sábado, 22 de janeiro de 2011

PANAHI: RETROSPECTIVA I

ADEUS AS ILUSÕES?

 “[Os cineastas iranianos Abbas Kiarostami, 70, Moshen Makhmalbaf, 67, e Jafar Panahi, 50] fizeram a cabeça de muita gente mundo afora, inclusive no Brasil...”.
 
Luiz Zanin
Jornalista e crítico de cinema  brasileiro
 
 
 
Os trechos de uma entrevista transcrita abaixo, concedida pelo renomado e premiado cineasta iraniano Jafar Panahi ao jornalista brasileiro Raul Juste Lores, enviado especial do jornal Folha de S. Paulo a Teerã, e publicada no dia 18 de fevereiro de 2009, poderia, de certa forma, ser um registro de um marco na vida do entrevistado, já que, até então, embora já soubesse o quão pode ser pesada a carga de periculosidade da censura e conhecesse de perto as suas conseqüências funestas, ele não poderia imaginar que, poucos meses depois, em junho, com a reeleição de Mahmoud Ahmadinejad, 54, à presidência da República Islâmica, o episódio iria legar provações revestidas com novos contornos.
 
Afinal, apoiando publicamente o candidato Mirhossein Mousavi, 68, declaradamente de oposição, que iria acusar o pleito de fraudes, o cineasta, por sua vez, seria igualmente acusado de produzir um filme sobre os protestos contra o resultado das eleições, motivo que, pelo menos aparentemente, desencadeou a via-crúcis na qual, daquele momento em diante, se transformaria a sua vida: mais acusações, prisões, maus tratos, greve de fome, interdições, mais censura...
 
Enfim! Tudo culminando com uma acusação de “delito de opinião” e a sua condenação, por um tribunal iraniano, em dezembro de 2010, a seis anos de detenção e vinte de inatividade, ficando terminantemente proibido de escrever roteiros, realizar filmes, conceder entrevistas e viajar para fora do Irã – sentença, inclusive, que causou a maior comoção na comunidade cinematográfica mundial, bem como em todos aqueles que defendem os direitos humanos, a liberdade de pensamento e de expressão e repudiam todas as formas de injustiça e tirania...
 
Ocorre que, à época da entrevista, apesar de ser considerado o cineasta mais político e crítico do Irã, Panahi já estava, segundo o repórter Raul Juste Lores, há quatro anos sem filmar, pois, desde a chegada de Ahmadineiad ao poder, em 2005, ele não conseguia aprovação da censura para os seus roteiros. Uma curiosidade, contudo, é que, de todos os seus filmes, apenas o primeiro, O Balão branco (1995), inclusive agraciado no Festival de Cannes com o Câmera d’Or, prêmio reservado a estreantes, foi exibido no Irã. Os demais, por sua vez, proibidos pela censura de serem vistos no país.
 
São eles: O Espelho (1997), vencedor do Leopardo de Ouro do Festival de Locarno; O Círculo (2000), “um drama vigoroso sobre os maus-tratos às mulheres iranianas”, que ganhou o Leão de Ouro no Festival de Veneza e após o qual Panahi passou a ser conhecido como “o cineasta maldito do regime” islâmico; Ouro carmim (2003), eleito o melhor filme da mostra Un certain regard do Festival de Cannes e Fora do jogo (2006), Grande Prêmio do Júri e Urso de Prata do Festival de Berlim, além dos seus curtas.
 
Enfim! Foi em sua casa, um apartamento em Teerã, que Panahi recebeu a Folha, embora se justificando por, à ocasião, assistir a um episódio da temporada 24 Horas: “Já que não me deixam filmar, assisto a seriados americanos”, disse. Curioso... Como isso é possível no Irã? Bom! Aos cinéfilos do Brasil, onde, aliás, toda a obra do cineasta iraniano já foi exibida e onde ele já esteve três vezes, bem como aos de demais nacionalidades, eis, portanto, os trechos da referida entrevista disponibilizados pelo jornal na internet.



Nathalie Bernardo da Câmara






“Censura total no Irã é inviável”, diz cineasta


Por Raul Juste Lores*

 
Censura e Ahmadinejad:
Jafar Panahi – Desde que Ahmadinejad chegou ao poder [em 2005] não consigo filmar. Há quatro anos não tenho autorização. Todas as minhas ideias e roteiros são rejeitados pelo governo. Sem permissão, você não filma. Os cinemas só exibem o que o governo deixa, e os sete canais de TV são estatais. É um monopólio. Mas não foi só o cinema que piorou com Ahmadinejad, muitas outras coisas pioraram.


Sistema ideologizado:
JP – Não faço cinema político, faço cinema social. O filme político diz quem é bom e quem é ruim, como os partidos políticos. Quem concorda com eles é bom, quem discorda é ruim. O problema é que tudo faço aqui é visto como político. Em um sistema tão ideologizado, se você não concorda com eles, não frequenta os eventos do governo, você vira político. No cinema social, não tem preto, branco, tem cinza.


Filmes com crianças:
JP – Todos os meus filmes foram proibidos no Irã, com exceção de O Balão branco. Mesmo antes da Revolução Islâmica, cineastas driblavam a censura fazendo filmes com crianças. A censura não dá bola para filmes com crianças. Mas eles falam de temas adultos. São “com” crianças, não para crianças.


Mulheres e limites:
JP – Decidi não voltar a filmar com crianças em O Círculo. Gosto de falar de limites, obstáculos. Então, era natural fazer um filme sobre as mulheres iranianas. Causou muita polêmica, todos os jornais estatais me atacaram. O governo queria que eu cortasse 18 minutos de cenas “inconvenientes” e não aceitei. A partir daí, meus filmes não puderam ser exibidos nos cinemas daqui.


Parabólicas piratas:
JP – Os iranianos acabam vendo meus filmes pelas cópias piratas, a US$ 1, que são vendidas em todo o canto. Apesar de proibidas, eu diria que 90% dos iranianos têm parabólicas hoje, dos mais ricos aos mais pobres. Todo o mundo vê canais internacionais de televisão, o controle da informação ficou difícil. O governo teria que prender o país inteiro.


Revolução errada:
JP – Jovens não poderiam ser jovens pela lei do Irã - tudo é tão surreal que para onde você olhe, há ideia de um novo filme. Sou otimista com a nova juventude, que não aceita certas imposições do governo e as está driblando. Minha geração fez a revolução, ajudamos a derrubar o xá, mas logo percebemos que essa revolução estava errada. Saímos de um regime sem democracia para outro. Não mudou o fundo. A nova geração não quer mais revolução.


Exílio e comércio:
JP – Muitos cineastas imigraram, alguns estão fazendo outras coisas. Recebi uma proposta de Hollywood. Talvez aceite. Hoje, no Irã, há um ou dois filmes bons por ano, aprovados pelo governo. Mas 99% do cinema iraniano é comercial. Divide-se em dois tipos: garota sofrida se apaixona por garoto, passam por desencontros e terminam juntos. Ou homem casado conhece outra e fica com duas esposas. Tudo sem beijo.

*Enviado especial da Folha de S. Paulo a Teerã





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