quinta-feira, 7 de junho de 2012

ENSINO RELIGIOSO NAS ESCOLAS DA REDE PÚBLICA: UM CASO EM QUESTÃO!

“Sinto revolver-me o estômago cada vez que ouço cristãos falarem de moral...”.

Karlheinz Deschner
Pseudônimo do escritor e historiador alemão Karl Heinrich Leopold Deschner.


Pegando a deixa do texto Não confundir alhos com bugalhos, postado neste blog nesta quarta-feira (6), onde sugiro a exclusão de feriados ditos religiosos do calendário nacional de datas comemorativas, eu resolvi, nesta postagem, falar sobre um tema correlato, que é o da obrigatoriedade do ensino religioso na rede pública de ensino do país cujo Estado, diga-se de passagem, é laico – quanto paradoxo! Desse modo, escolhi como ponto de partida da minha abordagem um caso de certa forma recente ocorrido num dado jardim de infância do Plano Piloto de Brasília em agosto de 2011, gerando – não foi surpresa – certa polêmica. Segundo reportagem divulgada pela Agência Brasil de notícias, o estopim que, à época, desencadeou todo o quiproquó, que, aliás, rende até hoje, foi o fato de, diariamente, antes de iniciadas as aulas, os alunos fazerem uma oração católica no pátio do estabelecimento de ensino, cuja diretora definiu o ritual de espontâneo, chamado, inclusive, de momento de acolhida, sendo que, a cada dia, uma criança de uma turma qualquer era escolhida para agradecer a Deus ou ao “Papai do Céu” não importa pelo quê. Algumas vezes, agradecer “pelo parquinho”; noutras, “pelos colegas”...

Enfim! Após uma denúncia encaminhada à Ouvidoria da Secretaria de Educação do Distrito Federal, a diretora do jardim de infância foi ouvida e, entre outras tentativas vãs de justificar o procedimento em questão, alegou que as reclamações partiram apenas de pais e de mães que não comungavam com o catolicismo. Para ela, uma religião basicamente cristã. Porém, pelo que se observou à ocasião, a coisa ia mais além de uma mera oração tida, digamos assim, como inocente. De acordo, ainda, com a reportagem, “em resposta à denúncia, um grupo maior de pais organizou um abaixo-assinado a favor da escola e da oração no início das aulas”. E, aí, haja discórdia entre os pais e as mães dos alunos matriculados no dito jardim de infância! De um lado, os que pediam a exclusão de alusões a práticas religiosas das atividades escolares; do outro, os que não somente apoiavam o ritual diário – de fato obrigatório, vale salientar –, mas que também insistiam que a direção da escola estava sendo perseguida. E a reportagem prossegue, registrando que, para Carolina Castro, mãe um aluno, “a intenção da escola é positiva e busca a socialização”. Segundo as próprias palavras da mãe, que defende as práticas em questão adotadas pela diretora:

— Não acho que eles estejam tratando de religião em si, mas passando uma noção de agradecimento do que é precioso na vida. Não acho que isso seja ensino religioso.

Na opinião de Thiago Meirelles, católico e pai de outro aluno:

— A forma como eles professores e direção estão atuando não é nada abusiva ou direcionada a uma crença específica. Eles colocam a palavra de Deus, como entidade superior, e agradecem à família. São só coisas boas, frutos bons. Quem está incomodado é uma minoria.

Dessa dita minoria, contudo, faz parte a radialista Eliane Carvalho, que integra a Associação de Pais e Mestres do colégio. Para a reportagem, Eliane Carvalho “disse que a escola está ultrapassando os limites permitidos pela legislação [brasileira]. Ela e outros pais que protestam contra essas atividades se apoiam no princípio constitucional da laicidade para pedir que práticas de cunho religioso fiquem de fora do ambiente escolar”. Segundo a radialista, lamentando a polarização da discussão:

— Não é uma discussão pessoal, mas de currículo. O grupo que fez o abaixo-assinado passou a nos ver como perseguidores de cristãos. Hoje, somos vistos como pessoas absurdas que não querem a palavra de Deus na escola. Todos têm o direito de fazer suas orações, mas eu questiono o fato de a escola aceitar uma prática que, para mim, se configura em arrebanhar fiéis.

Isso sem falar, diz a reportagem, que, “além do momento da acolhida, ela conta que notou outros sinais de violação, a partir de informações que o filho de 4 anos levava para casa”. E a radialista relata o ocorrido:

— Não posso dizer que existem dentro da sala de aula práticas religiosas, mas meu filho não aprendeu em casa a orar em nome de Jesus. Um dia ele me disse que o telefone para falar com Jesus era dobrar o joelho no chão.

O curioso é que esse imblóglio me fez lembrar uma brincadeira infantil, acho que se chamava cabo de gerra, que consistia em dois grupos de crianças, cada um segurando uma extremidade de uma corda, ambos fazendo força para atrair a tal da corda para si, com a intenção, obviamente, de derrubar os adversários – digo “consistia” porque, não é de hoje, lá se vai o tempo, são os jogos eletrônicos (nada lúdicos, por sinal) que andam a atrair o interesse da maioria das crianças. Enfim! A reportagem informou igualmente que o momento da acolhida também é comum em outros colégios da rede pública de ensino do Distrito Federal, mas que no jardim de infância é praticado desde a sua fundação, há mais de 40 anos. À ocasião, contudo, “a Secretaria de Educação do Distrito Federal informou que desconhece problemas semelhantes em outras escolas da rede e reiterou que orienta as unidades a seguir a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que veda qualquer prática proselitista no ambiente escolar”.

O fato é que, durante a polêmica, “a reza foi substituída por cantigas de roda e outras atividades”. Na opinião de Mafá Nogueira, pai de uma aluna, para quem o jardim de infância antes parecia uma igreja, mas que, depois da denúncia, passou a parecer uma escola:

— O mais triste é que, apesar de essas pessoas dizerem que estão pregando o amor e o respeito, elas não têm respeito nenhum pela minha liberdade de que não haja essa interferência religiosa.

Bom! Na reportagem Ser laico não é ser contra a religião, publicada no blog da revista Fórum no dia 1º de junho deste ano, a respeito de um debate sobre o ensino religioso nas escolas da rede pública, ocorrido um dia antes, o jornalista Mario Henrique de Oliveira concluiu que, “apesar de o Brasil ser um Estado laico, também consta no texto da Constituição a obrigatoriedade do ensino religioso, além do país ter firmado um acordo com a Santa Sé que prevê o ‘ensino católico e de outras confissões’ na rede pública de ensino, o que causa um conflito de interesses. (...) Por isso, os envolvidos no debate acreditam que [a solução] seria a retirada do ensino religioso das escolas. Para tanto, seria necessária a criação de uma PEC, Proposta de Emenda à Constituição, mas eles não enxergam uma força política hoje capaz de se articular para essa finalidade. Em vista disso, foram debatidas também algumas alternativas, entre as quais a criação do Plano Nacional para Enfrentamento da Intolerância Religiosa e de uma Comissão de Enfrentamento de Intolerância Religiosa, a formação de profissionais e gestores para lidar com a questão, revogação do acordo entre Brasil e Santa Sé, revisão do artigo 33 da LDB e eliminação de todos os símbolos e práticas religiosas da rotina escolar”. Ah! Agora, sim, vamos ver quem ganha o cabo de guerra.

Eu, particularmente, acredito que religião, qualquer que seja ela, induz à alienação. No entanto, existe quem pense diferente. E isso é positivo. Afinal, se todos pensassem da mesma forma, tudo seria tão monótono! De qualquer modo, não somente no que concerne à religião, mas a tudo na vida, o sábio é evitar debates estéreis, que não levam ninguém a nada nem a lugar nenhum. E respeitarmos as diferenças, porque também aprendemos com elas. Tanto que, não é à toa, as diferenças são dialéticas, estimulando, portanto, o nosso crescimento interior. Isso sem falar que, acima de tudo, vem o direito à liberdade de escolha. É como se, por exemplo, estivéssemos numa biblioteca e, diante de nós, a nossa disposição, uma quantidade exorbitante de livros. Qual ou quais levaríamos, havendo, ainda, a possibilidade de não levarmos nenhum? Caberia a nós, no caso, mas apenas a nós, o direito de escolha...

Nathalie Bernardo da Câmara


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