraniano Jafar Panahi, 50, preso, à época, no início do referido mês, acusado de produzir um filme sobre os protestos contra o resultado das eleições de 12 de junho de 2009, acusadas de fraude pelo candidato de oposição, Mirhossein Mousavi, 68, apoiado publicamente pelo cineasta, sendo o pleito, portanto, favorável a Mahmoud Ahmadinejad, 54, que foi reeleito para a presidência da República Islâmica. Na prisão, onde ficou durante oitenta e oito dias, Panahi fez greve de fome, argumentando que não queria servir de “cobaia” para ser submetido “a todo tipo de tortura mental e física”, bem como para alertar a comunidade internacional da censura imposta pelo regime iraniano à classe cinematográfica do país. Os protestos contra a sua prisão arbitrária pipocaram por toda parte e, mediante o pagamento de uma fiança, ele foi liberto.




Em comunicado divulgado nesta terça-feira, 18, os organizadores do Festival de San Sebastián, na Espanha, manifestaram o seu apoio aos cineastas iranianos Jafar Panahi e Mohammad Rasoulof, condenados em dezembro de 2010 - a sentença foi entregue no dia 18 - a seis anos de prisão. No caso de Panahi, um adicional de vinte anos sem escrever roteiros, realizar filmes, conceder entrevistas à imprensa internacional e a nacional, do próprio Irã, além de não poder viajar ao exterior. Os organizadores do evento declararam, ainda, que a condenação é “um gravíssimo atentado à liberdade de expressão” dos cineastas e aos seus direitos individuais, repudiando a pena que lhes foi imposta.

Segundo a advogada de Panahi, Farideh Gheyrat, o renomado cineasta, figurinha fácil nos festivais internacionais de cinema, ganhador, inclusive, de inúmeros prêmios, recebeu “a sentença de prisão por agir e fazer propaganda contra o sistema” do Irã, não sendo, portanto, a primeira vez que é condenado e preso por seu governo, já que o havia sido em 2009, como foi descrito na epígrafe deste post. No ano seguinte, em fevereiro, acusado de conspiração e propaganda contra o governo iraniano, foi proibido de participar do Festival de Berlim, onde participaria de um painel cujo tema era: Cinema iraniano: Presente e futuro. Expectativas dentro e fora do Irã.

Em março, acusado de “crimes não-especificados” – acusações posteriormente revisadas –, Panahi teve a sua casa invadida pela milícia iraniana, que confiscou a sua coleção de obras cinematográficas. À ocasião, juntamente com outras pessoas, ele foi detido e preso, já que a censura tem sido uma das características do atual governo do Irã. Em outubro, teve o passaporte confiscado pelas autoridades iranianas e, em novembro, foi a julgamento, acusado de fazer um filme sem autorização das autoridades iranianas. No tribunal, o cineasta denunciou ser vítima de injustiças e disse que, em setembro, foi impedido de comparecer ao Festival de Cinema de Veneza.

Uma censura implacável, que, há cerca de cinco anos, proíbe Panahi de exercer a sua profissão, bem como há dez veta a exibição dos seus filmes no Irã. Enfim! No dia 20 de dezembro, selando o seu destino, o “veredicto pesado”, segundo a advogada do cineasta: seis anos de prisão e vinte de inatividade – pena em nada leve, diferentemente das anteriores. Só que a comunidade cinematográfica internacional, solidária com o realizador iraniano, reagiu, redigindo, indignada, uma carta que, além de reivindicar as autoridades do Irã a libertação imediata de Panahi e de Rasoulof, acusa o governo iraniano de construir uma “máquina de guerra” para destruir, encarcerar e silenciar Panahi.

Enquanto isso, sensível ao drama dos cineastas iranianos, o diretor do Festival Internacional de Cinema de Berlim, Dieter Kosslick, alerta que “o direito irrestrito de se reunir, a liberdade de discursar e opinar não são apenas parte da convenção dos direitos humanos internacionais, que o Irã assinou, mas, também, parte da Constituição Iraniana”, acrescentando, ao se referir a Panahi: “É chocante que um renomado diretor seja punido tão severamente por seu trabalho artístico”. Confiante, contudo, na anulação da sentença, Kosslick convidou o cineasta para integrar o júri internacional da próxima edição do Festival de Berlim, que terá início no dia 10 de fevereiro.

Porém, em protesto, já que Panahi estará provavelmente impossibilitado de comparecer ao evento, uma cadeira vazia ficará simbolicamente a sua espera no júri de um dos festivais de cinema mais concorridos. Nesta terça-feira, 18, contudo, Kosslick divulgou que, de qualquer modo, em um gesto de solidariedade, o iraniano será homenageado durante o evento com a exibição, no dia da Revolução Iraniana, 11, de Offside (Fora do jogo), que trata do universo feminino no futebol, Grande Prêmio do Júri e vencedor do Urso de Prata no Festival de Berlim em 2006. Enfim! Dias atrás, a diplomata Catherine Ashton, pediu soluções definitivas para o affaire iraniano.

Representante da União Européia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança de caráter permanente, Ashton solicitou ao governo do Irã que anule a sentença do cineasta Jafar Panahi, cujo castigo adicional irá impedi-lo de exercer o seu direito fundamental à livre expressão. À ocasião, ela aproveitou para comunicar que também espera notícias positivas do também cineasta iraniano Mohammad Nourizad, 58, encarcerado desde abril de 2010. Para a diplomata, certas sentenças “não são compatíveis” com os compromissos firmados pelo Irã em diferentes convenções internacionais, entre as quais, a Convenção Internacional de Direitos Civis e Políticos.

E ela ressaltou, ainda, que as penas imputadas aos cineastas apenas maculam “a importante reputação internacional” do cinema iraniano. O pior, contudo, é que, nem mesmo assim, o governo do Irã reconhece as vantagens de apoiar os seus cineastas. Exemplo disso é que, em maio de 2010, após a segunda prisão de Panahi, o vice-ministro da Cultura para Assuntos Cinematográficos do Irã, Javad Shamaqdarii, declarou que o governo do seu país decidiu ampliar a censura a diretores e filmes iranianos, inclusive proibindo a exibição dos seus filmes em festivais internacionais sem prévia autorização do governo. Isso, sim, é que é ditadura! O que, aliás, não é nenhuma novidade. 

Afinal, não é de se estranhar, já que, não é de hoje, as autoridades iranianas nunca gostaram mesmo que a porção gangrenada do seu governo fosse exposta ao mundo. Só que até quem tem dois neurônios sabe que a censura, a repressão e todas as formas de violência são reflexos de mentes fracas, obtusas, sem discernimento, bem como de corações empedernidos, que só recorrem à força bruta porque são destituídos de humanidade – daí a tirana... Bom! Igualmente indignada com a sentença recebida por Panahí e Rasoulof, a Associação Portuguesa de Realizadores - APR condenou a “prática prepotente do governo iraniano, que atinge fortemente os direitos do homem”.

Em seu comunicado, a APR aproveitou para disponibilizar o link do site de uma petição que anda a circular na internet, pedindo a libertação imediata dos dois realizadores iranianos. Encabeçada por diversas entidades do cinema europeu, entre elas o Festival de Cannes, a Cinemateca francesa, a Cinemateca Suíça, a revista Cahiers du Cinéma, a Mostra Internacional da Arte Cinematográfica de Veneza, Festival de Cinema de Sarajevo, entre outros, a petição, em francês, inglês e persa, faz um apelo a atores, diretores, roteiristas e a “todas as pessoas que amam a liberdade” que a subscrevam, fornecendo o seu nome e e-mail. Ei-lo... www.ipetitions.com/petition/solidarite-jafar-panahi/ Eu já assinei!



Nathalie Bernardo da Câmara


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