IRÃ: UM CORAÇÃO EMPEDERNIDO?
Zohre Elahian, Sakineh e Dilma Rousseff
“Como a natureza sabe, sem diversidade não há evolução...”.
Isaias Raw
Bioquímico brasileiro,
presidente do Conselho Técnico-Científico da Fundação Butantan
Nota (na íntegra) divulgada nesta terça-feira, 18, pela Secretaria de Comunicação Social da presidência da República, contendo a resposta de Dilma Rousseff, 63, à polêmica carta que lhe foi enviada por deputada iraniana:
“A Presidenta Dilma Rousseff tomou conhecimento hoje, 18 de janeiro, da carta que lhe foi enviada pela Deputada Zohreh Elahian, Presidenta do Comitê de Direitos Humanos da Assembleia Consultiva do Irã.
Agradece os cumprimentos que a parlamentar lhe dirigiu por sua eleição à Presidência do Brasil, as informações que constam da carta e o interesse em contribuir para um diálogo construtivo entre os dois países sobre temas bilaterais e multilaterais.
A Presidenta Dilma Rousseff reitera a disposição de continuar conferindo à questão dos Direitos Humanos um lugar central em nossa política externa, sem seletividade e tratamento discriminatório.
A Presidenta considera, finalmente, como muito positiva a disposição da deputada Zohreh Elahian de realizar um amplo intercâmbio de opiniões por meio dos canais adequados. Um diálogo com as comissões de Direitos Humanos do Congresso brasileiro poderá ser de grande utilidade nesse sentido”.
Uma reposta diplomática, a da la presidenta Dilma Rousseff, ainda mais diante da responsabilidade do cargo que ocupa, sem falar da pública e notória animosidade dos fundamentalistas islamicos, à carta que recebeu da deputada iraniana Zohre Elahian, 56, e que, há dois dias, anda a rodar o mundo e a causar polêmica, sobretudo porque, na condição de líder dos direitos humanos no Irã, a autora da missiva praticamente repudiou declarações da brasileira, que, recentemente, se posicionou contrária a violações dos mesmos pelo governo iraniano, dos direitos das mulheres do país e, mais especificamente, dos da iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani, 43, que, em um período de cerca de cinco anos, contabilizou duas penas de morte: uma em 2006, por apedrejamento, acusada de adultério, e outra em 2010, por enforcamento, acusada de co-participar do assassinato do marido, em 2004.
Na carta, a deputada iraniana diz, ainda, que, apesar da “sentença de apedrejamento” ainda não ter sido finalizada, “a sentença de enforcamento”, imputada à Sakineh, foi suspensa devido ao perdão dos seus filhos, embora sendo mantida a pena de dez anos de prisão, decretada logo após a sua condenação como cúmplice da morte do marido, sem contar as noventa e nove chibatadas que recebeu após o primeiro julgamento. Ocorre que, como eu já disse no post anterior, nenhuma suspensão impede que pena alguma – não importa o caso – não volte a ser validada, a não ser que seja revogada. Ao mesmo tempo, ao tomar conhecimento do teor da carta de Zohre Elahian, autoridades iranianas logo desmentiram à imprensa internacional algumas das suas declarações, argumentando que o processo de Sakineh ainda está sendo revisado, não havendo, portanto, nenhum veredicto a respeito.
De Berlim, na Alemanha, a líder da organização não-governamental Comitê Internacional contra o Apedrejamento, a ativista iraniana Mina Ahadi, em depoimento ao jornal O Globo, disse que “a decisão final sobre o caso vai ser política”. Afinal, segundo ela, “a justiça iraniana faz o que quer, mas não deixa de ter certa preocupação em mostrar uma boa imagem, pelo menos para os países amigos”. O fato é que a carta da parlamentar iraniana suscitou ainda mais polêmicas a um caso judiciário já repleto de controvérsias. Sem falar que a República Islâmica tem acusado o Ocidente de manipular o caso Sakineh para atacar o Irã, de há muito envolvido em escândalos relacionados aos direitos humanos e ao seu programa nuclear. Enfim! A primeira das declarações de la presidenta Dilma Rousseff foi anterior a sua posse, em dezembro de 2010, quando concedeu uma entrevista ao jornal Washington Post.
Discordando da posição assumida pelo Brasil, que, em novembro de 2010, se absteu de votar na resolução da Organização das Nações Unidas - ONU que condena violações aos direitos humanos no Irã, Dilma citou, entre outros, casos de tortura no país, um alto nível de penas de morte, uma acintosa violência as mulheres e perseguições a minorias étnicas e religiosas. À ocasião, inclusive, ela enfatizou não concordar com “práticas que tenham características medievais” no que diz respeito ao tratamento dispensando pelo governo do Irã aos seus presos políticos e, ainda, as mulheres, acrescentando que, na condição de presidenta, não pretenderia fazer concessões em relação a essas questões. Tanto que, já nos primeiros dias de janeiro deste ano, quando da sua primeira entrevista como presidenta do Brasil, declarou que, em sua opinião, o drama vivido pela iraniana Sakineh, por exemplo, era de barbárie.
Assim, em reação as posturas do atual governo brasileiro em relação ao iraniano, especificamente no que se refere aos direitos humanos, a carta da deputada Zohre Elahian apenas reforça o descontentamento das autoridades do Irã com as declarações de la presidenta brasileira, que, a seu ver, teria defendido acusados de crimes pelo regime iraniano contra a segurança do seu povo e do seu Estado. Sinceramente, tudo não passa de uma questão de ponto de vista. Sem falar que, não faz muito tempo, Teerã já havia manifestado certo “incômodo”com as críticas de Dilma Rousseff. O ministro das Cooperativas do Irã, por sua vez, Mohammad Abbasi, declarou ao jornal Folha de São Paulo que esperava receber mais cooperação do governo Dilma, a exemplo do ex-governo Lula, que, aliás, em julho de 2010, propôs à República Islâmica abrigar Sakineh, embora a proposta de asilo tenha sido recusada.
De qualquer modo, já que os muçulmanos são melindrosos com tudo o que diga respeito a sua religião e a sua cultura, capazes de terríveis represálias quando criticados por certos hábitos considerados bárbaros – testemunhos não faltam –, é bom ressaltar que, em momento algum, Dilma Rousseff quis desrespeitar a soberania e a autonomia do Irã enquanto nação. Em meu entender e, acredito, no entender de qualquer pessoa de bom senso, ela apenas emitiu a sua opinião – opinião, aliás, que não é exclusiva sua, mas da maior parte da população mundial, que, inclusive, já se posicionou contrária as arbitrariedades cometidas pelo governo do Irã, repudiando, no caso, o descaso para com a vida de uma mulher, ou de qualquer outro ser humano, que, em hipótese alguma, merece ficar à mercê de religiosos fundamentalistas, cegos em sua fé, como se apenas as suas crenças fossem as únicas na face do planeta.
Enfim! Com uma visão dita ocidental dos direitos humanos, as opiniões de la presidenta Dilma Rousseff, em oposição, contudo, as da deputada Zohreh Elahian, presidenta do Comitê de Direitos Humanos da Assembléia Consultiva do Irã. Quanto à Sakineh Mohammadi Ashtiani, acredito que ela só queira mesmo é sobreviver... E o mundo pode ajudá-la nisso! O que só não tem cabimento é que, em pleno séc. XXI, ainda existam países cujas legislações remontam à Idade Média, sobretudo porque são fortemente influenciadas por não importa qual religião, em detrimento da autonomia que os seus respectivos Estados deveriam cultivar, mas que, infelizmente, desconhecem por completo o que seja democracia, laicidade e respeito, por exemplo, ao direito à liberdade de pensamento e de expressão, ao pleno exercício da cidadania e à diversidade, seja no âmbito da sociedade, seja em todas as esferas da vida.
Enfim! Com uma visão dita ocidental dos direitos humanos, as opiniões de la presidenta Dilma Rousseff, em oposição, contudo, as da deputada Zohreh Elahian, presidenta do Comitê de Direitos Humanos da Assembléia Consultiva do Irã. Quanto à Sakineh Mohammadi Ashtiani, acredito que ela só queira mesmo é sobreviver... E o mundo pode ajudá-la nisso! O que só não tem cabimento é que, em pleno séc. XXI, ainda existam países cujas legislações remontam à Idade Média, sobretudo porque são fortemente influenciadas por não importa qual religião, em detrimento da autonomia que os seus respectivos Estados deveriam cultivar, mas que, infelizmente, desconhecem por completo o que seja democracia, laicidade e respeito, por exemplo, ao direito à liberdade de pensamento e de expressão, ao pleno exercício da cidadania e à diversidade, seja no âmbito da sociedade, seja em todas as esferas da vida.
Nathalie Bernardo da Câmara
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